Suspiro entre nostálgica e infeliz com os pensamentos.
Laura
Observei Miguel, ele está pensativo. Ele não me dirigiu a palavra durante o restante do caminho, e como ele mal responde o que pergunto, então desisti de tentar conversar.
Às dez e quarenta e cinco entramos na propriedade. Eu suspiro em alívio.
Seguindo por um caminho estreito de paralelepípedos, finalmente a camionete alcançou um bolsão em frente à casa principal que é imponte, bem alta, revestida de pedras em alguns lugares em outros pintados de branco, seu telhado cinza lhe dá uma aparência magnífica. Como eu amo esse lugar!
—Aqui estamos, bem-vinda a fazenda Pedra Alta. —Ele diz sério me olhando por um tempo, então sai do carro.
Ele abre a porta para mim.
Até que enfim vejo algum cavalheirismo em seu gesto. Eu desço da caminhonete e logo vejo meu pai saindo do interior da casa, e depois surge Maria.
Meu pai agradece a Miguel afetuosamente. Depois caminha em minha direção, eu encurto a distância também me aproximando dele.
— Laura, minha filha! —Ele exclama com voz emocionada. — É tão bom ver você!
Eu também fico emocionada. É sempre assim quando nos revemos. Ele me toma nos braços e eu o envolvo com os meus num aperto forte, apoiando a cabeça no seu ombro forte, cheirando tabaco e sabonete.
— É bom ver você também. — Respondo ainda emocionada, enquanto ele se afasta para me olhar melhor.
— Vem filha. Vamos falar com Maria.
Ele me conduz até onde Maria me espera ao lado de Miguel. Este, está calado ao lado dela apenas observando toda a cena.
Maria é uma mulher magra, com a tez bronzeada, os cabelos negros brilhantes são pintados. Ela detesta demonstrar a idade que tem.
— Laura querida. Que saudades.
Maria me abraça apertado, me dando um beijo no rosto. Me afasta para me olhar.
—Está mais linda do que antes.
—Obrigada.
Papai sempre viaja com Vitor para me ver, acompanhando meu desenvolvimento, mas Maria e Miguel não. Já faz um ano que não nos vemos. Desde as minhas últimas férias.
Miguel então, nesse tempo todo, em três anos, só me viu de longe. Minha mãe tinha morrido há pouco tempo na época e eu fiquei mais com meu pai.
— Venha, vamos entrar — Maria coloca um braço no meu ombro para me conduzir para dentro da casa.
Miguel se dirige ao carro para pegar minha mala.
— Onde está Vitor? —Pergunto, olhando o interior da casa.
—Vitor está para chegar. Ele não vê a hora de te ver, mas ele está separando o gado. Eu estava até agora com ele. Só voltei para cá, pois eu sabia que você já estava para chegar. —Meu pai diz com um sorriso bonachão.
Miguel passa por nós e vai direto para o corredor com minha mala na mão. Meu pai se senta no grande sofá florido da enorme sala confortável, em frente à uma linda lareira branca. Tapete grande da cor bege e um lustre enorme pende no centro da sala.
Ele bate no lugar a seu lado, me convidando para eu me sentar com ele, mas antes que eu o fizesse, Miguel surge na sala e logo em seguida Vitor do outro lado.
—E aí, maninha! Enfim, de volta ao lar.
Eu sorrio e corro até ele, me atirando em seus braços. Ele retribui me abraçando apertado e rodopiando comigo na sala.
—Vitor, que saudade.
Ele me afasta.
—Ficará esse ano inteiro conosco?
Eu procuro meu pai com os olhos. Eu não sei que planos meu pai tem para mim. Se eu ficarei o ano ou apenas o semestre.
—Não sei. Ainda eu e papai não falamos a respeito disso. Tia Susan me disse que era para eu resolver com ele. As portas estarão sempre abertas para mim.
—Filha sente-se aqui. —Meu pai pede, me indicando o lugar novamente. —Vitor, ela acabou de chegar e você já está falando de ela ir embora?
Eu me sento ao lado dele e procuro com os olhos Miguel. Ele pega um suco gelado que Maria oferece para ele. Agora ela vem com a bandeja na minha direção. Eu pego o copo do suco dizendo:
—Não tenho pressa nenhuma para ir embora.
—Vamos matar a saudade. —Meu pai diz satisfeito.
Bebericando devagar a bebida gelada, ergo meus olhos procurando os de Miguel, mas ele se vira e deixa a sala. Vitor se senta ao meu lado.
—E tia Susan? Está bem?
Tia Susan era solteira por opção. Irmã de nossa falecida mãe.
—Está bem. Ela é aquele jeitão que conhecemos. Aposentada, levanta tarde, come fora dos horários, e eu só não peguei o ritmo dela por causa da escola.
Fico um bom tempo conversando com papai e Vitor, até a hora que Maria nos chama para o almoço.
Eu me sinto cansada, e nem tanto por causa da viagem em si, mas pelo clima tenso que eu passei com Miguel. Não consegui relaxar nem um pouco com ele.
Na sala de jantar percebo que a mesa está arrumada para cinco pessoas.
—Maria, você chamou Miguel para almoçar conosco? Hoje quero que vocês participem conosco.
—Sim. Ele já está vindo. Olha ele aí.
Miguel surge na sala quando eu ocupo meu lugar. Todos se sentam ao redor da mesa. Miguel ocupa um lugar à minha frente.
Afasto um instante os sentimentos ruins em relação a ele e como calada a lasanha que Maria fez e que está uma delícia.
Miguel me atrai, isso é claro. Na verdade, ele sempre me atraiu, mas antes de um jeito diferente. Hoje meus sentimentos mudaram, antes eu o olhava como uma criança que gostava do rapaz mais velho, um amigo de todas as horas. Hoje...Deus! Ele...me tira o fôlego. Procuro seus olhos, ele não olha para mim e está concentrado na comida, não me permitindo fazer a leitura desse novo homem. Antes ele era um doce de pessoa, agora ele está tão amargo...
Lembro-me da minha adolescência com Miguel. Quando fiz onze anos começamos uma amizade que durou até os quatorze anos, então eu fui mandada a casa de minha tia para estudar. Até então eu vivia atrás dele. Literalmente eu o perseguia.
Eu adorava conversar com ele sobre o gado, sobre a fazenda. No começo ele ficava incomodado, mas quando viu minha persistência mesmo com seus protestos para eu me afastar dele, sucumbiu à constatação que não adiantava me expulsar de sua vida.
Depois de chegarmos a um acordo com isso, ele ficou bem. – Eu só podia conversar com ele à tardinha, quando ele finalizasse seu trabalho. Então para mim, esse jeito hostil dele é algo inusitado. Sinceramente, eu não esperava, pois nem com meu irmão, eu tive tanta intimidade e conversei sobre tantas coisas como com Miguel. Mesmo porque, meu irmão na época estudava fora, como eu.
Tento entender seu jeito arredio.
Puxa! Ele me tratou como uma estranha. Nem me abraçou na rodoviária. Foi logo se afastando de mim.
Como ele pode me colocar de escanteio assim em sua vida?
Eu era praticamente a sua sombra!
Lembrei-me que uma vez fiquei doente e não fui procurá-lo como eu fazia toda tarde. Ele estava tão acostumado comigo que foi até meu pai para saber de mim. Eu sei disso, porque bem na hora eu estava na sala e ouvi toda a conversa dos dois. Eu tinha quatorze anos na época.
Nunca me senti um peso para ele e no entanto o jeito que ele me tratou e falou comigo hoje, percebo que eu estava enganada. Ou há algo muito sério acontecendo com ele.
Bem, isso não deixa de ser decepcionante.... Está certo que às vezes eu me meti em encrencas. Como subir em uma árvore e depois não conseguir descer. Tomar chá de sumiço na fazenda. Etc..
Miguel sempre se mostrou severo nessas horas, sempre ouvia uma espécie de sermão, mas sempre dosados com muito amor e humor. Eu adorava provoca-lo, adorava chamar sua atenção. Acho que por isso me metia tanto em encrencas. Ele não era o brucutu de hoje.
Suspiro entre nostálgica e infeliz com os pensamentos.