Cont. Capítulo Um
— Vamos cara, empurre comigo - ele disse — Faça força.
Ela não gostou do modo como ele falou, achou-o mandão.
— Vamos, rapaz. Não seja mole – rosnou — O carro não vai sair sozinho. Força!
Margô pisou no acelerador e os pneus giraram rápido deslizando na neve que agora virava uma papa de lama com o atrito das rodas. Ela tentou, estava fazendo força, o máximo que podia, mas o carro era pesado e grande demais.
O homem rosnou de novo, forçando o carro para a frente.
Beatriz queria ir embora, mas não ia desistir agora. Ela pisou forte e apoiou as botas melhor, pegando um apoio a mais e encostou o peito na traseira do carro, empurrando de novo.
Ambos fizeram um esforço grande em conjunto. O carro balançou de um lado para outro, começando a deslizar para fora da lateral e finalmente se mexeu.
— Vamos... Isso... Está indo... - fez força — De novo... Está saindo... Empurre.
O carro era um Mercedez. Com Margô acelerando e os dois forçando juntos, o sedã deslizou um pouco mais e como era um carro potente as rodas giraram rápido, saindo do atoleiro.
Com isso a neve foi jogada para todos os lados, se espalhando por eles. Sujou as calças e sapatos dos dois. Pelo menos saiu do canto cheio de neve e continuou um pouco mais adiante e parou.
Gustavo bateu os pés olhando com uma careta para os sapatos. Beatriz recebeu neve até no rosto e cuspiu, limpando o queixo e batendo na roupa para cair a sujeira mais grossa.
Gustavo bateu a mão pelo sobretudo buscando a carteira para dar um agrado de ajuda ao rapaz pelo esforço.
— Não é necessário pagar nada, Gustavo – a voz feminina veio de dentro do carro — Valeu pela ajuda. Agradecemos, mas temos que ir . Vamos Gustavo. Boa noite.
Beatriz suspirou. Já tinha ideia de quem seria.
A voz fina e melosa era fácil de reconhecer. Pertencia a Margô Fontenele. A riquinha esnobe e mimada. É claro que seria ela.
O homem não precisava lhe pagar, ela ajudou por vontade própria, mas pelo menos poderia ter lhe dito um simples obrigado. Bateu as mãos limpando as luvas e balançando a cabeça se virou para sair.
Ela voltou a enfiar as mãos nos bolsos da calça e continuou seu caminho. O engraçado, por assim dizer, é que eles também continuaram o deles sem nem mesmo perguntar se precisava de uma carona.
Era noite e ela estava andando por ali sozinha. O mínimo que poderiam fazer era perguntar se precisava de algo depois de ajudá-los a sair do atoleiro.
Ela achava isso uma tremenda falta de educação. Infelizmente muitas pessoas eram assim. Pediam ajuda e nem mesmo davam um obrigado depois.
Mas o que esperar de um homem que estava saindo com Margô Fontenele?
Ela tinha acabado de os ajudar, estava frio, nevando e era noite. Uma pessoa que fosse educada oferecia ajuda em troca.
Talvez ela também estivesse atolada em algum lugar por ali. E estava, só que pior, com o carro quebrado.
Não deveria, mas isso a aborreceu um pouco. Balançou a cabeça. Era impressionante como as pessoas só se preocupavam com elas próprias, eram egoístas demais nesses dias atuais.
Nem mesmo um simples obrigado se dizia. Queriam que todos fizessem seus gostos e depois não sabiam porque o mundo andava tão difícil e ruim atualmente.
Ela sabia bem que Margô era uma pessoa egoísta e mimada. e de certa forma, a culpa não era só dela, mas de seus pais que a criaram como se ela fosse a dona do mundo.
Ou pelo menos a dona da cidade de Torres. O que aliás, a cidade quase toda sabia e pensava igual.
Não tinha muito contato com ela ou com a família em geral. Conhecia de vista alguns tios e primos dela. Margô vinha de uma família das mais antigas da cidade e era muito rica e próspera.
Tinham vários tipos de negócios em Torres, inclusive um banco e uma concessionária de carros importados. Era a única que vendia esse tipo de veículo de luxo em Torres.
A própria Margô cansava de desfilar pela cidade com um desses de luxo. Margô era muito bonita com seus olhos azuis e seu cabelo preto com mechas mais claras, sempre bem vestida, sorrindo, mas com pessoas de seu nível.
Com ela e com pessoas que não eram de seu círculo de amizades era muito desagradável.
Não entendia bem dessas coisas de relacionamento, mas parecia que todos os homens a achavam irresistível. Não era difícil ver algum deles que frequentava sua casa, fazer tudo o que ela queria, era só ela sorrir ou falar o que queria.
Piscava o olho e pronto, o que ela queria aparecia sem esforço nenhum. Magê estava acostumada a ser paparicada. E até que não deveria ser uma coisa ruim.
Ás vezes ela se cansava de lutar sozinha por tudo. Não era mimada como Margô, mas se pudesse ter alguém ao lado para dividir as obrigações seria muito bom.
Nunca tinha visto o homem que estava com ela agora. Com certeza um novo namorado.
Ela conhecia bastante gente na cidade desde pequena. Tinha nascido e crescido ali em Torres e provavelmente ficaria ali até envelhecer e morrer.
Nem mesmo uma viagem longa ela tinha feito. Só conhecia as cidades mais próximas. Por causa de seu trabalho e de sua família ela tinha muitos conhecidos. Tinha quase certeza de nunca ter visto esse namorado de Margô.
“E que me importa isso? Tanto faz quem ele seja”
Ela se recriminou.
O homem era muito mandão e nem tinha notado que ela era uma mulher. Nem mesmo a olhou duas vezes para conferir quem era.
Tudo bem que não estava vestida adequadamente. Mais parecia um garoto malvestido do que uma mulher de vinte e três anos que cuidava de dois irmãos mais novos.
E também achou o homem bem arrogante e mal educado. Vai ver por isso que estava namorando com Margô. Deveria ser mais um de seu grupinho de esnobes que se achavam superiores aos outros.
Se não estivesse precisando de ajuda para tirar o carro talvez nunca nem olhasse para ela. Nunca iria notar sua presença.
Sabia que tinha certas coisas que poderia aprender, mas não tinha uma pessoa mais próxima para a ensinar, como uma boa amiga ou uma irmã mais velha.
Não tentava se maquiar sozinha porque nas poucas vezes em que tentou ficou parecendo uma palhaça ou então que tinha entrado em uma briga corporal.
Não tinha ideia certa de como usar maquiagem. Gostava e achava bonito, mas quando precisava sair mais arrumada, pedia ajuda de Suzana, uma vizinha que tinha um salão.