Capítulo 1
Dois anos antes
Eu continuava chorando, esperando que tudo voltasse a ser como antes, esperando que a dor fosse embora ou pelo menos diminuísse. Eu tinha um buraco em meu peito que estava me arrastando para baixo, nenhum buraco mais profundo do que a autopiedade e o desespero. Eu queria que tudo voltasse a ser como era antes de descobrir que minha vida havia sido construída sobre uma mentira repugnante. O único homem a quem eu havia dado tudo de mim, a quem eu havia jurado amor eterno, a quem eu havia aberto meu coração completamente sob o risco de perder tudo, havia me traído da pior maneira possível. Ele reuniu todas as informações sobre mim, sobre meu passado, para depois vendê-las a quem pagasse mais. Ele mentiu para mim, me usou, me machucou, me destruiu. Ele me humilhou.
Assoei o nariz pela enésima vez, tentando recobrar o juízo e impedir essa tragédia. Eu não era assim, eu era mais forte do que tudo isso. Fechei os olhos, respirei fundo e me concentrei em mim mesmo. Somente em mim. E pensei, droga, se eu tinha chegado até aqui sozinho, poderia fazer muito mais. Abri os olhos novamente e decidi pegar todas as minhas coisas e me afastar daquele lugar para sempre. Eu não ficaria nem mais um segundo na mesma casa em que vivia aquele traidor desgraçado com quem eu havia compartilhado demais. Era hora de seguir em frente e me colocar em primeiro lugar. Nada mais de Andrew, nada mais de homens, nada mais de mentiras. Andrew não era meu companheiro, mas era um humano com quem eu havia experimentado um grau de afinidade tão alto que me fez pensar que talvez pudesse realmente ser ele. Ele teria sentido nosso vínculo por mais tempo, mas eu teria me dedicado a ele por toda a vida. Mas, em vez disso, era tudo nojento, era um amor nojento, por que amar tanto alguém e depois se sentir tão mal? Que nojo...
Peguei um táxi e pedi a ele que me levasse ao aeroporto. Eu teria ido de cara para qualquer outra cidade dos Estados Unidos, desde que fosse para longe dele, longe dessa cidade horrível e de todas as suas mentiras nojentas e devastadoras. Três horas depois, ele estava novamente em um táxi, dessa vez na cidade mais remota da face da Terra, que provavelmente nem constava nos mapas, a caminho do único apartamento gratuito que havia encontrado na viagem de avião, naquela pequena cidade de Montana. Era um apartamento antigo, em uma cidade ainda mais antiga e desolada, que não tinha muita reputação, mas essa era a menor das minhas preocupações, afinal. Eu só queria esquecer o que Andrew fez comigo e faria qualquer coisa para isso. Qualquer coisa. Até mesmo começar minha vida do zero.
Dois meses antes
Viver em uma cidade esquecida por Deus e pelo resto do mundo não era tão ruim quanto eu temia no início, quando, movido pela raiva e pela frustração que só um coração partido pode trazer à tona, eu havia desistido de tudo e de todos para mudar minha vida. Eu tinha minha rotina monótona, meus hábitos pecaminosos e, por fim, não me importava com o que agora era praticamente minha nova vida. Aos 29 anos, achei que já havia experimentado todas as experiências rituais extremas, por assim dizer, mas logo depois percebi que havia cometido um grande erro de julgamento.
Como todos os dias, que sempre permaneciam iguais ao primeiro, eu acordava cedo, pronto para enfrentar uma daquelas tarefas monótonas e enfadonhas com as quais lidava todos os dias no hospital. Eu tratava meus pacientes com dedicação e cuidado e, às vezes, até salvava vidas. Que palavra tão grande, você não acha? Sempre tentei fugir do que era meu mundo natal e minha natureza, tanto que me tornei uma daquelas pessoas que ajudam a salvar vidas e não a destruí-las ou quebrá-las, como na maioria das vezes acontecia com meus colegas. Eu era diferente deles, talvez sempre tenha sido.
À primeira vista, eu poderia parecer um pouco diferente do que realmente era. Em essência, eu era o completo oposto do que aparentava ser. Simples, com curvas generosas demais, sempre sorridente e calmo. Ninguém imaginaria que, por trás daqueles sorrisos e daqueles olhos sempre disponíveis para ajudar os outros, havia na verdade uma mulher que explodia a cada esquina. Minha avó, que Deus a tenha, sempre me descreveu como uma criança explosiva, no verdadeiro sentido da palavra. Eu podia parecer tímida, mas, na verdade, só tinha medo de me machucar. Eu podia parecer indiferente, mas, na verdade, estava morrendo de vontade de ter contato. Eu podia parecer mais casta do que uma freira, mas, na realidade, mal podia esperar para me soltar em uma pista de dança e mostrar a todos como eu podia sacudir meus quadris. Mas, infelizmente, minha vida era composta muito mais pelas celebridades que eu poderia, iria, seria. Parole era um dos meus amigos mais queridos.
Eu não tinha um círculo real de amigos naquele vilarejo remoto. Eu tinha apenas colegas de trabalho e pessoas que conhecia pelo nome. Na verdade, naquele buraco negro desolado, todos nós nos conhecíamos mais ou menos pelo nome, mas conhecer uns aos outros era uma questão completamente diferente. Eu era o estrangeiro, o estrangeiro que tinha tido a coragem de se mudar para um daqueles poucos lugares esquecidos por Deus e por todos os cartógrafos e mapas de GPS. Sabe-se lá por qual motivo absurdo eu tinha ido parar lá, o fato é que eu tinha chegado lá e não iria embora tão rápido, pelo menos não por enquanto.
Naquela tarde, logo após o almoço, fui notificado da chegada à cidade de uma equipe de engenheiros do norte, para a construção da nova linha ferroviária de alta velocidade. Para os habitantes locais, essa notícia poderia ser comparada a algo próximo do fim do mundo. Foi por isso que todos vieram me procurar. Eu era a louca que havia se mudado para lá por vontade própria, tinha que cuidar de intrusos indesejados e fazer as honras e os deveres da casa. Eu me vi, ainda com meu uniforme de enfermeira, empurrada pela rua por meus concidadãos, em direção ao acampamento que os recém-chegados haviam montado do nada, além dos trilhos do trem.
- É seu trabalho. - Anita murmurou baixinho, facilitando meus passos com mais uma de suas investidas. Ela era a esposa do padeiro e, no fim das contas, uma das poucas pessoas que eu realmente considerava naquela cidade.
- Por qual razão absurda esse seria meu trabalho, Anita? - Coloquei os pés no chão, interrompendo meu avanço e me voltando para a mulher em questão. Por que era meu trabalho? Onde diabos esse absurdo foi escrito?
- Você é de uma metrópole, sabe como falar com as pessoas! - Mais uma desculpa que me deram no espaço de dez minutos, sabe-se lá por qual motivo absurdo. Quem diabos eram os recém-chegados? Eles haviam perturbado a mente de uma centena de suburbanos em apenas quatro horas!
- Você também pode falar. - murmurei, obviamente. Todos eles podiam falar. Eu não queria discutir com Anita, mas eu merecia pelo menos uma explicação. No entanto, eu não teria tido uma, nem mesmo discutindo com ela.
- Sim, mas você é melhor, sabe, Jennifer. Ela deu de ombros com indiferença, como se o que eu estava dizendo fosse absolutamente óbvio e eu estivesse completamente furiosa por não ter percebido isso antes.
- Tudo bem, tudo bem, estou indo! - Revirei os olhos e deixei os braços ao lado do corpo. Cerrei os dentes e tentei manter meu lobo adormecido, eu não deixaria que eles me descobrissem assim. Eu já havia lutado bastante em todos esses anos apenas para esconder meu olfato e, portanto, minha natureza diferente até mesmo do farejador mais experiente.
Avancei com a cabeça erguida, como costumava fazer, em direção ao acampamento de recém-chegados além dos trilhos da ferrovia. Parecia que um tornado havia passado por ali.
- Posso ajudá-los? - Não tive tempo de colocar os pés imediatamente após as pegadas que já haviam me cercado. Três homens, completamente vestidos, olhando para mim como se eu fosse o almoço.
- Bom dia. - Isso aguçou meus sentidos, para tentar perceber o máximo possível. Eles pareciam humanos. Talvez parecessem.
- Fui enviado para cumprimentá-los. - Sorri, olhando para os presentes, um a um. Eles me olhavam hesitantes, cautelosos e sérios.
- Ah, sim? - começou o primeiro à direita, levantando uma sobrancelha em tom de zombaria. Eles não confiavam em mim... Bem, foi completamente mútuo, caso contrário eu não estaria lá.
- Enviado por quem? - Então o segundo no centro falou. Faltava apenas um, aquele que havia permanecido em silêncio o tempo todo, mas que não tirava os olhos de mim nem por um momento sequer. Era estranho... Era como se já nos conhecêssemos. Senti uma sensação estranha em minha pele, como se ele tivesse entendido quem eu era, o que eu realmente era.
- Dos habitantes deste buraco negro esquecido por Deus! - brinquei, levantando os braços para o céu e depois deixando-os cair ao meu lado.
- Eles estão duros como um cabo de vassoura, mas não são tão ruins. - Continuei com um sorriso iluminando meu rosto. Eu sabia bem o que significava estar sempre em alerta, conhecia bem aquela sensação de ansiedade, misturada com preocupação, que constantemente toma conta de seu interior. Aquela pequena cidade era tranquila, tinha sido meu novo começo e, embora fossem estranhos vindos sabe-se lá de onde, ninguém os teria machucado ou incomodado. Eu não tinha dúvidas quanto a isso. Mas eu os teria observado, com certeza.