Capítulo um
CORINGA
Segurei a minha mão em um punho fechado, tentando controlar a vontade de socar a cara daquele filho da puta. O povo acha que só porque nós tá na cadeia, não podemos fuder com a vida deles. Vai achando, filho. Uma vez dono do morro, para sempre dono do morro. A única que nos tira esse título é a morte, fora isso eles que lutem.
Os projetos de cu azul tão achando que tão passando batido, que podem humilhar bastante que daqui eu não saio. Se pá, tão tirando uma com a minha cara me fazendo de otário. Ao menos tentando, porque aqui é cria da rocinha irmão, ninguém segura um menor da periferia carioca. Podem até tentar, mas quando menos esperam estão com uma glock na cara, ajoelhados, implorando por suas vidas inúteis.
Soltei um sorriso macabro, que fez o agente que me guiava se contorcer de medo. Isso, junto da maravilhosa cena desses pau no cu tudo me implorando pela vida me deixou feliz, papo reto. Quando menos esperar eu vou tá realizando a minha vingança, porque é como dizem, é longa, mas não é perpétua. Ainda mais quando se tem tanta influência e poder quanto eu tenho, aí sim nada nos segura. Ainda hoje eu vou fugir dessa merda, tendo o sangue de todos eles em minhas mãos.
Anota o que eu to falando, porque aqui é sujeito homem. Comigo não tem dois papos não, menor. Se eu falei ta falado, nada me faz mudar de ideia nesse caralho. Minha coroa vive reclamando disso, fala que eu sou cabeça dura demais. Fico só ouvindo caladinho, sou nem louco de bater boca com ela, mas por dentro estou rindo mais que tudo. Às vezes eu tenho a impressão que a dona Ingrid esquece que eu nasci dela e como a mesma ama falar, sou sua cópia perfeita.
__ Fica ai.--- Mandou todo bruto, me jogando dentro da cela.
Acabou o horário de tomar sol, agora a gente volta pra esse lugar asqueroso. Estou há um mês aqui, apenas, mas já estou quase surtando. Mas graças a Deus a lili vai cantar hoje, porra. Quem me protege não dorme, eles que não fiquem ligados só.
__ Sem janta hoje só por causa da tua gracinha.--- Colocou o cadeado na cela, encarando-me com um sorriso largo e debochado.
É fácil fazer isso nessas condições, quero vê é me peitar assim lá fora. Aí o cenário muda e o valentão chega a se mijar. Sei do que to falando, já passei por isso mais vezes do que gostaria de admitir. Eles acham que isso é uma vitória, quando, na verdade, todas as vezes que caí aqui é porque tinha algo importante para resolver em nome da facção.
Eles acham que estão nos deixando mais fracos, quando na verdade estão nos fortalecendo. Foguete não tem ré não fi, é só pro alto que a gente mira e por mais que tentem impedir, ninguém para não.
__ Novidade.--- Debochei enquanto revirava os meus olhos.
Fiquei na minha, quietinho. Não posso vacilar e ir pro castigo no dia da minha fuga, mas mesmo assim eles querem tacar b.o em cima da gente só pra se divertir às nossas custas. Tudo arrombado.
__ O que tu falou?--- Estufou o peito, tentando passar medo.
__ Nada.--- Falei secamente, controlando uma resposta afiada.
Se fosse por mim já teria quebrado a cara desse verme, mas teria posto tudo a fuder e ele não vale a minha liberdade.
__ Acho bom.--- Falou todo cheio de si.--- Ou quer ficar sem o café da manhã também?
Ele, junto com os seus amigos que estavam por ali, começaram a rir. Amanhã cedo eu não vou estar aqui e ele no necrotério, foi mexer com a pessoa errada. Encarei ele serinho, decorando o rosto real. Quando eu sair dessa merda, a vida também vai sair dele.
Assustado pela intensidade do meu olhar, logo se afastou. Fui até a beliche de baixo, deitando ali. Discretamente eu passei a mão pelo meu esconderijo, pegando o meu celular. Vi que os menor já estavam tudo na atividade, em breve começa a missão que vai me tirar daqui.
Guardei o celular antes que alguém visse, peguei a foto da minha família e fiquei encarando. Entrei nessa vida porque o meu pai teve câncer, a situação lá em casa ficou cada vez mais difícil. Antes eu até tentei procurar um emprego digno, como muitos diriam, mas o preconceito falou mais alto e ninguém contratava um pirralho da favela. O crime me chamou, nele não tinha preconceito, era só pegar uma arma, fazer uma missão e pronto, tu tava dentro.
O aviãozinho foi crescendo, sempre ambicioso, me sobressaia com a arma na mão. Quando menos esperei já estava andando só com gente grande, papo dos manda chuva da facção mermo. Quando o antigo dono morreu, me colocaram logo no lugar. Querido pela comunidade e pelos chefões, não foi uma escolha difícil.
__ Nada de dormir tarde, hein.--- Falou um outro agente, passando batendo no metal.
Nem reparei que já tinha passado o horário da janta.
Ao passar pela minha cela, o guarda acenou com a cabeça, o nosso sinal secreto. Enquanto uns tentam tirar onda com a nossa cara, dando uma de fodão passando por cima da gente, outros se aliam a nós em troca de uma recompensa boa na conta. Sinceramente, inteligentes são os que escolhem a segunda opção, assim é fortalecido e se mantém vivo.
É aquilo né, nos fortalece quem nos fortalece, o resto é só uma bala no meio da testa e tá tudo certo.
Fiquei atento, sentindo o meu coração disparado. Já passei por isso diversas vezes, mas a adrenalina faz parte da rotina de qualquer bandido. Ela nos mantém acordado, se tornando a nossa melhor amiga nos piores dias. Geral sente isso junto do medo, a única diferença é que o bandido real sabe esconder não só isso, quanto os seus sentimentos. Os que estão nessa vida apenas por emoção se caga na primeira missão.
Quando a luz apagou, percebi o momento em que a câmera mirou na cela ao lado. Respirei fundo, vendo o guarda abrir a cela silenciosamente, jogando um saco com uma roupa. Rapidamente eu troquei, colocando o uniforme da penitenciária.
_ Tá, agora você me dá um soco, assim eu vou falar que apresentei resistência e mesmo assim você fugiu.--- Falou o agente depois de colocar uma roupa de preso.
O plano é eu passar por aí com a roupa dele, como se fosse um funcionário. O boné cravado na cabeça, andando olhando apenas para o chão. O horário vai me ajudar a passar batido, nem vão perceber que um preso está saindo. Mas, por precaução, comprei as pessoas que estarão no meu caminho.
__Com prazer.--- Sorrir de lado.--- Mas antes disso, a minha arma.
__Mandaram te entregar em nome do grego.--- Tirou uma glock toda preta.
Sinceramente eu prefiro prateada, com detalhes pretos. A cor preta é mais do grego, mas sei que essa é a forma dele de me desejar boa sorte.
Conferi se estava com balas e guardei a mesma, disfarçando ela com a blusa. Confirmei que o dinheiro já estava na conta dele, mas que só receberia a outra parte quando eu já estivesse longe. Ele concordou com a cabeça, deitou na cama e eu lhe deu um soco que o deixou desacordado. Serve para o disfarce.
Sai e tranquei a cela, afundei mais o boné e coloquei as mãos dentro do bolso para esconder a tatuagem. Fui andando tranquilamente, acenando com a cabeça para quem falava comigo. Usei o crachá do agente e consegui sair do Presídio.
Uma das pessoas que está na minha folha de pagamento passou por mim, dando-me uma carona na hora da saída. Olhei de um lado pro outro e pulei a catraca, vendo o carro dos parceiros parar na frente no mesmo momento.
__FUGITIVO.--- Gritou o mesmo agente de mais cedo, aquele que falou que eu ficaria sem o jantar.
Peguei a glock, abaixei o boné e o encarei. Ao me reconhecer, vi quando ele perdeu toda a sua cor, com o medo nítido no olhar. Eu cumpro as minhas promessas. Não pensei suas vezes, mirei na sua testa e apertei o gatilho.
__VAMBORA CORINGA.--- Gritou um dos parceiros, abrindo a porta pra mim.
__ OS CANAS VINDO AI, CARALHO.--- Gritou Rato, um dos meus vapores.
Corri pro carro, entrando no banco do passageiro da frente. Os meninos saíram arrastando pneu e assim que entramos na estrada, vários carros da minha tropa colaram na gente, atirando nos canas que vinham atrás da gente na Avenida Brasil.
__E ai, paizão.--- Falou Rato com um sorriso, pegando o meu fuzil e dando o mesmo na minha mão.
Sorrir, passando a alça pela nuca. Coloquei o fuzil pra fora, mirei direitinho e fui matando os cu azul, ajudando a minha tropa. Nos é forte, porra! Quero vê quem segura a tropa do grego! Quero vê quem segura os crias da Rocinha nesse caralho.
Melhor retorno, papo reto!
Assim que nos viram, os menor da barreira abriu as mesmas e passamos por ela. Todos os meus soldados desceram e os poucos policiais que ficaram não tiveram outra escolha, tiveram que voltar sem mim pra quele inferno.
__É A TROPA DO GREGO NESSE CARALHO.--- Gritou um dos vapores, levantando o fuzil. Não demorou muito e todos imitaram o seu movimento.
__ É OS MENOR DA ROCINHA.--- Gritei junto com eles, ouvindo o coro de geral, seguido pelos tiros do fuzil.
Naquele momento eu me permitir sorrir, finalmente em casa. Amanhã eu vou vê o sol normalmente e não quadrado como tem sido nesses últimos dias. A isso nada se iguala.
Levanto meu olhar, vendo o Matheus parado na porta da boca. Ele tava encostado no batente, um sorriso minúsculo no canta da boca, enquanto nos encarava. Me aproximei dele, fazendo o nosso toque antes de abraçar ele.
__Fez falta por ai, parceiro.--- Falou assim que nos separamos.
__To de volta pro terror delas.--- Soltei uma piscadinha na sua direção, ganhando o sorriso que disparou o meu coração.
Nos temos uma relação complicada por diversos motivos. Mas não importa o que aconteça, quando um precisar, o outro vai está mais do que pronto pra ajudar. Eu posso xingar ele, mas vem alguém falar mal dele na minha frente pra vê se não leva uma bala no meio da testa.
__Conseguiu?--- Perguntou com relação a missão que fui fazer lá.
Dentro da cadeia tinha um dono de morro forte, com quem a facção estava tentando uma aliança. Embora preso em bangu, ele não é brasileiro, mas sim de Portugal. Estamos tentando expandir a aliança para outros países. Tive que ser enviado, pois queria falar com alguém importante na facção
Molhando a mão de algumas pessoas, parei no mesmo presídio e no mesmo setor. Mais um pouco e ele fugia comigo, mas disse que tinha que resolver algumas coisas. O importante é que a aliança havia sido feita.
__ Aliança feita, truta.--- Concordei com a cabeça, cruzando a mão em frente ao peito.
__ Ai sim, depois depositamos o seu bônus.--- Falou e eu concordei.--- Agora vamos logo, a tia Ingrid me mata se demorar mais um pouco.
__Minha coroa é a melhor.--- contive o sorriso, mo saudades da minha velha.--- Depois nos acerta isso, só quero tomar um banho e bater um rango, maior larica muleque.
__Vamo lá, eu te levo.--- Falou e eu concordei.
Nos despedimos do menor com um toque e subimos na moto dele. A minha ta em casa, se não íamos até apostando corrida, pode pa. As minas piram com um branco desse em uma moto pica, mas é aquilo né; nos pega? Sim, mas só no sapatinho sem explanar nada.
__ Rafa.--- Gritou minha coroa, vindo me abraçar.
É como ela sempre fala, parceiro. Da porta pra dentro sou apenas o Rafael, o Coringa fica lá do lado de fora. Na verdade ela não fala, manda mermo. Ai de mim se eu desobedecer, o chinelo canto e foda-se, se eu sou só o de frente. Pra dona Ingrid vou ser sempre o seu meno.
__Fala ai, coroa.--- Sei um cheiro no seu pescoço, sorrindo por estar com ela novamente.
Ninguém é igual a nossa mãe, papo reto.
__ Coroa é teu cu, muleque.--- Me deu um pescotapa.--- Vai tomar um banho, tirar essa roupa de presídio. Fiz aquele macarrão que tu se amarra.
__ Porra mãe, a barriga chega dói. Nem o café da tarde me deram direito, inventaram um k.o pra cima de mim e essa foi a punição.--- Murmurei me fazendo de coitado, tacando logo a real.
Mo odio desses pau no cu, matava todo mundo se pudesse.
__ Já passou filho, agora você tá em casa. Mamãe já separou sua roupinha, vai lá.--- Falou com os olhos cheios de lágrimas.
Neguei com a cabeça, esmagando ela em meus braços antes de subir. A verdade é que a mãe sofre mais que a gente, mas já passou já. To de volta, to na pista porra!