Capítulo Seis
Mesmo dormindo, sabia que estava num sono ótimo, um dos melhores que já tive até. Estava em uma posição confortável, completamente relaxada e com alguém que queria estar.
Era perfeito. Mas não poderia passar o restante do dia na cama, mesmo que eu quisesse, minha mãe poderia inventar de vir em meu quarto e expulsaria Rogério sem pensar duas vezes.
De costas para Rogério, podia sentir seu braço sobre minha cintura e uma possível ereção roçando em minha bunda. Com muito pesar, decidi acabar com aquela paz entre nós, para nosso bem.
Respirando fundo, me espreguiço por poucos segundos, antes de me virar e simplesmente paralisar. Por quê? Não era exatamente Rogério que estava ali e sim Pedro Henrique!
- Mais que PORRA É ESSA! - grito, alto o bastante para ele se assustar e acordar.
Seus olhos se arregalam e por alguns instantes, ele parece estar tentando se lembrar de onde estava. Mesmo olhando fixamente para ele, não conseguia acreditar que ele estava ali na minha cama e ainda por cima NÚ! Evitava olhar para a baixo, mas era impossível, pois seu membro estava quase completamente ereto bem na minha frente.
De todas as brincadeiras de mal gosto que ele fez, aquela foi a pior, não conseguia imaginar o quê havia passado pela cabeça dele, para ele ter ido parar na minha cama!
- Cadê o Rogério? - pergunto séria, me cobrindo o máximo que posso.
Ele me ignora, levantando, pegando o quê deveria ser as roupas dele no chão.
- Estou falando com você, Pedro Henrique - digo deixando em evidência minha irritação.
Ele levanta, vestindo a cueca.
- Como é que vou saber onde tá seu ex-namorado, se passei a noite toda aqui?
Um tapa seria melhor melhor do que ouvir aquelas palavras. Disso eu tenha certeza, pois um tapa, me faria ter alguma reação e aquelas palavras, me tiraram uma possível reação. A única coisa que conseguia fazer, era ficar olhando para ele enquanto se vestia.
- Do que você tá falando? - pergunto baixo, temendo a resposta.
Pedro Henrique se vira para mim, terminando de se vestir.
- Não foi com ele que você transou.
- Mas eu mandei você dar o recado. Eu vi...
- Ele não ia vir, Manuela - diz sério, me interrompendo - Você achou mesmo que ele ia vir?
- Aí você decidiu vir no lugar dele? - digo com amargura.
- Vai dizer que foi ruim?
Abro minha boca prestes a respondê-lo, quando ouço a voz da minha mãe.
- Manuela - Chama do corredor, assim como eu, Pedro Henrique olha para a porta. Levanto rapidamente da cama, indo para a porta, pressionando meu corpo contra a madeira.
- O quê é? - digo com a voz trêmula, olhando para Pedro Henrique. Se já não era uma boa ideia ela ver Rogério, o quê dirá Pedro Henrique ali.
Com certeza ela não pensaria coisas boas e com razão! Até eu conseguir explicar o quê havia acontecido ali, ela já teria me expulsado de casa. E não era eu que devia ser expulsa e sim Pedro Henrique. Ele merecia mais do que isto, mas infelismente naquele momento, não conseguia pensar em muita coisa e além do mais, não podia permitir que a minha mãe entrasse naquele quarto.
- Pensei que tava dormindo ainda.
- Já acordei, mãe.
- Mas é bom mesmo. Não queria churrasco ontem, então é melhor começar a ajudar a limpar a laje.
Tenciono o maxilar, estreitando os olhos ainda olhando para Pedro Henrique.
- Devia também chamar o Pedro Henrique, não é só eu que moro nessa casa.
Ele ergue o queixo.
- É pra todo mundo ajudar - diz ela se afastando - Pedro! - Ela chama na frente do quarto dele, por pelo menos duas vezes, antes de desistir e sair do corredor.
- É bom não contar pra ninguém o quê você fez. Se não...
- O quê? - Ele me interrompe sério - Vai fazer o quê, Manuela?
Breve silêncio. Odiava quando Pedro Henrique subestimava meu limite.
- Melhor não querer saber.
Ele se aproxima. Tenciono mais o maxilar, desejando me esquivar, obviamente não conseguindo. Centímetros do meu corpo, segura meu queixo, fixando o olhar no meu.
- Tá se achando demais - Dito isto, ele me tira facilmente da frente da porta e saí, me deixando borbulhando de raiva.
Pedro Henrique estava passando dos limites, fingir ser Rogério pra quê?! Não fazia sentido algum! Claro que ele estava mentindo em dizer que ele não iria. Claro que ele iria, ele me amava e não iria pensar duas vezes, com certeza ele devia ter dito o contrário para ele e por causa disso, ele foi embora mais cedo.
Agora tudo fazia sentido.
Me visto rapidamente, me odiando a cada peça que vestia. Como não havia dado importância a todos os sinais que, estavam mais do que claros, quando entrei no quarto na noite anterior? Estava tudo lá e simplesmente não dei a devida importância e agora estava ali, tendo que lidar com uma situação que poderia ter evitado.
Só que acabei indo pelo lado irracional, aonde ignorei todos os sinais e decidi apenas aproveitar o momento. E que momento...
Suspiro em apenas lembrar da maioria das sensações que tive.
- Foco, Manuela - digo para mim mesma, terminando de me vestir.
Era nojento pensar no que havia acontecido, já que não havia sido com Rogério e sim com Pedro Henrique. O moleque que vi cresci e era mais nojento do que outra coisa no mundo.
Ele havia se aproveitado de mim, isso sim!
Saio do meu quarto indo para o banheiro, que estava ocupado. Bato na porta com força, ouvindo Pedro Henrique cantar no interior. Bato na porta com mais força, chegando a chutá-la de raiva.
- Quero usar o banheiro!!m - grito. Ele canta mais alto, me ignorando - PEDRO HENRIQUE! - grito até ficar rouca.
- Manuela, qual é seu problema?! - Minha mãe pergunta de repente, entrando no corredor.
Bufando de raiva, me viro para ela. Aquele não era um bom momento para ela vir falar comigo, na verdade, para ninguém falar comigo. Queria apenas escovar meus dentes e fazer o quê ela mandou eu fazer, mas não, estava perdendo tempo naquele corredor, enquanto Pedro Henrique usava mais água do que precisava e cantava como um passarinho desafinado.
Se tinha uma pessoa que odiava com todas as minhas forças, era ele. Não tinha outra pessoa. Apenas ele.
- Quero usar o banheiro e o Pedro Henrique não saí!
- Jorge está no celular, parece importante, então para de gritar - diz controlando ao máximo o tom de voz - Usa o banheiro do meu quarto.
- Só que no banheiro do seu quarto, não tem minha escova de dentes - Rebato - Se tivesse feito um banheiro no meu quarto quando pedi, não estava passando por isso.
Ela aponta o dedo indicador para mim.
- Só para de gritar - diz entre dentes, antes de dar as costas e sair do segundo andar.
Chuto a porta com força, desejando ter forças o suficiente para arrombá-la e afogar Pedro Henrique em baixo daquele chuveiro. Resolvo esperar, já que minha mãe não se importava em eu demorar um pouco mais do que deveria, também não iria me importar.
Pedro Henrique continuou cantando e cantando, na verdade gritando igual um papagaio, quando depois de muito tempo, acredito eu quando a água da caixa, da rua e da cidade acabou, resolveu sair do banheiro nú.
Sim, Brasil, ele estava nú, igual veio ao mundo, igual estava naquela manhã na minha cama. Inspirei profundamente e tentei me acalmar, nem tentei, já que sempre achei que nunca estaria numa paz espiritual tão elevada para lidar com Pedro Henrique. Minha mãe nunca havia decidido por conta própria me dar um irmão, parir um, mas decidiu “adotar um” de outra mãe e simplesmente colocá-lo em minha vida para pagar meus pecados.
- Já pode entrar - diz com um sorrisinho cínico.
- Quase na hora do almoço, né? - rebato sarcástica - Pelo menos sobrou água?
- Devia estar feliz.
Ergo as sobrancelhas.
- Pelo o quê exatamente, Pedro Henrique?
- Consegui lavar tudo. Olha só - Ele tira a mão de frente do pênis, deixando a mostra um pênis parcialmente ereto, além disso pernas torneadas que nunca prestei atenção e um possível shape, já que se ele parasse de comer porcaria e fosse se exercitar, já teria um. Mas não, não podia ouvir uma lata batendo e o cheiro de churrasco, que saia correndo.
- Você é um idiota - digo calmamente, olhando dentro dos olhos deles, tentando esquecer que ele estava nú - Idiota não. Um completo sem noção.
- Será mesmo?
- Tenho certeza - digo sem pensar - Além de tudo, é invejoso.
- Invejoso, eu? - Ele se finge de ofendido.
- Sim, invejoso por ter ido parar no meu quarto, quando era o Rogério para estar lá.
- Já disse. O cara não quis ir.
- Não acredito em você - Cruzo os braços sob o peito.
- Pois, deveria - Ele passa por mim, indo em direção do quarto dele.
- Por quê deveria acreditar em você? - Não tinha como confiar nele, era impossível, dada as inúmeras situações irritantes que ele já me colocou.
Ele me olha por cima do ombro.
- Sou teu amigo e não teu inimigo.
Reviro os olhos, entrando no banheiro. Aquela frase clichê já havia caído de moda, isso sim.
Dentes escovados e cabelo num coque desgrenhado, saio do banheiro, mal olhando na direção do quarto de Pedro Henrique. Como minha mãe havia mencionado, Jorge estava no celular, numa ligação que parecia muito importante. Pois ele andava de um lado para o outro e murmurava palavras que não dava nem para escutar direito, sentada no sofá, ela o observava tirando o esmalte do pé.
Com tanto dinheiro, minha mãe ainda preferia tirar o esmalte em casa antes de ir para a pedicure. Ignoro a cena, indo para a laje, onde a bagunça e a sujeira me esperava. Havia copos descartáveis por toda parte, além de pratos e talheres, a churrasqueira estava suja, a mesa, resumindo tudo!
No meio da laje não sabia nem por onde começar, sozinha não e se era para limpar ali, Pedro Henrique tinha mais do que a obrigação de me ajudar, não iria me ferrar sozinha, enquanto ele descansava a beleza que ele não tinha.
Pisando duro, saio da laje, igManuelando o olhar da minha mãe ao passar pela sala e subir os degraus da escada. Vou direto para o quarto der Pedro Henrique, onde não bato, abro a porta e encontro vazio. Por um instante, paro olhando atentamente o quarto, tentando descobrir aonde ele poderia ter ido tão rápido. É então que a resposta surge, quando olho para o último quarto do corredor.
Prendendo a respiração, ando até o final do corredor. Até aquele momento, era um verdadeiro mistério o quê havia atrás daquela porta. Mistério este, que estava prestes a desvendar.
Abro a porta devagar, tentando ver alguma coisa assim que a abro. Inicialmente não vejo nada, mas a medida que a porta abre mais, a primeira coisa que vejo é uma cama igual de hospital, suporte para soro e só depois aparelhos. Demoro para notar uma figura feminina deitada sobre a cama com fios ligados ao corpo. Sua aparência é de qualquer pessoa que passa muito tempo sem tomar sol, pálida, mesmo sendo negra.
Em pé ao lado da cama, estava Pedro Henrique, arrumava os travesseiros nas costas dela e tirava as cobertas sobre seu corpo. Fazia tudo concentrado e só me notou quando a porta abriu completamente, o obrigando a parar com o que estava fazendo.
- É o quê? - pergunta, dobrando os cobertores.
Meus olhos continuam vagando pelo quarto. Diferente do meu quarto, tinha ar-condicionado, cortinas boas e que impediam da luz entrar pela janela. O chão era de madeira, impedindo que pó se acumulasse e acima de tudo, não parecia que estava num quarto de uma pessoa doente. O tom da parede era claro, os objetos e até mesmo o clima era diferente, mesmo com uma cama igual de um hospital.
A mulher em cima da cama, me olhava atentamente com os olhos murchos, distantes. Seus olhos eram as únicas coisas que se mantinham em constante movimento, paro de olhá-la ao lembrar de sua condição, não querendo parecer que tinha dó ou outro sentimento que a fizesse se sentir mal.
No final das contas, não foi tão ruim ir naquele quarto, só assim sabia as condições reais que ela vivia naquela casa e não eram nada ruins. Ela tinha uma vida razoavelmente confortável naquele quarto e que adequava ao seu estado de saúde.
Uma enfermeira passa por mim com o café da manhã dela, automáticamente Pedro Henrique aperta o botão ao lado da cama e a faz reclinar, permitindo que a mãe ficasse numa posição confortável para se alimentar.
Ele não espera que a enfermeira a alimente, invés disso, pega a bandeja e faz isso por conta própria. A enfermeira por sua vez, vai até a cômoda, começando a mexer com algumas seringas, depois disso, se aproxima aplicando a primeira seringa no acesso na veia dela e passado alguns segundos, novamente.
A mãe de Pedro Henrique tinha os olhos na Tv de plasma a frente, era hora do jornal, então para mim não era bom começar o dia assistindo tantas notícias ruins, mas pelo modo que ela olhava para o aparelho, ficou claro que ela estava interessada, enquanto recebia as colheradas de mingau de aveia.
Continuei os observando, me sentindo incapaz de ir embora. Não parecia nem ser real, já que havia idealizado algo bastante diferente em minha mente, principalmente de Pedro Henrique que, estava se mostrando ser o filho dedicado e amoroso que eu desconhecia completamente.
Ele sempre se mostrou ser o contrário para mim. Filho rebelde, que estava sempre em guerra com o pai e que fazia tudo o quê queria e na hora que queria. Não havia limites para ele e mesmo que houvesse, ele desconhecia. Pedro Henrique poderia ser facilmente catalogado como aqueles bad boys que viviam a vida perigosamente e vivendo como se não houvesse o amanhã ou consequências.
Isso era tão verdade, que ele não pensou duas vezes em aceitar o pedido do pai para fiscalizar as bocas da favela. Ele não pensou nas consequências e duvidava que ele pensava, assim como eu, que poderíamos ser mortos num piscar de outros ou até mesmo presos. A verdade é que Pedro Henrique tinha duas faces, dois lados e estava conhecendo um naquele momento, mudando algumas coisas, pequenas, que pensava à respeito dele em relação à mãe dele.
Quando ele termina de dar o mingau, oferece água, que ela aceita sem hesitar, depois disso, limpa os cantos da boca dela e a deixa daquela forma. Meio que sentada e olhando para a televisão. A enfermeira já havia aberto a janela e desligado o ar-condicionado, permitindo que o quarto ficasse arejado.
Pedro Henrique pega a bandeja e anda na minha direção, como se nada tivesse acontecido.
- Ficou muda? - pergunta quando passa por mim. Pisco algumas vezes, fechando gentilmente a porta do quarto ao sair, voltando para a realidade. Para a minha realidade e do filho daquela mulher.
- Não vou me fuder lá em cima sozinha. Pode vir m ajudar - digo séria passando por ele, fazendo questão em esbarrar nele no processo, sem querer baixar minha guarda apenas pelo o quê havia visto instantes antes.
Pedro Henrique continuava sendo o Pedro Henrique.
