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02

• Jéssica narrando •

A aula estava fluindo normalmente, até a dona Kátia resolver passar um trabalho.

— Bom turma — diz se levantando — o trabalho será em dupla. Iremos sair um pouco fora do assunto que estamos tratando no momento, e vamos nos conhecer melhor. Para termos uma melhor convivência ao longo do ano.

Podem escolher seus parceiros... De preferência, não escolham amigos. Pois como eu disse o foco desse trabalho é conhecer outras pessoas. — se senta e começou a folhear um livro.

— Vaca. — resmungo.

Qual é a dela? Alguém avisa pra ela que estamos na faculdade, pelo amor de Deus!

Acho que ela deve achar que estamos no primário, não é possível. Apesar que, comparando com as pessoas que estudam nessa turma nem parecem adultos mesmos...

Eu permaneço no meu lugar de boa, enquanto os retardados dos outros alunos estavam já escolhendo seus parceiros de trabalho.

Eu não tenho nenhuma vontade de conhecer nenhum deles, todos são metidos. E eu odeio gente assim.

Eu acho que apesar de sermos, ricos ou pobres, independente da situação financeira, ou sei - lá o quê, temos que ser humilde.

Humildade em primeiro lugar, sempre.

E uma das muitas coisas que esse povo não tem, é humildade.

Não vamos dizer que todos são assim, mas eu acho, que no meio de milhares de alunos que estudam nessa faculdade, dá pra contar nos dedos, os que são humildes.

E eu sinceramente, não tenho interesse em conhecer melhor esse tipo de gente.

Eu prefiro ficar de boa, no meu canto.

Melhor sozinha, do que mal acompanhada.

Enquanto os alunos continuavam a falar sobre o trabalho, para sair do tédio, eu resolvi mexer no meu celular.

Estou mexendo nas minhas redes sociais, até alguém começar a falar comigo.

- Oi. — diz a aluna nova.

— Ah, oi. - digo olhando para a mesma que estava virando sua mesa de frente com a minha.

Que intimidade é essa, querida?

—Você já tem dupla para o trabalho? — pergunta puxando assunto.

— Não vou fazer. — digo apenas voltando minha atenção para meu celular.

— Por que? — pergunta curiosa.

— Não tô afim de conhecer melhor esses hipócritas. — sou sincera.

— Podemos fazer juntas! — diz animada.

Antes que eu pudesse responder, a dona Kátia voltou a falar.

— Pessoal, eu conversei com a diretora, e decidimos que quem fizer o melhor trabalho ganhará uma viagem com direito a 10 acompanhantes. — diz animada — E o tema do trabalho será livre!

Certo, acabei de confirmar que estamos no primário.

— Na minha casa ou na sua? — pergunto para a Mariana que abre um enorme sorriso.

— Melhor na sua. Não sei se você vai gostar de ir aonde eu moro. — diz baixo.

— E aonde tu mora? — pergunto curiosa.

— Sou moradora da rocinha... — diz baixo.

— Da favela? — pergunto chocada.

— Sim. Geralmente falamos comunidade… — me repreende.

— Claro, me desculpe. — peço desculpas sincera.

— Tudo bem!

— E por que tu fala tão baixo ao falar de onde tu mora? — pergunto querendo saber mais sobre ela.

— As pessoas tem preconceito... — diz o óbvio.

— Você não deve ter vergonha da sua origem, de aonde tu mora, da onde tu vem. Graças a Deus você tem um teto pra morar, tem muitas pessoas que nem isso tem. — digo lhe observando.

— Eu não tenho vergonha, nunca terei vergonha. Eu tenho medo, apenas. — diz sincera.

— Medo? — pergunto sem entender.

— É, depois que eles souberem aonde eu moro, vão me tratar mal, me zoar... E por enquanto não sei se tô disposta a passar por isso. Eu sofri preconceito a minha vida toda pelo lugar que eu moro e agora aqui eu só quero ser diferente sabe? Vir, estudar e ir embora… mas se eles souberem de onde eu sou, vão começar a olhar com aqueles olhos preconceituosos, fora as piadinhas…

— Ninguém tem nada haver com a tua vida. Manda um foda - se pra esses cuzão.

— Posso te falar uma coisa? — pede.

— Fala ué…

— Você nem parece essas patricinhas daqui... Tipo, eu sei que você deve ter mó dinheiro, pela roupa que você veste, o celular que você tem. Mas, você é humilde, e além do mais, você fala igual a gente lá do morro mesmo. — diz rindo.

— Não sou rica não! Vamos se dizer que tenho uma vida boa. Mas, eu nem ligo pra essas coisas sabe? Eu curto mais o sentimentalismo, do que os bens materiais.

— Já adorei você! — sorriu e eu pude ver sinceramente em seu olhar.

— Acredita que eu sempre quis conhecer uma comunidade? Vamos fazer na sua casa, pode ser?

Sim, eu sempre tive curiosidade em conhecer uma comunidade, mas nunca tive oportunidade. Mas agora que ela apareceu, bora lá.

— Claro. É tudo bem simples, mas é bem aconchegante.

— Não ligo para essas coisas. — digo sincera.

— Amanhã a tarde? — pergunta.

— Me passa seu número aí. — digo dando meu celular pra ela anotar.

— Pronto! — me devolve o celular.

— Eu sempre quis ir nos bailes dos morros, dizem que é muuuuuito bom.

— Lá na Rocinha então, nem se fala. O Matheus​ faz os melhores bailes, de sexta á domingo. — diz animada. — Se você quiser, amanhã, leva uma roupa e você dorme em casa. — me convida e como eu não sou boba, aceitei lógico.

— Aceito! — digo animada.

De certa forma, eu tinha curiosidade em conhecer a comunidade. Eu nunca passei nem de perto, quem dirá entrar…

Fiquei um bom tempo conversando com a Mariana sobre coisas da comunidade e tals, ela me contou sobre sua vida, as dificuldades que antes ela enfrentava. E eu já tô animadíssima para conhecer o morro amanhã.

Enfim o sinal tocou, anunciando o final da aula.

Esperei os alunos saírem primeiro para depois eu ir, não gosto de tumulto. E ainda mais que hoje é sexta, o povo sai que nem doido pra ir embora.

Depois que o tumulto dos alunos acabou, sai da sala, ao lado da Mari.

Assim que saímos para fora da faculdade, avistei a Lari ao lado do Biel, com certeza, eles estavam me esperando.

Me aproximei deles, ainda com a Mari ao meu lado.

— Faaaaaaala viado. — digo dando um beijo no rosto do Biel.

— Bem que você ama o viado aqui né?! — diz passando a mão pelo corpo.

Idiota.

— Nossa você demorou muito hoje... Tô morrendo de fome! - reclama como sempre.

A Larissa com fome é a pessoa mais insuportável do mundo.

— Conta uma novidade né?! Você sempre tá com fome. — digo para gastar ela.

— Olha quem fala... — devolve — Comprou quatro coxinha hoje, só pra ela e quer ainda falar alguma coisa sobre mim?

— Eu não tomei café, eu estava com fome. A gorda aqui é você, não eu. — digo cutucando ela.

Claro que isso não era verdade. Eu, como a Lari também, podíamos comer um monte e não engordamos.

— Vaca — resmungou.

— Quem é? — pergunta apontando para a Mari que estava apenas observando.

— Ah, aluna nova. Mariana. — apresento.

— Prazer, Gabriel. — diz cumprimentando a Mari com um beijo no rosto.

— Satisfação, Mariana.

— Isso ae garota!! — esbraveja — Acho que o Gabriel não aprendeu ainda que prazer é só na cama. — diz dando um tapa de leve na cabeça do Biel — Amiga, cê tá ensinando ele errado. Me chamo Larissa. — diz cumprimentando a Mari com um beijo no rosto também.

— Que tal você ir lá em casa Mari? — convido.

— Infelizmente não vai dar... Jajá alguém tá vindo me buscar.

— Ah, que pena mona.

— Ele já ta chegando… — diz olhando ao redor.

—Tá louca? Ele quem? — pergunto.

Antes que ela respondesse qualquer coisa, escutamos um ronco forte de moto vindo em nossa direção.

O piloto da moto parou em nossa frente, e estendeu o capacete para a Mari.

— Bora Mari, tô com pressa... — diz todo grosso.

Hum, gostei.

— Calma, senhor apressado — diz subindo na moto — Tchau gatinhas, tchau Biel. Até amanhã Jéssica!

— Até amanhã.

— Se a Lari puder ir, leva ela também.

Antes que ela pudesse falar outra coisa ou eu respondesse o idiota do piloto saiu dali quase voando...

Por mais que não vi o rosto desse cara, ele parecia gato. Assim, o corpo dele era maravilhoso. Sua camisa marcava bem seu peitoral definido. Ele tem várias tatuagens pelo braço também. Hum, do jeito que eu gosto…

— Santo Deus, a Mari é maluca em andar na garupa de um louco desses... — digo me virando para ver meus amigos.

— Será que é namorado? — Larissa pergunta olhando para a direção que eles foram.

— Não sei, ela nem comentou nada sobre isso comigo. — digo apenas.

— Aonde você vai amanhã, Jéssica? — perguntou todo sério.

— Fazer um trabalho na casa da Mari.

— Se quiser, eu te levo. — se ofereceu tentando ser educado.

— Você esqueceu que eu tenho carro? — pergunto sendo grossa.

É foda. Por muitas vezes eu acabo sendo grossa mesmo sem querer. 

— Sempre amável... — diz resmungando.

— Pelo amor de Deus, vamos embora logo. Eu quero comer, tô necessitando de comida. Querem me matar desnutrida? — diz fazendo drama.

— Dramática... — digo revirando os olhos.

— Não é drama! — diz brava — Aliás, o que tem de bom pra comer na sua casa?

— Pra você? Nada! — digo para implicar com ela.

— E na sua Biel? — pergunta fazendo biquinho.

— Não tem comida na sua casa não? — pergunto.

— Não! Não fui ao mercado esse mês ainda. Preguiça... — diz normalmente.

— Pronto não tem nada Lari, mas podemos improvisar alguma coisa. — diz como sempre atencioso.

— Ótimo! — diz​ correndo até o carro do Biel — Vaaaaaaamos, Jéssica!! — grita, ainda correndo.

Minha amiga deve ter algum problema mental. Ela não é normal, não mesmo.

Cheguei até aonde estava o carro do Biel, a Lari já estava lá.

— Que demora! Vamos logo.

— Vão vocês... Vou ficar em casa de boa mesmo.

— Vamos amor. - diz Gabriel se aproximando de mim.

— Não tem discussão Jéssica, vamos todos para a casa do Biel sim! — diz me puxando para dentro do carro.

“Se for pra se apegar, se apegue com Deus, ele nunca falha e muito menos te decepciona.”

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