1.
Kim
— Kim, filha, olha o que acabou de chegar aqui pra você! — Mamãe entra esfuziante no meu quarto. Ela segura uma caixa branca grande e um tanto pesada. Curiosa me ponho de pé, porém, não chego perto. Apenas espero ela a abrir e não demora para um lindo e exuberante vestido de noiva aparecer no meu campo de visão. No mesmo instante perco a capacidade de respirar, pois a visão do vestido torna tudo mais real. — Meu Deus, como ele é muito lindo, filha! Realmente o Senhor Galbir tem muito bom gosto. O que achou dele, querida? — Não a respondo. Eu simplesmente não tenho palavras para dizer, só continuo olhando para o objeto, enquanto puxo uma respiração que não vem. — Eu vou deixá-lo aqui mesmo no seu quarto, querida. Assim poderá admirá-lo até o momento do casamento. — Ela fala e o arruma em um cabide, abrindo um sorriso tão grande que quase não cabe no seu rosto e por fim, sai do quarto fechando a porta.
Admirá-lo até o momento. Eu sinto raiva só de olhá-lo. Penso e saio imediatamente do cômodo. Contudo, a minha casa inteira parece gritar em festa por esse dia, pois não há para onde olhar que não encontre qualquer vestígio desse matrimônio.
— Veja, querida Kim, as flores acabaram de chegar. Elas não são lindas? — Uma vizinha anuncia com um entusiasmo palpável enquanto manuseia alguns arranjos.
— Kim, você quer ver os convites? Eles chegaram essa manhã. — Forço um sorriso de boca fechada.
— Quem sabe outra hora, Senhora Judite — Me forço a responder com uma calma que eu não tenho e vou para o único lugar dessa casa onde terei paz, e onde ninguém me lembrará da minha infelicidade eterna. O pequeno jardim no fundo do quintal.
À noite, após um banho longo o cansaço somado ao estresse desses últimos dias me deixa esgotada, porém, eu não consigo dormir. A minha cabeça está cheia de pensamentos, mas nenhum deles me traz uma solução para esse meu problema. Portanto, passo um bom tempo me virando em cima da cama e essa inquietude me leva a exaustão, e mesmo assim ainda não consigo dormir.
— Ah! — resmungo contrariada me sentando no colchão e por mais que eu não queira os meus olhos vão para o vestido de noiva que está em um suporte na parede. Fito demoradamente as suas minúsculas flores brancas, depois os tules e o tecido de seda. O seu comprimento, os detalhes delicados do seu busto, as belas ramificações dos apliques que se alastram pela sua saia longa.
... Realmente o Senhor Galbir tem muito bom gosto.
Ele é realmente muito lindo!
Penso saindo da cama sem tirar os meus olhos de cima dele. E como se estivesse sendo atraída por objeto chego cada vez mais perto dele. O toco com delicadeza, deslizando as pontas dos meus dedos pelo seu tecido delicado, pelos seus detalhes deslumbrantes e respiro fundo sentindo as lágrimas silenciosas inundarem os meus olhos, e sem qualquer cerimônia elas molham o meu rosto. Um sentimento de revolta me preenche à medida que percebo a suavidade do pano na minha pele e a aspereza dos apliques, e na sequência o tiro do cabide para colocá-lo bem na frente do meu corpo. Admiro a peça elegante diante do espelho por míseros segundos. Observo atentamente o quanto ele me deixa exultante e glamurosa. No entanto, sinto ainda mais raiva dele e os soluços tomam conta de mim. Eu simplesmente não consigo me conter. Mas de repente tudo parece mudar. As lágrimas param, a admiração também, apenas a raiva e a revolta ficam armazenadas no meu sistema e impulsiva, começo a rasgá-lo inteiro.
— Eu nunca serei sua, entendeu?! — sussurro entre dentes, destruindo a peça com as minhas próprias mãos e do jeito que eu posso, largando os seus pedaços pelo chão do quarto. — Você nunca vai me tocar, seu velho escroto, nunca! — A cada esforço, a minha raiva parece se avançar aquecendo o meu corpo, fazendo o meu coração antes congelado bater cada vez mais forte e a minha corrente sanguínea esquenta demasiadamente e quando paro estou extremamente ofegante. Olho ao meu redor, para os vários pedaços de tecido branco espalhados pelo chão e tapete. No entanto, não paro aí. Viro a peça de costas para mim e faço um último esforço, e os seus incontáveis botões saltam violentamente se espalhando por todos os lugares. E quando não sobra mais nada para destruir estou completamente cansada e sem forças. Portanto, fito o vestido danificado por algum tempo, sentindo a minha respiração pesar dentro do peito e vou imediatamente para o meu guarda-roupas. Pego uma bolsa lá dentro e começo a jogar algumas roupas minhas dentro dela. Contudo, antes de sair do meu quarto verifico a quietude do pequeno do corredor e depois da casa, e vou cuidadosamente para o banheiro. Pego alguns itens em cima do balcão para em seguida descer os degraus sem fazer barulho. Entro na cozinha, abro a geladeira e os armários, e olho atentamente dentro deles.
— Deixe-me ver — sussurro pegando algumas coisas. — Garrafinhas d’água, biscoitos e salgadinhos. Isso deve servir — resmungo jogando tudo dentro da bolsa, e caminho apressada para a saída. No entanto, paro assim que abro a porta e olho para trás sentindo um pesar por ter que deixar o meu lar. — Eu quero que você vá para o inferno, seu velho asqueroso! — rosno entre dentes e saio completamente sem destino.
***
Alguns meses...
— Ei, novata o salão está cheio. Você não vem? — Desperto quando um dos garçons fala comigo, mas apenas aceno para ele me mexendo do meu lugar.
Não foi nada fácil caminhar por três dias sem destino até finalmente encontrar uma cidade. Na verdade, foi desesperador. E devo dizer que tive muita sorte de encontra a Senhora Marceli que mesmo sem me conhecer me ofereceu um lugar para ficar e um trabalho. É claro que tive que aprender tudo, mas sou uma garota esforçada e em quatro meses já havia decorado o número de mesas desse lugar, o cardápio inteiro e até consegui equilibrar uma bandeja pesada na palma da minha mão. Entretanto, a noite quando estou entre quatro paredes sou tomada pela solidão e pelas boas lembranças que guardei comigo. E por muitas vezes me pergunto onde a Ollie andará e como farei para encontrá-la.
— Boa tarde! O Senhor deseja fazer o seu pedido agora? — pergunto solicita como sempre, segurando o meu bloquinho e uma caneta, pronta para as anotações.
— Sim. Eu vou querer dois duplos com batatas fritas e um refrigerante sem... — O homem para de falar me encarando com uma admiração esquisita. No entanto, forço um sorriso para ele e arqueio as sobrancelhas pedindo para continuar. — Não é possível! — Ele sibila ficando de pé, porém, sem parar de me olhar e receosa, eu me afasto dando um passo para trás.
— Desculpe, o que disse? — inquiro, mas ele sorri e eu penso que só pode ser um maluco.
— Como pode ser isso? — Respiro fundo olhando para os lados e depois para ele outra vez.
— Desculpe, Senhor, mas precisa concluir o seu pedido. — Ele dá uma sacudida leve na cabeça, como se quisesse afastar os seus próprios pensamentos. — Senhor? — insisto.
— É que... você se parece muito com uma amiga minha.
Ah, o velho conto da amiga. Esse eu já conheço de cor.
— Uma amiga, é sério? — inquiro um tanto debochada.
— Olivia Martin, já ouviu falar dela? — Engulo o meu sorriso zombeteiro e o encaro confusa. — Você a conhece, não é? — Ele brinca e eu balbucio.
Quais as chances de isso acontecer comigo? Quer dizer, milagres realmente existem?
— Olha só... se isso for uma brincadeira, eu...
— Espere um pouco! — O homem ergue um dedo em riste e tira o celular do bolso interno do seu paletó. Ele mexe no aparelho e me mostra a imagem da minha irmã ao lado de um homem. Sinto as minhas pernas fraquejarem e imediatamente eu me sento em uma cadeira. — Ela é a sua irmã, não é?
Ollie! Penso exultante.
— Como... como sabe disso? — Ele apenas sorri, porém, permaneço séria e olhando dentro dos seus olhos.
— Você se parece muito com ela. Os cabelos ondulados e cheios, o sorriso marcante, essa sua maneira de falar. Seria muita coincidência se parecerem tanto assim, não acha? — Pigarreio.
— Onde ela está?
— Espere, eu preciso fazer uma ligação. — Ele pede e eu o observo se levantar para ir para fora do prédio. A maneira como ele fala com a pessoa do outro lado da linha. O seu sorriso largo e espontâneo que ele abre. Não pode ser mentira, não é? Ele não pode estar me enganando. Deus, eu quero tanto que isso seja verdade! Penso e nervosa, esvazio o copo com água que está em cima da mesa.
— Kimberly, o que está fazendo aí? Se levante agora e vá atender as outras mesas! — O gerente ordena rudemente. Contudo, eu mal fico de pé e uma voz imponente o faz se calar no mesmo instante.
— Ela vem comigo!
— Senhor Nunes? Me desculpe, é que...
— Eu já disse que a moça vem comigo.
— É claro, Senhor Nunes! — O gerente se afasta com o seu rabinho entre as pernas e eu volto a fitar a figura imponente, e cheia de si. — Eu quero que pegue as suas coisas, Kim.
— Espera, como você sabe o meu apelido? — Ele revira os olhos. Parece impaciente agora.
— Porque eu conheço a sua irmã e ela não para de falar de você um só dia. Agora me diga, não quer ir encontrá-la? — Meu coração disparar violentamente.
— Você diz... agora?
— Agora. — Respiro profundamente.
— Ai meu Deus! Mas, é claro que eu quero! — Quase grito a frase e o sorriso do estranho se amplia.
— Então vamos embora!