Capítulo 5
Logo após deixar os filhos na escola, Nicole seguiu para o trabalho. Dirigia um veículo branco de baixo consumo e com um certo conforto.
Apesar da retenção no trânsito, ela chegou rápido ao estacionamento do imponente prédio do Hospital São Miguel. O telefone tocou enquanto manobrava o carro na antiga vaga de Alexander. Assim que desligou o motor, pegou o BlackBerry.
— Acabei de chegar! — Ela revirou os olhos quando ele disse algo sobre tomar cuidado e não esquecer de dar a seta antes de frear. — Eu sei dirigir, Alexander! — retrucou com uma voz gentil.
Nos meses em que o marido esteve em coma, ela tirou habilitação. Já que dividia o tempo e a atenção entre o trabalho e os filhos, optou por um veículo que oferecesse um bom espaço interno para ela e as crianças.
— O seu pai vai te buscar para fisioterapia — Nicole tirou o cinto de segurança e abriu a porta do automóvel. — Alexander, não seja teimoso! Você precisa comparecer à consulta.
O barulho do salto alto ecoava no estacionamento, conforme Nicole caminhava até o elevador privativo. Apertou o botão para o andar da administração enquanto ouvia o marido resmungar sobre quão entediado ele estava.
— Assim que terminar a reunião, eu pegarei as crianças na escola e vou direto para casa.
Saiu do elevador e meneou a cabeça para um dos sócios que passou por ela próximo à recepção do saguão.
— Daqui a pouco te ligo.
Jogou o BlackBerry na bolsa enquanto dava passos apressados até a sala de reuniões.
— Nicole, espere um minuto, por favor!
Annie correu de um jeito engraçado, tentava se equilibrar no salto da sandália nude.
— Bom dia! — A secretária exclamou com um suspiro.
— Bom dia, Annie!
— Esqueceu os papéis da contabilidade. — Annie respirou melhor.
— Acompanhe-me, por favor!
Ambas seguiram até o interior do espaço elegante, porém sem muita informação. A sala tinha divisórias acústicas para privacidade das informações tratadas. No fundo, tinha uma TV de led no painel de madeira que combinava com a mobília na cor grafite.
Nicole ajeitou o blazer preto do terninho que lhe dava um visual de seriedade e sorriu para a equipe que estava reunida em volta da mesa.
— Bom dia a todos!
A mulher com a pele dourada deu alguns passos moderados e colocou a pasta sobre a mesa.
— Como está o doutor Bittencourt? — David juntou as mãos sobre a mesa.
— Ele está bem! — Nicole observou-o de esguelha.
Aquela era a primeira reunião que ela participava desde que o esposo despertou do coma. Nicole fitou a secretária e solicitou que distribuíssem as cópias com as informações dos valores arrecadados pela Fundação Bittencourt e os gastos semestrais com o projeto “Médicos do Bem”.
— Agradeço a presença de todos, prometo que esta reunião não ultrapassará vinte minutos.
Nicole verificou a hora no relógio e ajustou o alarme.
— Antes de tocar no assunto, quero aproveitar para avisar a todos que em breve o doutor Bittencourt estará de volta.
Ergueu o queixo e olhou para a Jenny que olhava fixamente os documentos com as planilhas das despesas.
— O propósito desta reunião é rever os gastos dos últimos meses.
Puxou a cadeira próximo da ponta da mesa e acomodou-se.
— Precisamos implementar mudanças para conseguirmos manter as clínicas. A doutora Jenny Kim falará sobre algumas das decisões que tomamos.
Jenny esboçou um sorriso logo que levantou e falou sobre as doações generosas de duas empresas e o valor do orçamento que Nicole liberou para a compra dos equipamentos.
— Os gastos do último semestre estão duas vezes acima do esperado, se nós quisermos ampliar o projeto e alcançar as metas estabelecidas, precisamos economizar.
A obstetra e gerente administrativa encarou David, já que ele era o responsável por supervisionar as clínicas e pela compra dos equipamentos e dos insumos.
O toque do BlackBerry interrompeu a reunião. Nicole pegou o aparelho, pediu que Jenny prosseguisse e foi para o canto da sala.
— Estou ocupada — ciciou. — Não, Alexander! A reunião não acabou.
Ela apertou os lábios e virou de costas quando percebeu que alguns funcionários a espiavam.
— Te encontro na fisioterapia daqui a pouco.
Assim que ouviu as sugestões da equipe, Nicole pegou a folha com as anotações que Annie entregou.
Eram dez da manhã quando todos se despediram e saíram da sala. Nicole permaneceu na mesa enquanto conversava com David sobre a importância de economizar e avaliar os preços antes de concluir a compra dos insumos.
Ela olhou o relógio no pulso direito, ainda faltavam cinco minutos. Esperou até que o pediatra terminasse de falar sobre a importância de bons equipamentos.
O rosto empalideceu com o forte ruído da porta que abriu abruptamente. Mirou o rosto másculo com uma fisionomia estranha. As rodas da cadeira de Alexander seguiam na direção da mesa.
— Bom dia, doutor Bittencourt! — David forçou o riso.
— Bom dia! — respondeu, com uma voz cavernosa.
Alexander virou-se para a esposa e espremeu os olhos.
— Eu já ia te encontrar — a voz mansa de Nicole disfarçou.
— Queria fazer uma surpresa, mas acredito que a reunião ainda não terminou — falou a voz fria. — Posso participar?
O alarme do relógio distraiu Nicole, ela tocou no botão e desligou.
— Foi bom revê-lo, doutor Bittencourt! — David ficou em pé e esticou a mão.
Embora o corpo de Alexander estivesse franzino, ainda tinha força o suficiente para defender o que lhe pertencia. Soltou a mão de David depois do aperto de mão firme.
Nicole ajeitou as folhas e as colocou na pasta, ignorou a cena que o marido fez.
— A reunião era com o David? — questionou com uma seriedade hostil. Ajeitou-se no encosto da cadeira de rodas motorizada e apertou o botão para girar e seguir Nicole que lhe deu as costas. — Talvez ele consiga fazer mais do que eu.
— Então, é isso que você pensa? — Projetou o queixo quando se virou para ele.
— Porra, Nicky! — exclamou a voz gutural. — Queria te fazer uma surpresa, e quando chego aqui, você está conversando com o cara que morre de amores por você. Não pense que esqueci do affair que vocês tiveram enquanto morei fora do país.
— Já chega! — Nicole se impôs.
Ela cerrou os olhos e esfregou os dedos na testa. Alexander atentou-se para a aliança abaulada com um diamante na ponta.
— Fiquei sete meses me encolhendo naquela cama e chorando enquanto esperava você acordar do coma, isso sem contar os cinco anos que a idiota ficou esperando por um homem que transava com a primeira que aparecia — falou sem dar pausa.
Copyright © 2.021 por Ana Paula P. Silva.