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DOCES OU TRAVESSURAS? - Parte 3
Lili
Olhando as ruas noturnas movimentadas e cheias de crianças fantasiadas espalhadas por todos os lados me fascina de alguma forma. Algumas estão sozinhas, outras acompanhadas de um adulto e tem até algumas que andam em dupla. Cada uma carregando as suas deliciosas cestinhas cheias de guloseimas. Apesar de termos crescido a alegria de Alice em relação ao Halloween ainda é a mesma. Às vezes me pergunto se ela realmente cresceu ou se apenas perdeu no tempo? A noite está tão linda! Penso fitando o extenso céu escuro povoado de minúsculas estrelas sob as nossas cabeças e para completar a sua elegância, tem uma lua gorda e amarelada iluminando a sua escuridão. Estamos caminhando pelas calçadas despreocupadamente, encantadas com todo esse movimento e fascinadas com os enfeites típicos da festa na frente das casas. Algumas abóboras gigantes com uma cara horrenda nos jardins, teias de aranha penduradas nos galhos das árvores, uma bruxa assustadora em posição de ataque, mostrando as largas unhas negras em uma esquina. Rio quando algumas crianças fazem sons assustadores incorporando os seus personagens e Alice rir animada, me fazendo ri da sua alegria. A liberdade realmente tem um sabor adocicado comparável ao mel atrativo e pegajoso. Sim, ela tem um gostinho de quero mais e é em momentos como esse que eu paro para pensar em como seria a minha vida se os meus pais estivessem vivos? Com certeza eu teria mil e um motivos para sorrir e teria alguém para falar das minhas descobertas, do meu dia a dia. Talvez tivéssemos passeios em família, algo bem divertido... e talvez eu não fosse essa pessoa tão séria e tão desconfiada da vida. Com certeza não seria uma vida tão vazia como essa que tenho agora. Solto um suspiro desanimado. O lado ruim é que eu não teria conhecido a minha amiga.
— Está ouvindo isso? — Alice me desperta dos meus devaneios, só então paro para prestar atenção nos sons que a rua nos oferece. É o som de uma música muito agitada, talvez de alguma festa. Penso. — Lion On, adoro essa música! — Ela sibila tão empolga e sem pensar duas vezes me puxa na direção do som, nos distanciando demais do internato.
— Alice, não... — Tento protestar, fazê-la parar, mas ela simplesmente não para. Quer dizer, ela até para mas bem em frente a uma enorme e exuberante casa luxuosa, com um amplo e belo jardim na frente. Os enfeites do Halloween aqui são bem mais chamativos e atrativos. Morcegos, aranhas grandes e peludas, e a passarela que leva até a entrada da casa está ladeada por enormes abóboras acesas. É nitidamente um convite a participar da festividade. Os olhos de Alice chegam a brilhar de tão ávidos. Eles olham para todos os lados ao mesmo tempo. A sua boca está aberta, escancarando um sorriso com um misto de espanto e de encanto. Percebo muitos carros estacionados ao longo da rua comprida e alguns convidados espalhados do lado de fora, mas a multidão mesmo pode ser vista dentro da casa através das enormes janelas de vidros transparentes. Ficamos paradas feito duas patetas por algum tempo apenas admirando todo o conjunto da festa animada e observando o movimento de muitos jovens bebendo e dançando animados. Céus, eles estão tão envolvidos em sua alegria que chegam a gritar e girar em seu próprio eixo. Get Low começa a tocar tão alto que eu juro, dá pra sentir o chão estremecer debaixo dos meus pés. A moçada toda se agita jogam os braços para o alto e gritam junto a melodia repetidas vezes; How! How! How! — Vamos lá dentro? — O convite presunçoso da minha amiga vem carregado de empolgação e isso me faz tirar os olhos da mansão ricamente elegante e eu a encaro.
— Mas é claro que não! — rebato sem titubear. Ela rola os olhos e junta as mãos como se fizesse uma prece.
— Ah, por favor, Lili! — Alice implora, porém, ela não esperar a minha resposta e corre rápida em direção da entrada da mansão. Reviro os olhos impacientes. O que ela pensa que está fazendo, droga?!
— Alice, não! — Tento impedi-la e corro em sua direção. A filha da mãe nem se dá ao trabalho de olhar para trás e antes que eu consiga alcançá-la, ela entra na casa e eu fico do lado de fora sem saber exatamente o que fazer. Com um suspiro resignado decido penetrar a festa e confesso que chega a ser impaciente o que vejo aqui. A casa é toda coberta de luxo, é possível ver isso em meio a toda essa bagunça de garrafas, copos e de restos de comida largados nos pratos de plásticos, espalhados por todos os lugares. Os quadros nas paredes pintados a olho, algumas esculturas e tem até um belo móvel exibindo os caros cristais. Alguns casais aventuram-se se beijando e praticamente se despindo em cima do sofá aveludado, outros estão atracados na escadaria coberta com um belo carpete cor de chumbo. Droga, e a Alice, onde ela se meteu? Me pergunto ainda andando pela casa no aperto e empurra-empurra dos jovens. Passo longos minutos andando a esmo, sentindo-me meio que perdida no meio dos jovens bêbados e barulhentos, porém, não a vejo em lugar nenhum. Como ela conseguiu desaparecer desse jeito, meu Deus? Em uma varanda estico-me ao máximo que posso para tentar ver além da aglomeração, mas é quase impossível ver qualquer coisa aqui. Bufo irritada. Alice não podia ter feito isso comigo! Ralho mentalmente e decido ir para o outro lado da casa, onde tem uma piscina gigante de água azulada, também lotada de gente na maioria casais se beijando e praticamente transando lá dentro. Como eles conseguem fazer isso? Sério, estou pasma! Tem até algumas garotas sem a parte de cima de seus biquínis e alguns rapazes... bom eles... deixa pra lá! Respiro fundo. É melhor eu sair ligo daqui, com certeza aquela maluca não está mais aqui. Na entrada lateral da casa esbarro fortemente em uma parede de músculos alta e forte que quase me leva ao chão, porém, as suas mãos firmes me seguram rápido e ele automaticamente leva um par de olhos negros e brilhantes direto para a minha boca. Ofego e sinto minhas bochechas queimarem imediatamente. Contudo, me solto do seu agarre, recompondo-me o mais rápido possível.
— Eu não te conheço, bonitinha, é convidada de alguém? — Ele pergunta com uma voz grave e arrastada e esse som chega a ecoar dentro dos meus ouvidos. A princípio apenas balbucio em busca de uma resposta.
— Ah, não... eu só... é... — gaguejo e respiro fundo. — Viu uma garota mais ou menos da minha altura, de cabelos negros e compridos por aí? Ela tem uma linda maquiagem de fada brilhante no rosto — inquiro mudando o seu foco. Ele sorri, é um sorriso branco e de dentes perfeitos, além de sarcástico e perverso. Suspiro.
— Não sei se percebeu, bonitinha — Ele faz um gesto com o indicador, esperando que eu me apresente.
— Ricci. Lilian Ricci. — Me apresento.
— Lilian, é um lindo nome! Então, é festa é a fantasia e as garotas aqui ou estão usando máscaras ou algum tipo de maquiagem — ralha debochado. Fecho os meus olhos segurando a minha impaciência para não lhe dar uma resposta à altura. No entanto, olho ao nosso redor. Sabe o que é pior? Ele tem toda razão. — Que tal você relaxar um pouco e beber alguma coisa? — sugere atraindo a minha atenção para si outra vez. — A sua amiga deve estar se divertindo com alguém por aí. — O encaro com firmeza e faço um não com a cabeça.
— Não, eu preciso encontrá-la. Com licença! — peço áspera e praticamente o empurro para trá-lo do meu caminho, passando por ele em seguida. Entretanto, escuto o som da sua risada atrás de mim, mas a ignoro completamente adentrando a casa outra vez. Ok, estou começando a ficar aflita. Alice simplesmente evaporou dentro desse lugar e para piorar a situação o enorme e antigo relógio de madeira na parede está marcando meia noite e meia.
Deus, o que eu faço?
Preciso voltar para o internato e preciso fazer isso antes que percebam a nossa ausência. Olho para o topo da escadaria e me sinto tentada a procurá-la no segundo andar. Não, Alice jamais faria isso, certo? Com certeza ela deve estar me procurando como uma louca no meio dessa muvuca toda e como não me encontrou, se apavorou e voltou para o internato. É isso, ela voltou para lá e deve estar tão aflita quanto me esperando. Saio a passos largos de dentro da mansão e quando alcanço finalmente a calçada corro pela rua quase que vazia de volta para a escola. Quando me aproximo do muro levo as mãos aos joelhos e tento acalmar a minha respiração ofegante e pesada, só então afasto as folhagens e logo escuto o rangido do portão velho. Passo por ele com cautela e quando o fecho tenho o cuidado de ajeitar a rameira encobrindo o portão outra vez. Os passos seguintes são lentos e procuro olhar para todas as direções para ter certeza de que não serei vista por algum funcionário.
Que ela esteja lá! Que ela esteja lá! Que ela esteja lá! Começo a repetir uma mandinga.
Com sorte Alice estará dormindo em sua cama quentinha, mas a aflição me define quando finalmente adentro o dormitório e encontro a sua cama vazia. Merda, Alice não está aqui e não está em nenhum lugar também! Constato com o coração quase saindo pela boca e o meu estômago se embrulhando de nervoso. Pego o meu travesseiro e o dela, os ajeito em cima do seu colchão, cubro os dois com um lençol e espero ganhar tempo com isso. Em seguida me jogo debaixo da minha coberta, mas não consigo pregar os olhos, eles estão fixos nas janelas que mostram o dia começando a nascer. Em algumas horas parte do internato inteiro estará acordado e eu não sei o que será de mim... de nós duas. Céus, quando descobrirem que Alice não está aqui. O céu acinzentado já começa a ganhar algumas nuvens brancas quando percebo um vulto entrar no quarto esquivando-se nas sombras, até alcançar a cama da minha amiga. Imediatamente eu ergo o meu corpo e encaro uma Alice levemente ofegante e sorridente.
— Onde você estava sua maluca?! — A pergunta tem um tom baixo e arrastado, porém, não esconde a minha irritação e frustração pelo que ela fez. A filha da mãe não me responde, ela apenas ri levando uma mão a boca. — Você está bêbada?! — Rasgo uma indagação exasperada. Alice leva o indicador a boca e faz um som arrastado me pedindo silêncio.
— A gente conversa em algumas horas, amiga. Agora precisamos dormir um pouco se não, não vamos conseguir assistir aula. — Ela retruca com um tom de confidencia.
— Alice você não pode... —Tento rebater, mas ela só se livra dos travesseiros e se joga na cama, me dando as costas e logo uma camada fina e macia de lençol branco a envolve. Isso só pode ser uma brincadeira. Bufo mentalmente. Alice você tem muito o que me explicar. Penso aborrecida. Então volto a me deitar na minha cama explodindo por dentro de raiva e não pense que foi fácil pegar no sono com todo esse acúmulo de adrenalina percorrendo o meu corpo, porque não foi!