Capítulo 1
Lisboa, Portugal, março de 1834
O garoto caminhava descalço pelas ruas de paralelepípedos sujas. Embora fosse uma linda cidade, não havia nada que pudesse evitar o esterco nas ruas, oriundos dos cavalos que puxavam as carroças. O menino, que vivia nas ruas desde os seus 8 anos de idade, estava cansado de roubar para sobreviver. Não comia havia dois dias. Acordou naquela manhã decidido a arrumar um emprego decente. Era o que teria deixado sua mãe orgulhosa.
Para isso, sabia exatamente aonde ir.
Dobrou uma rua e, de onde estava, já conseguiu ver o porto. Parou por um momento, contemplando os grandes navios atracados no cais e a movimentação frenética dos marinheiros ao redor da enorme embarcação. Sabia que havia chegado na época certa do ano em que os navios saíam para fazer exportações. Esperou meses por aquela oportunidade. Estava quase feliz. Voltou a caminhar a passos decididos e se aproximou de um homem alto, que segurava uma prancheta. Estava olhando para as palavras escritas com concentração, mas isso não deixou o menino constrangido o suficiente para deixar de abordá-lo.
─ Com licença.
O homem se virou, olhando de um lado para o outro com ligeireza, até focar os olhos para baixo. Franzindo as sobrancelhas na direção do garoto, rosnou:
─ O que queres? Não tenho tempo para dar esmolas.
─ Imagino que não ─ respondeu o menino ─ por acaso, o senhor é o capitão desse navio? ─ Indagou, apontando para a grande embarcação que havia notado antes de pôr os pés no porto, rodeada de marinheiros apressados.
─ Sou eu ─ o capitão fungou, voltando a ler sua prancheta. ─ Agora saia.
Ignorando a ordem do homem, o garoto continuou:
─ O que devo fazer para trabalhar a bordo com os senhores?
─ Lamento, garoto ─ o capitão sorriu, malicioso. ─ Não são permitidos ratos.
─ Não estou a brincar. Realmente, quero um emprego a bordo do seu navio ─ insistiu. ─ Não quero muito em troca, apenas comida, água e o salário que me for justo pelos meus serviços quando chegarmos em terra. E em troca, tens minha total lealdade.
─ Muito bem ─ bufando, o capitão voltou a olhar para o rapaz. ─ Por que queres trabalhar em um navio?
─ Eu não tenho ninguém, não tenho família. E não tenho como sustentar-me aqui, pois não consigo arranjar um emprego que preste. A última oferta que recebi foi trabalhar em um bordel. Prefiro virar comida de tubarão.
─ O que pode vir a acontecer, quando estás a trabalhar em alto-mar.
─ Se este é meu destino, deixe que seja.
À esta resposta o capitão quase sorriu. Gostava de um jovem destemido. Era bom para os negócios.
─ O que aconteceu com seus pais?
─ Minha mãe morreu quando eu era criança ─ respondeu, prontamente. ─ Meu pai é um maldito que vi poucas vezes na vida. Ele é da Marinha, assim como o senhor, a diferença é que ele não é português. Quero ser um marinheiro também.
─ Qual a tua idade?
─ Completei 14 anos duas semanas atrás.
Pensando pelo que pareceu ser horas, finalmente deu uma resposta satisfatória ao menino.
─ Muito bem ─ disse, por fim. ─ Me diz o teu nome. Serás meu moço de convés.
─ João Miguel, capitão ─ ele sorriu, perguntando-se se o que sentia naquele momento dentro do peito era felicidade. Ainda não sabia dizer com certeza. ─ Muito obrigado. O senhor não irá se arrepender dessa decisão.
Uma decisão que mudaria o rumo da vida do jovem João Miguel para sempre.