Prólogo
Belo Horizonte, 25 de junho de 1998
— Maria Luísa. – Fala Anna passando a mão na barriga por cima do vestido bege que usa.
Ela está deitada na grama junto com seu namorado, Thiago, olhando para o céu azul que Anna acredita estar da cor dos olhos de seu amado.
— O que tem o nome da minha mãe? – Pergunta Thiago se debruçando sobre a namorada.
— O nome do bebê será Maria Luísa. – Responde Anna sorrindo.
— A minha mãe com certeza irá amar a homenagem. – Comenta Thiago sorrindo também. Ele olha para a barriga da namorada, passando a mão e murmura — Maria Luísa...
— Sim – responde a loira de cabelos cumpridos esvoaçantes.
— Mas e se for menino? – Pergunta Thiago.
— Será menina. – Responde Anna convicta.
— Como pode ter tanta certeza? – Questiona o rapaz de cabelos pretos.
— Eu sonho com ela – Responde Anna pensativa — Todas as noites, sonho com a minha bela menina dos cabelos pretos como a noite e olhos azuis como esse céu. Ela será parecida com você em muitos aspectos.
— Então não sabe de fato se é menina? – Questiona Thiago.
— Não– Responde Anna respirando fundo enquanto acaricia sua barriga — Confirmação só aos cinco meses.
— Daqui dois meses. – Conclui Thiago. Ele passa a mão na barriga de Anna — Espero estar de volta quando for para descobrir o sexo.
— Estará sim – Afirma Anna — Tenho certeza que até lá seu pai estará melhor de saúde e poderá conhecer a neta.
— Você deveria ir comigo – Propõe Thiago sentando — Assim já conheceria a família toda.
— Você sabe que eu não posso – Recusa Anna, abraçando as costas de Thiago — Estou em época de provas, tenho meu emprego que com certeza irão me mandar embora quando descobrirem a gravidez. Preciso guardar o máximo de dinheiro possível.
— Eu já disse que irei sustentar vocês duas... Que vamos nos casar, não precisa fazer nada disso. Eu tenho dinheiro para nós dois... Três. – Argumenta Thiago.
— Não quero – Recusa Anna mais uma vez — Por enquanto prefiro ficar assim. Pelo menos até eu conhecer sua família.
— Não se preocupe – pede Thiago — Eles vão amar você... Assim como eu.
— Eu amo você Thiago – declara Anna — Não se esqueça disso.
— Eu não vou esquecer – responde Thiago beijando a namorada. — Prometa que sairá do seu emprego desde agora.
— Mas como eu irei pagar meu aluguel? – pergunta Anna preocupada. — Me sustentar?
— Tome – fala Thiago tirando uma chave de seu chaveiro —Essa é a chave do meu apartamento, fique nele até eu voltar.
— Eu não posso aceitar – recusa Anna, envergonhada.
— Por favor, só quero que tenha uma gravidez tranquila. – Pede Thiago — Eu volto rápido e veremos um lugar melhor.
— Tudo bem – concorda Anna, relutante, pegando a chave — Só até você voltar.
— Eu estarei de volta antes que perceba – afirma Thiago sorrindo
***
Belo Horizonte, setembro de 1998.
Anna caminha tranquilamente pela calçada segurando as sacolas de compras, faltam apenas duas quadras até o apartamento. Assim que vira a última quadra percebe um belo carro preto estacionado, tem certeza de que não é de ninguém que mora naquela rua, pois virou amiga de todos. Aproxima–se do carro e verifica que a placa era de Curitiba, Paraná. Aquela informação fez surgir no rosto de Anna o sorriso que há muito tinha desaparecido. Ele voltou, pensa correndo em direção ao apartamento.
Abre a porta do apartamento nervosa, percebe que a sala está vazia, mas que inalava um perfume feminino diferente do dela. Verifica a cozinha, o banheiro e quando chega ao quarto, se depara com uma figura feminina. Uma mulher de quase cinquenta anos, com belos cabelos pretos presos em coque, usa um terno preto e óculos escuros.
— Olá – cumprimenta Anna curiosa com aquela figura imponente — Posso ajudar?
— Você é Anna Braga? – pergunta, a senhora se levantando elegantemente. Ela tira os óculos mostrando o belo par de olhos azuis.
— Sim – responde Anna — E quem é a senhora?
— Maria Luísa Assunção de Almeida – responde a mulher — Mãe do Thiago.
— Prazer em conhecê-la. – Fala Anna estendendo a mão feliz, mas é repelida pelo olhar gélido da mulher — Ouvi falar muito bem da senhora.
— Bom... Não posso dizer o mesmo de você – retruca a mulher, fazendo Anna franzir a testa sem entender — Meu filho pediu para vir até você e lhe mandar um recado.
— Que ótimo – exclama Anna passando a mão na barriga, chamando atenção de Maria Luísa — Nós estávamos preocupadas.
— Thiago disse para você não esperar mais por ele – revela Maria Luísa — Disse que você deve seguir em frente e esquecer que vocês um dia tiveram algo.
— O que? Como assim? – pergunta Anna chocada — Ele não pode ter dito isso... Ele estava feliz... Ele estava feliz com a vinda da nossa filha!
— Filha? – questiona Maria Luísa com um olhar de desprezo — Pois saiba que o meu filho, assim como eu, não acredita que seja dele... Há quanto tempo estão juntos? Um ano... Dois?
— Quase um ano... – Responde Anna.
— Mas não tem um ano, certo? – questiona a senhora Almeida — Como acha que meu filho irá confiar em uma pessoa que pode estar dando o golpe na barriga. Alguém que aceitou morar no apartamento e viver praticamente à custa dele. Olhe, eu sei que deve ser difícil para você ter investindo tanto no meu filho, mas saiba que não alcançará seu objetivo. Se essa criança for mesmo dele, nós daremos uma pensão digna. Mas é tudo o que terá da nossa família.
— Eu não quero o dinheiro de vocês! – reage Anna transtornada — Eu quero meu Thiago! Por favor, me deixe falar com ele. Eu sei que foi um mal entendido.
— Ele não quer falar com você – alega Maria Luísa — E agora sei o motivo. ... Você é insistente, ardilosa... Com esse rosto de santa , o manipula , envenena ele contra a família. Mas a mim você não engana. Já conheci piores que você.
— Por favor – suplica Anna — Eu o amo, jamais quis nada dele. Eu só quero amá-lo e que ele me ame... E quero que ele conheça a filha.
— Não force uma situação, querida – pede Maria Luísa — Quem me garante que esse filho é dele? Pelo que eu vi você pode estar com o pai dessa criança nesse momento.
— Como ousa? – questiona Anna, ofendida — Eu jamais faria uma coisa dessas...
— Bom... Como irei saber que não é assim? – pergunta Maria Luísa — Afinal nem família você tem... Pode ser qualquer que só quer se dar bem... Uma mulher da vida.
— Pare! – grita Anna esbofeteando sua sogra. — Nunca mais ouse a dizer uma coisa dessas a meu respeito!
— Finalmente a santinha do pau oco, deu as caras – comenta Maria Luísa se arrumando – Me entregue às chaves do apartamento. Volte para a rua que é o que merece.
— Tome – Anna entrega as chaves para Maria — Pode ficar... Só quero que se lembre do mal que está fazendo para Maria Luísa.
— Quem é Maria Luísa? – pergunta Maria Luísa intrigada.
— Sua neta. Maria Luísa. – Responde Anna, séria.
— Acha mesmo que colocar o mesmo nome que o meu, fará com que seja aceita na família? – questiona a matriarca cética — Como você é tola.
— Você não tem nada a ver com a escolha do nome da minha filha – rebate Anna — É o nome que ela merece... Ela fará jus ao nome diferente de você.
— Olhe, Anna – começa Maria Luísa pensativa – Saiba que estou inclinada a fazer um acordo.
— Eu não quero acordo nenhum com você – recusa Anna irritada.
— Não é por você e sim por essa criança que não tem culpa de nada – rebate a matriarca secamente.
— Não preciso da esmola de vocês – alega Anna.
— Essa criança precisará de apoio – argumenta Maria — Então deixe de falso orgulho e aceite a proposta que o Thiago fez.
— Thiago jamais faria uma proposta desse tipo. – Alega Anna.
— Mas não foi uma proposta que a fez mudar para cá? – questiona Maria Luísa.
— Foi – admite Anna, amargurada — Mas é por ter cometido esse engano que eu não irei fazer acordo algum... Nunca.
— Aposto que vai, na hora que apertar – comenta Maria Luísa estreitando os olhos — Ainda mais agora que está no olho da rua.
— Não irei. Darei meu jeito... – retruca Anna, séria. Ela abre o guarda roupa e tira suas poucas roupas de dentro, jogando–as em sua antiga mala.
— Não precisa sair agora –fala Maria se aproximando — Permito que fique até o fim da semana.
— Não – recusa Anna nervosa. Ela fecha a mala e encara Maria — Pode ficar... Com tudo. Mas saiba que eu não acredito em nada do que disse... Assim que o Thiago aparecer, contarei para ele.
— Como quiser – concorda Maria Luísa abrindo a bolsa — Mas caso se canse de ser orgulhosa, tome meu cartão. Assim que me ligar, digo a ele para enviar a pensão.
— Fique com seu cartão – rebate Anna segurando a mala com as duas mãos.
— Jovem tola – comenta Maria Luísa colocando o cartão no bolso da jaqueta de Anna — Sei que ligará.
Anna se vira e sai do apartamento praticamente correndo. Não imaginava que seu dia acabaria daquela forma. Está no olho da rua e não tem para onde ir. Senta na calçada chorando, não consegue acreditar que Thiago estaria por trás de tudo aquilo. Passa mão na barriga, onde o bebê chuta forte. Agora somos eu e você contra o mundo.
Seca as lágrimas e começa a andar pela rua , quando encontra Aline , uma jovem de cabelos punk vermelho que morava no prédio da frente, Anna era única da rua que conversava com a moça. Ela encara a loira preocupada, enquanto se aproxima.
— Aninha tudo bem? – pergunta segurando no braço de Anna que está cambaleando. — O que faz aqui fora? E que mala é essa?
— A mãe dele me tocou do apartamento, estou no olho da rua. — Responde Anna tonta.
— Venha, vamos para minha casa – determina Aline pegando a mala da grávida — Venha morar comigo.
— Você não entende – alega Anna chorando — Eu não tenho como pagar você.
— Anna, não se preocupe – garante Aline — Um dia você retribuirá esse favor. O que eu não posso, é deixa-la aqui no meio da rua. Vamos.
— Obrigada Aline – agradece Anna, emocionada — Eu prometo que um dia retribuirei o favor.
— Eu sei – concorda Aline caminhando ao lado de Anna.
***
Na semana seguinte foi chamada pelo seu chefe e mandada embora. A justificativa foi o corte no orçamento, vendas baixas, mas ela sabia que o motivo real estava embaixo de seu uniforme alheio aquela injustiça. Aline passou a pagar as contas da casa, mas Anna não gosta que sua fique sustentando as três. Precisa dar um jeito naquela situação, porém a única forma seria entrar em contato com Thiago e exigir que ele ao menos reconhecesse sua filha. Mas o telefone deixado por ele estava sempre desligado.
Sente–se perdida , até lembrar–se do cartão de visitas que a senhora Almeida havia deixado. Demorou algumas semanas até de fato ligar para o número do cartão, afinal só ligou porque elas tiveram de mudar do apartamento já que não conseguiam mantê-lo e ir para outro lugar, sendo forçada a escutar a voz daquela que havia revirado seu mundo.
— Maria Luísa, aqui é Anna – diz a jovem séria ao telefone — Precisamos conversar.
— Quer dizer então que está disposta a aceitar o acordo? – conclui Maria Luísa indo direto ao assunto.
— Sim – responde Anna — Mas antes, desejo ouvir a proposta da boca do Thiago. Quero fazer o acordo com ele... Pessoalmente.
— Impossível – recusa Maria Luísa secamente — O Thiago não poderá fazer isso... Ele está ocupado.
— Isso é mais importante do que qualquer coisa que o esteja impedindo de falar comigo – alega Anna irritada — Eu preciso fazer esse acordo com ele.
— Ele está organizando o velório do pai... – revela Maria Luísa sem qualquer pesar — E Não irei perturbá-lo com esse... Problema. Vamos resolver isso entre nós e o deixarei a par de tudo, não se preocupe.
— Meus pêsames, mas eu não confio em você – confessa Anna brava.
— Guarde suas condolências para quem precisa. E eu também não confio em você – retruca Maria Luísa — Mas esse acordo é para o bem dessa criança... Então seja madura e vamos ao que interessa.
— Qual é a proposta? – pergunta Anna.
— Ela receberá um valor mensal para suprir todas as suas necessidades e garantir que tenha sempre as melhores oportunidades. Porém, queremos sigilo sobre esse pequeno incidente da vida do meu filho. – Propõe Maria Luísa.
— Então vocês não querem que ninguém saiba sobre a Maria Luísa? – questiona Anna horrorizada.
— Exatamente – afirma Maria — Acho que esse pequeno deslize poderá prejudicar meu filho e sua carreira, permanentemente. Mas não preocupe, daremos um jeito dela ter uma vida confortável.
— Quero que a reconheça como membro da família de vocês – exige Anna transtornada — Quero o nome de vocês na minha filha. Caso contrário, levarei esse deslize a público.
— Como quiser. Assim que essa criança nascer, mandarei um advogado com a papelada e a autorização para colocar o nosso nome. Porém, a partir do momento em que ela usar o nosso nome, nós teremos o direito a guarda e poderemos reivindicar a criança, quando quisermos. Você aceita o acordo? – pergunta Maria.
— Sim – responde Anna sentindo asco ao aceitar.
— Então em breve receberá toda a documentação necessária. Passar bem – finaliza Maria Luísa.
Ela demora ainda para colocar o telefone no ganho, tenta se convencer de que aquilo seria bom para sua filha, mesmo sentindo que tinha vendido sua alma para o Diabo. Ela toca em sua barriga, chorando:
— Desculpe–me por estar fazendo isso com você, meu bebê. Espero que um dia entenda que é para o seu bem.
Assim que Aline chega do serviço , Anna conta da conversa nada agradável que teve, deixando a amiga contrariada.
— Eu não quero o dinheiro desse povo! – esbraveja Aline socando a mesa da cozinha — Eu prefiro continuar pegando turnos extras no bar do hotel a aceitar qualquer coisa deles! Como Pôde fazer isso?
— Você não tem a obrigação de nos sustentar, Aline – argumenta Anna — Agradeço o que está fazendo, mas não quero que se mate de trabalhar por nós duas.
— Anna, vocês são a família que... Eu nunca tive – responde Aline — Eu não posso aceitar isso. Eu jamais deixaria que uma irmã minha tivesse que submeter a esse tipo de coisa. E você é a minha irmã, a Malú não precisa deles. – Cita o apelido que deu a criança, já que odiava falar o nome que era o mesmo da matriarca dos Almeida. —Eu faço qualquer coisa por ela.
— É tarde demais –alega Anna — Eu aceitei. E mesmo que você seja contra e me odeie, não posso mudar isso. Sinto muito.
— Então prometa que esse dinheiro será usado somente com a Malú. – Pede Aline, frustrada — Pelo menos ela terá tudo o que precisar.
— Eu pensei nisso quando liguei. – Confessa Anna emocionada — Quero que a minha filha tenha a oportunidade de ser alguém que eu perdi por amar... Por amar o pai dela incondicionalmente.
— Depois de tudo isso, ainda o ama? – questiona Aline —Depois de toda a prova do Thiago ser mau caráter?
— Sim. Eu amo e infelizmente, acho que estou fadada a amá-lo para sempre – admite Anna chorando — Eu rezo para tirar ele da minha vida, para esquecê-lo, mas no fundo tenho esperança que ele não está aprovando esse tipo de coisa. Que ele nem sabe o que a mãe dele está fazendo. Eu sei que um dia vou revê-lo e tudo virá à tona e espero que Malú o receba de braços abertos. Tenho um pedido a fazer para você.
— Diga. Faço qualquer coisa – responde Aline
— Não quero que Malú descubra sobre nada disso. Quero que ela tenha a oportunidade de conhecer o pai sem nenhuma influência. Desejo que ela tenha seus próprios pensamentos a respeito dele. Prometa que fará isso, mesmo se algum dia eu faltar a minha filha, não quero que ela saiba de nada disso.
— Tudo bem – concorda Aline, contrariada — Não concordo, mas você é a mãe e sabe o que é melhor para ela.
— Eu espero que sim – responde Anna tocando em sua barriga.
***
Belo Horizonte, 24 de dezembro de 1998.
Aline procura nervosa algo no sofá, onde está Anna deitada com seus pés inchados e sua barriga de nove meses. Ela não tinha reparado como os últimos meses tinham passado tão rápidos.
— Tem certeza de que ficará bem? – pergunta Aline pela décima vez — Eu fico em casa, você sabe que não gosto muito de comemorações. A gente come um miolo, assiste a um filme de natal, choramos um pouco e rimos. Ou você vai comigo e nos divertimos fofocando sobre o pessoal do hotel.
— Agradeço o convite, mas ninguém vai querer uma pata choca dançando no salão – recusa Anna sorridente — Sem contar que nem posso mais, já que a Malú ainda não quer sair. E não quero que fique aqui comigo, você precisa se divertir. Esses últimos meses você só trabalhou, não é justo que fique em casa. Vá e se divirta por nós duas.
— Tudo bem – concorda Aline, respirando fundo — Mas prometa que vai ligar naquele número que eu deixei na geladeira, se acontecer qualquer coisa. QUALQUER COISA! Até um chute, você me liga.
— Não se preocupe – pede Anna — Se algo acontecer, será a primeira, a saber. Agora vá e espero que se dê bem essa noite.
— A noite promete, mas eu pretendo voltar para casa cedo – comenta Aline.
— Aline – repreende Anna — Só tem uma grávida aqui e sou eu.
— Sim, mas eu não vou sair do seu lado enquanto a Malú não nascer, pode esquecer. – Ela anda até a porta — Não se esqueça de ligar.
— Tudo bem – fala Anna olhando Aline fechar a porta e murmura — Sortudo será o homem que tiver você ao seu lado.
***
Anna acorda sentindo sua cama molhada se levanta e percebe que sua bolsa estourou. Vai à cozinha e olha para o relógio, ainda são dez horas da noite. Ela tenta por algum tempo, contato com Aline sem sucesso, até que sua primeira contração acontece. Ela decide então colocar um vestido e tentar pegar um táxi ou ônibus que a leve para a maternidade.
Assim que chega à rua, nota que será difícil conseguir um transporte, pois o ponto de táxi está vazio e não passará um ônibus aquele horário. Tenta acionar o síndico, mas ele já não se encontrava no prédio. Sobe mais uma vez ao seu apartamento e tenta ligar para Aline, mas ninguém atende. Respira fundo e tenta ligar para a maternidade e pedir uma ambulância, mas a linha está ocupada. Pega sua mala de maternidade e caminha novamente para a rua. Anda devagar até ter mais uma contração que a faz segurar em um dos portões de sua rua. Nesse ritmo, acabaria dando à luz na rua, conclui preocupada. Respira fundo e se endireita, segura as próximas contrações o máximo que consegue.
Já está próxima a rua principal, quando vê um ônibus encostado na linha. Tenta caminhar mais rápido, erguendo os braços para chamar atenção do motorista. Faltava pouco mais de uma quadra , quando uma contração forte a faz arquear em cima de sua barriga , quando olha para o ponto, vê o ônibus se afastando, alheio à sua dor. Tenta gritar, mas apenas um sussurro de pare sai de sua garganta.
Caminha devagar, a dor é quase insuportável. Meu Deus, não posso ter meu bebê, aqui. Por favor, me ajude. Não nos desampare, agora. Por tudo o que é de mais sagrado, pela minha filha, me ajude. É tudo o que te peço, roga Anna olhando para a noite quase sem estrelas.
— Venha, irei ajudar – fala a voz masculina, atrás de Anna.
As súplicas da moça foram atendidas
***
Ícaro é o nome do homem que acelera seu carro para a maternidade. Anna não teve tempo de perguntar muito a respeito dele, pois suas contrações mal a permitem respirar. Sua aparência revela que está na faixa dos trinta anos, cabelo em um tom de castanho acobreado muito bem cortado, além de usar um terno escuro que mais parece um uniforme. Segurança, talvez, pensa Anna o encarando de relance. Tem a sensação que o conhece de algum lugar.
Eles dão entrada pela emergência do Pronto socorro, mas não permitem que Ícaro a acompanhe até a sala do parto.
— Muito obrigada por tudo – agradece Anna emocionada segurando a mão dele, enquanto o enfermeiro empurra a cadeira de rodas. — Que Deus o abençoe e lhe dê tudo o que deseja. Espero um dia recompensá-lo por esse ato, se nos reencontrarmos.
— Nós vamos nos reencontrar antes do que imagina Anna– revela Ícaro enigmático, soltando da mão de Anna que o encara confusa.
Ela tenta olhar para Ícaro mais uma vez, porém as portas da emergência a impedem. Ela respira fundo e tenta se concentrar no que é mais importante naquele momento: Maria Luísa.
***
— Empurra – ordena o médico entre as pernas de Anna. Assim que o obstetra avaliou a dilatação de da jovem, decidiu que o parto normal seria o mais indicado, já que o bebê estava na posição correta — Força Anna!
— Errrrrrrrrrr...AAAAAHHHHH– geme Anna, forçando cada vez mais a saída de sua filha. Ela deita na cama, cansada e desesperada — Eu não aguento mais! Não era para ser assim... Não posso fazer isso sozinha... Eu não vou conseguir.
— Anna, você conseguirá – garante a enfermeira ao lado da moça — Esse será um belo presente que dará a todos nós. Então, se quer essa criança, faça por merecer e a ajude a conhecer o mundo.
— Está pronta? – pergunta o médico — Eu preciso que empurre com toda a sua força. Agora!
— Eeeeeeeeeeeeeeeeerrrrrrrrr... Rrrrrrrrrr... Errrrrr... Aaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaa hhhhhhhhhhhhhh – grita Anna se contorcendo na cama, enquanto sente um puxão em sua barriga. Ela se joga novamente na cama, ofegante. Sente o suor de sua testa correr pelo seu rosto. Mas nada daquilo importava, só deseja ver sua filha.
Em poucos minutos o choro do bebê ecoa pela sala de cirurgia, fazendo Anna sorrir e chorar ao mesmo tempo, aliviada. A enfermeira arruma à recém–nascida e a coloca nos braços da loira que chora emocionada. Ela toca os cabelos pretos de sua filha e beija sua testa. Segurando sua pequena mão, então diz sorrindo entre as lágrimas:
— Bem vinda ao mundo Maria Luísa, minha Malú.