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Capítulo 6

— Malú, eu posso explicar – alega Ícaro tentando segurar no braço de Malú que se desvencilha chocada com a revelação — Espere, não vá.

A porta se abre mais uma vez e dela saem Graziela e Thiago. O pai de Malú se posiciona entre a filha e o irmão, mostrando estar irritado com a presença do último.

— O que pensa que está fazendo aqui? – pergunta Thiago — Era para você ter sumido de nossas vidas.

— A Malú merece explicações minhas. Eu vim por ela. – Responde Ícaro — Por favor, irmão, preciso falar com ela.

— Você teve dezesseis anos para contar sobre a Malú e para contar a ela sobre nós e se negou. Por ganância, inveja, vingança, seja lá o que for – acusa Thiago — Você perdeu esse direito. Bem como o direito de me chamar de irmão, seu bastardo.

— Thiago, sei que está com raiva, mas só a Malú pode me dizer o que fazer – alega Ícaro olhando para a sobrinha — Diga Malú, você quer ouvir o que eu tenho a dizer?

Malú coloca as mãos na garganta e começa a chorar. Ele ainda não sabe do que aconteceu, mas ela chega à conclusão de que mesmo que não tivesse perdido a voz, não quer escutar nada venha de Ícaro. Ele é igual a todos aqueles a sua volta... Uma corja de leões e abutres só esperando que ela caísse.

Malú sobe as escadas correndo, deixando Ícaro sem qualquer resposta. Ele olha para o irmão e as duas mulheres atrás de Thiago sem saber o que fazer.

— Saia daqui – ordena Thiago calmamente — Siga seu caminho... Ela tem um pai agora e só de mim que a Malú precisa.

— Não... – recusa Ícaro balançando a cabeça — Ela precisa de mim, pois tenho certeza que o que a Malú me disse, ainda sente.

— Acho difícil isso, mas o que foi que ela te disse? – pergunta Thiago irônico.

— Ela disse que eu sou o pai dela – responde Ícaro — E eu também acho isso.

Thiago avança em cima de Ícaro o jogando no chão. Ele esmurra o irmão até começar a sair sangue de sua face. Ícaro o segura e o vira, ficando por cima dele e socando as costelas de Thiago. A briga se intensifica mesmo com os gritos de Graziela e Vera pedindo que parem. Ícaro já está enforcando Thiago quando Maria Luísa chega ao hall da sua casa.

— O que está acontecendo aqui? – pergunta a matriarca irritada — Levantem do chão!

Os dois se levantam ofegantes e sem tirar os olhos um do outro. Graziela vai para o lado do noivo o afastando do irmão.

— Saia da minha casa, Ícaro – ordena Maria Luísa com os seguranças ao seu lado.

— Sua casa? – questiona Ícaro — Essa casa é tão minha quanto de vocês.

— Não é não. Essa casa pertence a minha família e, portanto, você não tem mais acesso a ela. Seguranças, tirem esse homem daqui e avisem a todos que sua entrada não é mais bem vinda. – Ordena Maria aos seguranças que estão a postos.

— Você não pode fazer isso, Maria – exclama Ícaro irritado — Essa é minha casa!

— Você não tem nada aqui, Ícaro – rebate Maria Luísa se aproximando do enteado. — Você não faz parte da minha família.

Os seguranças seguram Ícaro que encara o irmão incrédulo. Eles o conduzem para a porta da casa com um pouco de resistência de sua parte.

— Se vocês pensam que isso ficará assim, estão enganados. – Ameaça Ícaro — MALÚ! EU PROMETO QUE VENHO TIRAR VOCÊ DESSA FAMÍLIA! PROMETO PELA SUA MÃE!

Todos ficam em silêncio observando Ícaro ser carregado para fora da mansão. Thiago vai para cozinha sendo acompanhado pela mãe, enquanto as duas irmãs se encaram sem entender o que estava acontecendo.

— Nossa, que confusão – exclama Vera, surpresa.

— Tem muito mais nessa história do que nós sabemos Vera. E só tem uma pessoa que pode nos esclarecer tudo isso. – Comenta Grazi olhando enigmática para sua irmã.

***

Malú não consegue fechar os olhos, sem lembrar–se da cena que ocorreu no hall. As palavras de Aline fazem todo o sentido. Ela senta na cama pensando em como iria fazer para sair daquela casa, então escuta alguém bater levemente em sua porta. Pensa em não abrir, mas a pessoa insiste mais uma vez. Malú se levanta e abre a porta e fica surpresa quando vê Graziela do outro lado.

— Olá Malú, será que podemos conversar? – pergunta à madrasta.

Malú se afasta da porta, deixando assim que Graziela entre em seu quarto. Ela cruza os braços encarando a madrasta, esperando o que Grazi tem a dizer.

— Eu gostaria de saber... Como você está? – pergunta Grazi Analisado o quarto da jovem. Ela olha para sua futura enteada que está com a expressão curiosa e continua mostrando um sorriso fraco no rosto — Eu já estive no mesmo lugar que você hoje. Sei como é perder... Uma mãe quando você é jovem demais e tem de lidar com um pai ausente.

Malú passa por Grazi e senta na cama. Ela pega o tablet que está carregando e escreve:

“Como foi? Como lidou com isso?"

— Foi bem doloroso. Diferente de você, meu pai não fazia muita questão de se preocupar com a gente – responde Grazi se aproximando da cama — Posso me sentar? – pergunta, em seguida recebe um aceno positivo de Malú e senta — Eu tive sorte de ter uma irmã ao meu lado com quem eu podia contar... Do contrário eu estaria vestindo roupas de homem, amargurada e odiando o meu pai. As coisas não passarão rápidas e você não amará seu pai da noite para o dia, mas eu espero que possa perdoar o seu pai do jeito que não consegui perdoar o meu.

“Impossível amar alguém que nunca se importou comigo e nem quis saber de mim. Por mais que ele não soubesse de mim” responde Malú.

— Então ele não sabia que você existia? – pergunta Grazi, surpresa.

“Não".

— Então vocês estão na mesma situação, mas pelo visto o Ícaro tinha total conhecimento de sua existência, pelo menos foi o que deu para ver...

“Sim e isso me dói mais. Eu fico pensando na minha tia Aline quando descobrir isso."

— Então você tem uma tia? – pergunta Graziela arqueando a sobrancelha — Isso é bom, ela pode te ajudar a lidar com tudo isso. Você não precisa ter de lidar com... Essa família, como você pôde ver, o ambiente é horrível.

“Eu queria morar com ela, mas ela é só tia de consideração. Era a melhor amiga da minha mãe, mas não pôde ficar com a minha guarda... ainda."

— Eu sinto muito Malú – pede Graziela segurando na mão da jovem — Olhe, eu sei sobre o que dizem a respeito das madrastas, até tive uma assim. Mas eu prometi a mim mesma que se um dia eu tivesse uma enteada ou enteado, não faria com eles o que fizeram comigo. Então, se precisar desabafar, conte comigo. Eu sou uma boa ouvinte, juro.

“Obrigada" agradece Malú tentando sorrir.

— Sempre que precisar – responde Graziela. Ela se levanta da cama — Eu vou indo, acho que você precisa de um tempo para processar tudo isso. Espero que um dia todas essas coisas se tornem apenas lembranças ruins...

“Elas já se tornaram lembranças para você?" pergunta Malú.

— Quem me dera – murmura Graziela, antes de se retirar.

***

Graziela sai do quarto de Malú e é interceptada pela irmã que a esperava no corredor, aflita.

— Então, como foi lá dentro? – pergunta Vera, curiosa.

— O Thiago não sabia dela, mas o Ícaro sim. Aparentemente tem uma moça que sabe de toda a história. Isso é tudo, sem contar que ela está com o mesmo olhar que nós tínhamos quando a nossa mãe morreu. Completamente sem rumo. – Responde Graziela, frustrada.

— Muito bom. Mas você poderia ter perguntado mais, Graziela – repreende Vera — Eu preciso saber com o que estou lidando, caso apareça mais alguma coisa na mídia.

— Acho que você não me ouviu, ela está abalada. Acho que foi uma péssima ideia ter falado com ela. – Conclui Graziela andando pelo corredor.

— Muito pelo contrário – nega Vera, segurando o braço da irmã — Essa foi uma boa ideia, ainda mais vindo de você. Crie vínculo com ela e teremos um trunfo nas mãos. Quem sabe ela não aparece no palanque com o Thiago desde agora? Nossa! Isso ia alavancar a candidatura do Thiago e até garantir as eleições. Essa menina acabou vindo para servir de alguma coisa.

— Mas o Thiago pediu para não envolver a filha em tudo isso – recorda Graziela.

— Mas isso é fácil de resolver. É só convencer a garota a querer ir com o pai na campanha e o Thiago vai aceitar.

— Mas isso está errado! – argumenta Graziela transtornada com atitude da irmã.

— Santa Grazi! – exclama Vera sarcástica — Achei que tivesse aprendido algo com o papai e aquela mulher. Sempre estar com o bolo pronto enquanto as pessoas estão indo com a farinha. A gente precisa estar disposta a tudo para ter o que se quer. E o que eu quero é uma mesa no Congresso Nacional de suplente do seu marido. Eu quero ganhar 35 mil, fora décimo terceiro, quarto e quinto salários. Além do meu motorista particular, casa, férias... Então eu vou fazer de tudo para conseguir isso.

— Manipulando as pessoas? É assim que vai conquistar tudo isso? – questiona Graziela.

— Sim – responde Vera sorrindo — E farei muito mais, mesmo que eu tenha que tirar algumas pedras do meu caminho. Sabe, Grazi, você não pode me julgar. Você é tão suja quanto eu.

— O quê? Como assim? – pergunta Grazi, confusa.

— Qual é irmãzinha? Acha mesmo que eu não sei que você manipulou o Thiago para casar com você? – questiona Vera Lúcia sorrindo — Foram quantos anos juntos? Dez anos?

— Doze anos – corrige Graziela triste.

— E quantos mais ele iria levar até casar com você? – pergunta Vera mexendo na bolsa — Eu sei a resposta: Todos! Ele nunca casaria com você se não tivesse dito que estava grávida. Além de perder o bebê, bem quando ele precisava de votos. Tudo muito conveniente... O papai sempre achou que você fosse ingênua, pura, doce, mas eu sempre vi potencial de maldade na minha irmã.

— Eu não sou má – responde Grazi, transtornada — Eu jamais mentiria para o Thiago!

— Okay, se não mentiu para ele, eu troco o meu nome para Bozo – responde Vera passando batom nos lábios. Ela guarda a maquiagem e encara a Irma — Olhe, eu gostei da sua estratégia, não estou te condenando e jamais contarei a ele. Você é a minha irmã e nós protegemos quem é da família. Agora eu preciso ir à delegacia ver se já encontraram o suspeito.

Graziela acena com a cabeça positivamente sem se importar de fato para onde a irmã iria. Ela caminha pelo corredor lentamente, cabisbaixa.

Malú fecha a porta do quarto bem devagar e volta a deitar na cama com os braços envolta da cabeça. Estou cercada por cobras, mas será que posso confiar na Graziela? Ela me defendeu contra a irmã, mas mentiu para o meu pai sobre um filho, só para casar com ele. O que eu faço?

***

O barulho de mensagem do celular de Malú a obriga a levantar da cama e procurar o aparelho, desesperada. Tem quase certeza que é Aline querendo saber se eles chegaram bem. Já está ensaiando o que irá contar para tia sobre tudo o que aconteceu no jantar e a respeito de Ícaro. Como será que ela lidará com tudo isso?

A porta do quarto é aberta abruptamente, dando passagem para Maria Luísa e Adelaide entrarem, assustando Malú que senta na cama, encarando as duas. O que elas querem agora? Por mais que Maria Luísa não queira admitir, sua semelhança com a neta é incrível, só não se parecem mais por conta do cabelo mal cortado de Malú.

— Pelo visto já se adaptou ao quarto novo – comenta Maria Luísa observando a neta de cima abaixo: camiseta, short e cabelos curtos desgrenhados e três furos nas orelhas, tudo o que a matriarca mais odeia em ver uma mulher usando. Reza para que a neta não tenha nenhuma tatuagem escondida pelo corpo, que aí seria a cereja do bolo para decretá-la uma marginal em formação. Entrega um papel para neta, explicando — Esse é o seu horário semanal, com todas as suas atividades e obrigações diárias. Peço que as siga rigorosamente, pois nesta casa temos horários e obrigações a seguir, portanto, não atrapalhe para não interferir nas agendas dos demais. Você compreendeu?

Malú acena com a cabeça indicando que tinha compreendido cada palavra ácida que saiu dos lábios de sua avó. Ela abre o papel que mais parece um cronograma com todos os dias e horários preenchidos, inclusive o domingo.

— Então, repassarei tópico, por tópico da semana– comenta Maria ajeitando seu terno cinza — O café da manhã é servido entre as seis até as seis e quarenta e cinco, mas é importante que você nos acompanhe desde as seis, sem atrasos, assim não atrapalhará o serviço de Adelaide e da criadagem. Adelaide, como já conheceu é a nossa governanta há anos e estará aqui para servi-la em que precisar. Às sete horas, Jaime, o motorista da família irá leva-la para sua nova escola, Erasto Gaertner, o colégio onde todos os membros de nossa família estudaram. O horário do almoço segue a mesma instrução do café e será a mesma para o jantar. Você também terá, a partir de amanhã, sessões de psicologia e a consulto com um fonoaudiólogo que ainda estamos à procura para seu tratamento, estamos fazendo de forma intensiva, para que melhore logo. E as aulas de canto, foram recomendadas pelo seu fonoaudiólogo de Minas Gerais, mesmo que esteja afônica, ele disse que será um ótimo exercício para suas cordas vocais. Ainda terá cursos de inglês, informática e na escola, curso de alemão. Balé terça e quinta, para ajudar a ter uma postura decente. Aulas de pintura, pois todas as mulheres dessa família sabem pintar e, lógico, aulas de etiqueta. As aulas de etiqueta serão ministradas por mim e eu não tolero atrasos. Você também terá horários livres, mas que podem ser ocupados com eventos sociais da nossa família, sem aviso ou acordo prévio. A hora do sono deve ser seguida impreterivelmente. Tanto que dez minutos antes da hora, o acesso à internet fica bloqueado. Nada de televisão, computador e nem celular. EU sei que na sua casa, as coisas eram um tanto... Livres, mas aqui existem normas e você as seguirá. Adelaide trouxe seu uniforme da escola que irá usar amanhã. Qualquer dúvida, a procure. Tenha uma boa noite.

Maria Luísa sai do quarto deixando apenas Malú com Adelaide. A menina olha para a empregada que ajeita seu novo uniforme no closet. Lágrimas começam escorrer do rosto da jovem, que tenta limpá-las, agressivamente.

— O que foi menina?– pergunta Adelaide se aproximando — Aconteceu alguma coisa?

“Eu odeio essa família, quero ir embora daqui! Quero minha vida de volta!” escreve Malú.

— Não diga isso, eles são sua família também – alega a governanta

“Não são não. Eles são pessoas terríveis... todos eles! Até o Ícaro é cruel e ruim...”.

— Não, eles são pessoas que vivem em um mundo cruel. — Explica Adelaide sentando na cama — Todos eles, até o senhor Ícaro, passaram por provações na vida que deixam marcas profundas. Tenho certeza de que ele o fez para proteger vocês... Como ele não foi protegido quando chegou nessa casa.

“Como assim?” pergunta Malú.

— Senhorita Maria Luísa, minha família sempre trabalhou nessa casa. E eu acompanhei a história de cada um deles. Até a do senhor Ícaro e posso lhe contar, se quiser.

Malú enxuga as lágrimas e acena afirmando que deseja conhecer a história por trás do homem que destruiu sua família.

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