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3

As grandes dores são mudas.

Vega Diaz

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Às sete da manhã já estava de pé e como acordei primeiro aproveitei para agilizar o café da manhã. Minha mãe vem fazendo tudo sozinha porque Emma está um grude comigo.

Aproveitei a disposição e passei a roupa que estava na máquina e já arrumei minha bolsa.

Sabia que meu horário aos sábados é na parte da tarde e que meu primeiro plantão seria de dezesseis horas. Olhei minha agenda online para saber o que farei hoje. — Outra função muito boa, visto que minhas cirurgias marcadas são atualizadas em tempo real.

Enquanto preparava os waffles, fiquei pensando que os plantões da noite devem ser mais tranquilos, afinal, Florença não tem cara de ser tão turbulenta quanto a Espanha no quesito traumas de emergência.

Deste modo posso conversar com Dionísio, já que tive a maravilhosa notícia de que trabalhamos nos mesmos plantões.

Parei de divagar e me empenhei em adiantei tudo que podia, olhei as horas e não passava das 8 quando as duas levantaram.

— Filha, as coisas aqui funcionam bem diferente do antigo trabalho da mamãe, vou sair de casa às 14h e volto às 9h de amanhã. — expliquei colocando a salada de frutas na sua frente.

— Tá bom. — beijei sua cabeça e olhei para minha mãe.

— A senhora já sabe, qualquer coisa me liga. Farei novas amizades no hospital que assim posso passar o número de uma das médicas para você entrar em contato caso eu esteja em alguma cirurgia. — me juntei a elas colocando vários waffles na mesa — Não hesite em me ligar.

— Pode deixar. — depois do café elas estavam conversando sobre desenho e fui ocupar minha mente.

Decidi arrumar meu guarda-roupa para matar o tempo. Consegui ajeitar todas as coisas da Emma e estava terminando a última mala que veio conosco, uma vez que algumas ficaram para vir pela transportadora, já que minha filha possui muitos brinquedos e para não ter que escolher qual traria, decidi embalar todos e mandar entregar aqui. Assim como nossas roupas de cama e algumas coisas da cozinha para que não fosse necessário gastar dinheiro à toa.

— Filha! — olhei para trás e minha mãe estava escorada na porta — Não se cobre tanto! Ficaremos bem.

— Infelizmente a senhora está pedindo uma coisa que é impossível, é da minha filha que estamos falando, da sua neta e nesse momento só quero ter uma boa conversa com o Dionísio no intuito de ouvir que topa fazer a cirurgia na minha menina.

— Sei que não falei nada antes, mas…

— Mãe, por favor, não comece! Já parou para pensar que se não fizemos essa cirurgia vamos perdê-la? — questionei e vi sua feição mudar bruscamente — O Dr. Mattiazzo é nossa única chance! Ninguém quer operar esse astrocitoma, somente ele já operou três em crianças como a Emma e cada uma delas tem ótima qualidade de vida, um bom desenvolvimento mental, conseguem correr e não tiveram nenhuma paralisia no modo geral. Tenho fé que será o mesmo com a minha filha.

— Você tem razão… é que tenho medo de perdê-la. — disse a ela que eu também — Só tenho vocês, Vega, e ser avó é o mesmo que mãe em dobro.

— Eu sei, só que se não fizermos agora, uma hora o luto cairá sobre nós, porque ninguém vive mais de cinco anos com um tumor, mãe! Quem dirá no cérebro. — mais uma vez esclareci o que nos aguarda.

— Vou orar bastante para que esse Doutor seja abençoado por Deus e que nada dê errado nessa cirurgia.

— Proponho pararmos com esse pessimismo, pois desde o momento que descobri que ela estava com tumor só tenho pensado positivo.

Respirei fundo, tentando não desmoronar logo agora que estamos tão perto.

— Emma terá uma vida longa, me dará netos e sei que não vai nos abandonar antes do tempo! — acabei sendo rude, já que minha mãe tem essa mania feia de ficar trazendo pessimismo para dentro da nossa casa.

— Desculpa! — para não me estressar como vem acontecendo corriqueiramente, voltei a focar nas minhas roupas e ela entendeu que eu não quero mais conversa.

Toda vez é o mesmo, sei que não faz por mal, entretanto, isso me tira totalmente do eixo e acabo sendo grosseira.

As horas foram passando e deduzi que já havia trânsito pelas ruas de Florença, dei uma olhada na meteorologia e vi que amanhã não choverá.

— Levarei somente uma jaqueta, vou de moto, por estar indo e vindo na Hora do rush e assim será mais fácil para chegar em casa. — tomei meu banho e comecei a me arrumar.

— Toma, leva uma marmita. — aceitei, pois comida de hospital nem sempre é saborosa — sua garrafa de café está aí dentro.

Abri a bolsa térmica com duas marmitas, minha garrafinha de café e acabei sorrindo pela gentileza. Beijei sua testa e peguei minha mochila.

— Vai devagar! — concordei.

Ela me abençoou e fui para a sala, encontrei Emma deitada assistindo o seu desenho favorito.

— Filha! Estou indo. — ela veio me dar um beijo — Se comporta.

— Tá bom, até amanhã. — nos despedimos e segui para meu primeiro dia de trabalho.

Como estive no hospital ontem, já sabia a melhor rota para chegar lá. Ainda não me acostumei com as ruas daqui e com medo de perder a minha entrada acabei cortando um carro e nem me dei o trabalho de olhar para trás, sei que deve estar me xingando, já que não liguei a seta e cortei sua frente a toda velocidade.

— Tenho que me policiar mais! — murmurei entrando no estacionamento dos fundos — Nossa, bem que o Lorenzo afirmou, esse aqui está quase vazio.

Como cheguei uns 40 minutos adiantado, não me apressei. Estacionei ao lado da entrada. Travei as rodas e peguei minha mochila junto ao meu capacete.

Passei pelas portas e encontrei um grupinho de 4 residentes olhando em minha direção.

— Não é ele! — uma das meninas que traz uma maquiagem bem forte no rosto para o ambiente em que trabalha ganhou minha atenção — Quem é essa?

Escutei-a sussurrar e para não perder meu tempo segui meu caminho e fui direto para a sala do diretor, ontem ele não quis me levar ao dormitório, já que Dionísio estava dormindo.

— Bom dia, doutora Diaz. — trocamos as formalidades — Bom, sofri fortes ameaças do Diógenes que exigiu que seja muito bem tratada.

— Ele é assim mesmo, não se preocupe que ficarei bem. — super sem jeito, esclareci — Vim aqui, porque pediu, lembra?

— Oh, claro.

Lorenzo, aparenta ter minha idade, é bem jovial e não usa jaleco como Diógenes, veste um terno bem alinhado e tem um iPad na mão sempre ligado lhe atualizando de tudo.

— Esqueci de comunicar, cada andar possui um dormitório, para não ter falação dos médicos atrapalhando o descanso de outros, então só vá para lá se a intenção for dormir. — fiquei de acordo.

Seguimos para o elevador.

— Esse dormitório é dos 3 grupos que trabalham nesse andar, que são: neuro, cardio e ortopedia. — esclareceu — Possui um banheiro, armários e oito beliches.

— Nossa, deve ser grande! — sorrindo, disse que sim.

— Como é seu primeiro dia, tenho 4 cardiologistas no seu plantão, mas geralmente são três. — concordei — O térreo, 1° e 2° andar são do mesmo tamanho desse, quero dizer, imensos! Então cuidado para não se perder, Siga essas faixas na parede, está vendo! Às verdes te trazem para cá, as demais são de cada área, a sua é a preta.

— Entendi.

— Bom, as salas cirúrgicas você já conhece e se achar que devo comprar alguma máquina para facilitar sua vida não hesite em me pedir! Preso pela saúde dos pacientes e pela comodidade dos meus médicos. — tive que fazer uma força sobre-humana para não pular de alegria.

— Ok, obrigada. — sorri largamente — Queria fazer uma pergunta.

— A vontade!

— Três cardio por plantão, desejo saber se é rotativo os atendimentos? — disse que vai quem está disponível.

— Você fica com os casos mais graves, tenho ótimos cardiologistas, mas Lucca dominava tão bem seu setor que ninguém se sobrecarregava, muitas das vezes usava os métodos do Dionísio e criava as grandes rotativas tanto para residentes como para os médicos sob seus cuidados. Fique a vontade se quiser modificar algo.

— Entendi, só não quero ficar parada.

— Não ficará! Florença é linda, parece calma, no entanto, nas entrelinhas pegamos traumas bem caóticos, doutora, se prepara que ficará cansada. — concordei — Bom, esse é seu dormitório.

— Ótimo, vou trocar de roupa e visitar os pós-operatórios do Lucca, vi que… — fui interrompida por um corpo grande que bateu de frente com o meu ao sair da porta.

É o Dionísio, pois já vi fotos dele em vários artigos na internet. Fiquei sem ar quando seu corpo se ergueu, deixando óbvia sua figura mácula gigante. Estava prestes a me apresentar quando abriu sua boca e a arrogância tomou conta de tudo.

O que tem de bonito, tem igualmente de soberbo. Após seu showzinho de dar detalhes sobre minha péssima atitude no trânsito, deu as costas nos deixando sozinho.

— Sinto muito por isso, ele é assim 99,9% do dia, não é nada contido! — grunhiu a explicação — Dionísio sempre foi desse jeito, desde a faculdade.

— Tudo bem, não foi nada… — menti convincentemente.

Fiz uma breve oração em minha mente, pedindo a Deus muita paciência, porque se ele for um esnobe, só dificultará minha aproximação.

Respirei fundo e voltei minha atenção para o Lorenzo.

— Gosto muito dele, mas às vezes tenho vontade de chutar seu traseiro! — desabafou e se deu conta do que disse — Me perdoa, é que o Dr. Mattiazzo consegue me tirar do sério.

— Tudo bem. Bom, vou me arrumar.

Comuniquei entrando no quarto, ele concordou e bufando foi atrás do Dionísio

— Meu Deus, que esse homem mude suas atitudes ou terei que me humilhar para operar minha filha.

Contive minha frustração pela primeira péssima impressão e fui me preparar.

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