CAPÍTULO 01
— Oi. — cumprimentei minha amiga doidinha que é como uma irmã para mim.
Kalita me olha sorrindo. É um doce de pessoa e, geralmente, não se cala para ninguém. O que vive a colocando em encrenca. Mas ela não faz isso por maldade, e sim porque fala tudo que vem à cabeça, na maior naturalidade, e muitas vezes parece não se dar conta.
Percebo que, apesar do seu sorriso, ela está bem triste, pois sofre muito com a mãe que tem. Na verdade, nós duas passamos por maus bocados, infelizmente, há bastante tempo.
Acabei de pentear meus longos e lindos cabelos loiros. Adoro ver suas pontas perfeitas tocarem em minha cintura. Não pretendo cortá-los jamais, porque os amo. E, apesar do tamanho, são tão leves e soltos. Acho lindo como brilham e ressaltam muito mais sob a luz do dia.
— Já está pronta? — Kalita faz uma careta.
— Eu estou, amiga.
— Chama isso de pronta?
— Chamo, sua abusada.
— Eu, né? — perguntou com deboche.
Dou risada e me olho, verificando o jeans puído e colado ao meu corpo, a camiseta preta e meu par de tênis nos pés, ou seja, meus velhos e filhos únicos. É como minha amiga e eu costumamos chamar nossos calçados.
Desvio o olhar deles e reparo no meu pobre skate, o qual economizei muito para comprar. Segurando-o firmemente nas mãos, suspiro triste ao pensar no que estou passando novamente e na falta que minha mãe faz. Pergunto-me por que ela sempre some, e justo quando Jacques fica mais violento.
Olha para Kalita e pisco para não chorar. Ela logo me tira dos meus devaneios.
— E, aí? Seu padrasto tem enchido muito o saco?
— Nem me fale dele! — Suspiro.
De repente, eu me pergunto: que mal fiz para merecer um padrasto como esse na minha vida?
Limpo a garganta antes de falar. Na verdade, quero gritar e chorar, mas me contenho. Sempre me contenho.
— Amiga, prefiro não falar do assunto... — Calo-me e pigarreio, evitando o pranto que de nada adiantaria.
— Ele anda te batendo, né? — Arqueia uma sobrancelha. É o mesmo que me mandar contar logo.
— E como! Para piorar, minha mãe fugiu outra vez. E sou eu quem me ferro nessa merda toda. — Respiro fundo, lembrando-me do dia que ela se foi.
Minha mente voa até minha tristeza, recordando-me da conversa que tive com ela. Ou melhor, a conversa que tentei ter.
* * *
— Filha, quero que me prometa que vai se cuidar.
— Mãe, você vai embora outra vez?
— Tente entender...
— Entender que sempre que ele fica mais violento, a senhora foge e me deixa à mercê de um homem brutal? Que vai sei lá para onde enquanto eu me ferro?
— Perdão, filha!
Sempre tenho a impressão de que ela me esconde algo, mas nunca pergunto.
— Não peça perdão, mãe! Apenas fique!
— Não consigo.
— Mas consegue me deixar para trás.
— Filha, não tenho como te levar junto.
— Junto para onde?
— Por que pergunta tanto? Apenas não tenho a sua coragem. Você é tão mais forte do que eu.
— Não sou corajosa como pensa. Mas, de uma coisa tenho certeza: nunca vou abandonar uma filha ou filho, seja lá o que eu tiver.
— Ainda é muito jovem. Vai ter filhos daqui a uns dez anos ou mais. Aí vai me entender.
— Não. Eu não vou.
* * *