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Capítulo 3

— Amor da minha vida — murmuro, tirando Joaquim semiadormecido do sofá. – Eu senti tantas saudades.

— Você demorou muito hoje – ele balbucia, sonolento.

—  Eu sei — eu me viro para minha vizinha com um sorriso, ao mesmo tempo em que ela segura a porta da frente aberta para nós dois passarmos. —   Obrigada, Zola. Você é maravilhosa. Peço desculpas por qualquer incômodo.

— Não tem problema, Vitória. Joaquim foi um amorzinho como sempre. Não é nenhum incômodo.

Quando entramos no pequeno apartamento alugado de dois quartos, no subúrbio do Rio de Janeiro, Joaquim se mexe em meus braços e torna a reclamar da minha demora em chegar em casa essa noite.

— Eu sinto muito, Quim. A tia Zola cuidou bem de você?

— Sim.

— Então eu fico mais sossegada.

Ele levanta os olhos para mim. Está totalmente desperto agora.

— Iuri e eu brincamos com o play station novo dele.

— Isso é ótimo — eu olho para a carinha triste do meu filho e o meu coração se parte na mesma hora. — Você queria um também, não é?

—  O que?

— Um play station.

— Não seja boba, mamãe. Sei que não podemos comprar uma coisa cara assim.

— Não agora — eu digo, convicta. —  Mas algum dia, nós vamos poder.

— Você acha?

— Tenho certeza.

— Quando o papai voltar?

Eu engasgo.

Não é a primeira vez que Joaquim fala no pai, mas aquilo sempre me pega de surpresa.

Entro com ele no quarto pintado com as cores da savana e deito o meu filho na cama, ajeitando seu corpinho sob o cobertor.

Joaquim é um pouco pequeno para a idade. Isso, talvez, pelo fato de ter nascido prematuro. Foi uma gestação difícil, tumultuada. Passei a maior parte do tempo trancada em um hotel na Itália, que paguei com as joias e a maior parte das roupas que Theo fez os empregados colocarem nas malas.

Além disso, eu me sentia em constante perigo. Incerta sobre o que ele faria se chegasse a descobrir que eu estava grávida do seu segundo filho.

Fora isso, a saudade de Heitor me dilacerava.

— Acho que está na hora de você dormir – aperto o nariz de Joaquim e dou um beijo na sua testa. — Boa noite, rapazinho.

— Eu já tenho cinco anos, mamãe.

— Você não quer mais beijinhos? — eu me preocupo.

—  Estou falando do meu pai. Está na hora e você me contar alguma coisa sobre ele — ele me olha angustiado. — Qualquer coisa. Por favor.

Droga.

Está ficando cada vez mais difícil.

À medida que ele cresce e vai observando as relações familiares a sua volta, as perguntas vão se tornando mais frequentes.

Mas, sinceramente, o que eu posso responder?

“Seu pai é um mafioso filho da puta que nos expulsou da sua vida. Ah... e você tem um irmão mais velho que eu nunca mais pude ver”.

Eu engulo o nó na garganta e me sento na beira da cama, acariciando o seu cabelo escuro.

Joaquim não puxou nada a mim. Ele é o retrato fiel de Don Tremesso. Olhos castanho claros e cabelos da cor do ébano. Uma pele dourada que parece ter pegado só o suficiente de sol para parecer saudável. E um sorriso capaz de derreter geleiras... quando sorri. Assim como o pai, ele guarda suas covinhas para momentos especiais.

—  Você é um bom garoto. Sabe disso, não é?

Ele balança a cabeça, concordando.

—  Seu pai amaria você se o conhecesse.

—   Verdade? — os olhos dele se acendem.

—   Com certeza — abro um meio sorriso, a voz embargada. —  Ele ficaria louco. Mataria qualquer um que ousasse tocar num fio do seu cabelo.

Joaquim me olha com espanto.

—   Credo, mamãe. Por que você falou em matar? Matar é uma palavra feia.

Eu pisco várias vezes.

Como é?

—   Onde você aprendeu isso?

—   Na escola. Com a professora.

Fecho os olhos por um momento.

Os anos ao lado de Theo não me fizeram nada bem. Agora eu tenho certeza de que tirar Joaquim da sua presença foi um ato de salvação.

Desvio o foco dos seus pequenos olhos interrogadores e me levanto da cama, inclinada para acender a luz do abajur sobre o criado mudo.

—  Bom, a sua professora está certa e a sua mãe, errada. Eu fico feliz que esteja aprendendo bem as suas lições —   suspiro. — Boa noite, querido.

—  Boa noite, mamãe.

Joaquim fecha os olhos e puxa a coberta para cima, enquanto eu deixo o quarto em silêncio com uma sensação de alívio.

Por hoje eu consegui me safar.

Por hoje.

 

***

 

Eu me levanto da cama, às três da manhã em ponto, e vou até a cozinha beber um copo de água.

Tive um pesadelo terrível, de gelar os ossos.

Mesmo sem querer invocar os demônios, acabo revivendo os detalhes, enquanto encosto o copo de vidro gelado contra a testa e as maçãs do rosto.

Sonhei que Theo e Joaquim se conheciam. Os dois se encontravam por acaso em uma lanchonete aqui no Rio de Janeiro. Theo estava muito bem-vestido como sempre. Sexy como o diabo em um terno cinza e gravata combinando.

Eu estava deixando o caixa com Joaquim e Theo se aproximou, com a carteira na mão.

Quando os olhos dos dois se encontraram, meu coração parou de bater. Foi como uma fenda no tempo. O presente deixou de existir e eu fui lançada de volta ao passado, ao momento em que Theo e eu rompemos.

Só que, dessa vez, ele nem olhou nos meus olhos. Bastou ver Joaquim e algo dentro dele cresceu, se avolumou, a ponto de estourar. Pude ver o brilho do reconhecimento nos seus olhos. E nos olhos do Quim.

Assisti, paralisada e em silêncio, enquanto Joaquim corria para os braços do pai, se jogando contra ele como se todo o mundo ao redor tivesse deixado de existir e agora, fossem só eles dois.

Acordei suando e ofegante.

E agora estou com medo de dormir de novo.

O que está acontecendo comigo? Será TPM ou estou virando mesmo uma chorona?

Por isso, faço a coisa mais estúpida, idiota e precipitada a qual poderia fazer.

Eu pego o telefone e ligo para ela.

—  Alessandra?

—  Vitória? — há um silêncio tão longo do outro lado da linha que eu considero que ela possa ter desligado. Ou infartado. — Vitória, é você mesmo? Puta que pariu, eu não acredito que é você, sua safada!

Um pequeno sorriso toma conta dos meus lábios.

Sei que estou chamando encrenca e que provavelmente vá me arrepender pela manhã. Mas aquele sonho... ninguém mais além de Alessandra Tremesso vai poder acalmar o meu coração essa noite.

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