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Capítulo 2

5 ANOS DEPOIS

 

"ATUALMENTE"

 

     — Vitória?

Fecho os olhos e gemo, com vontade de morrer.

Por trás da minha mesa de trabalho, fico torcendo para o chão se abrir e me engolir, o que infelizmente não acontece.

Então ergo o rosto e o homem sorri para mim, de um jeito galante. Está usando um terno azul marinho que nem de longe lembra a elegância dos ternos que eu conheci um dia. Os cabelos penteados para trás com gel em excesso e um bigode finíssimo com a barba muito bem desenhada.

Bem demais.

Há quase seis anos estou morando no Brasil. Quando descobri que estava grávida de Joaquim, não consegui pensar em outra solução além de deixar a Itália e voltar para o meu país de origem. Infelizmente, não tenho família por aqui. Minha mãe morreu há muitos anos e o meu pai... bem, esse eu nunca conheci.

Como fiquei órfã aos onze anos e não tinha parentes vivos conhecidos, fui enviada a um orfanato e depois passei para o serviço de adoção. Foi uma senhora italiana vivendo no Brasil quem me recebeu na sua casa e cuidou de mim. Quando ela voltou para a sua terra mãe, me levou junto com ela.

Aprendi a amar a Sicília como se fosse minha própria cidade natal. Vivi os melhores anos da minha vida lá. Não éramos ricos, não tínhamos luxo, mas nunca me faltou oportunidades. Terminei a escola, cursei um secretariado e logo consegui um emprego. Quando minha mãe adotiva morreu, eu já não era mais uma criança desamparada.

Até que pouco tempo depois... o destino me colocou frente a frente com o homem que viria a trocar alianças comigo.

Engulo em seco, afastando aquelas lembranças e voltando a me concentrar no meu presente. Não queria me lembrar de Theo, muito menos de tudo o que ele me fazia sentir naquela época. Cinco anos não tinha sido tempo suficiente para apagar a memória do seu cheiro do seu toque ou mesmo o seu gosto.

No entanto, eu havia me afastado — ao seu comando — e precisava continuar lidando com isso. E apesar de Theodoro ter jurado que não queria nada além da minha distância, eu tinha as minhas dúvidas quanto ao que ele seria capaz de fazer caso descobrisse que eu havia deixado a Itália levando um filho seu.

No mínimo, arrancaria Joaquim de mim.

Assim como havia feito com Heitor.

Só de pensar nisso, a minha espinha gelava.

O homem se aproxima e espalma as mãos sobre a minha mesa com um sorriso atrevido.

— Alberto — murmuro com desgosto. — Seu pai não me avisou que você viria hoje.

— Eu pedi a ele que não dissesse nada.

— E por quê?

— Porque assim fica mais difícil para você encontrar uma desculpa e recusar o meu convite para jantar — ele dá uma piscadinha. — De novo.

Trinco os dentes, com vontade de mandar ele a merda.

Há pelo um ano estou nesse jogo de gato e rato com Alberto. Mais ou menos o mesmo tempo que tenho como secretária do seu pai, o Sr Armando Torres, um advogado de fama questionável aqui no Rio de Janeiro.

Costumam chamá-lo de "porta de cadeia" porque, em geral, seus clientes são marginais estúpidos que cometeram pequenos delitos.

Alberto também é advogado, mas só trabalha em alguns casos por exigência do pai. A maior parte do tempo, ele prefere gastar o dinheiro que tem com bebidas, noitadas e mulheres. É adepto das casas de swing. E como não é rico, está sempre endividado, o que eu acho muito bem feito.

Gente como Alberto Torres me enoja. Estão sempre tentando se dar bem sem precisar fazer esforço.

Eu não sairia com ele nem que o papa em pessoa me pedisse.

— Sinto muito, Alberto.

— Nada disso, sem desculpas dessa vez, Vitória. Você já me deu desculpas por tempo demais.

— Mas é verdade, eu estou muito cansada. Hoje, foi um dia complicado — suspiro, passando as mãos pelo rosto, os cotovelos apoiados sobre a mesa e os olhos grudados no computador velho, com tecnologia ultrapassada. Armando Torres é um velho muquirana ou talvez esteja só guardando para as despesas do filho. — Estou atolada em papelada até muito depois do meu horário. Além do mais, eu não teria com quem deixar o meu filho...

— Você pode pedir uma babá. Todo mundo faz isso, hoje em dia, sabia?

Eu levanto os olhos para ele, chateada.

— Joaquim ainda é muito pequeno. Eu não me sinto segura em deixá-lo com estranhos.

— Ele já tem cinco anos, Vitória! Pelo amor de Deus. Além disso, ele fica com estranhos o dia todo.

— Na escola.

— Seu filho não é mais um bebê. Você precisa deixá-lo crescer para o mundo — ele palpita de modo presunçoso. —  Vamos lá, eu posso te ajudar a conseguir uma babá. Venha se divertir comigo essa noite. garanto que você não vai se arrepender.

— Eu já disse que não, mas agradeço a generosidade — tento não soar tão irônica quanto me sinto. —

Eu prefiro cuidar do meu filho pessoalmente. Joaquim é muito especial.

Alberto me olha, desconfiado.

— Ele tem algum problema mental?

Eu pisco várias vezes, mortificada.

Não acredito que ele acabou de dizer isso.

Que grande filho da puta.

— Meu filho não tem nenhum problema mental — "Você é que tem", tenho vontade de acrescentar, mas mordo a minha língua. 

— Então é só mimo mesmo — ele emite um suspiro de alívio exagerado e ajeita a gravata vermelha de mau gosto. — Desconfiei que como mãe solteira, você tivesse enchido mesmo ele de paparicos. Tem que ter cuidado para ele não virar menininha, hein.

Suas palavras "mãe solteira" não me passam desapercebidas. Nem todas as outras grosserias sobre mim e o meu filho.

Ou o tom malicioso delas.

Não acredito que, em pleno século vinte e um, preciso dar explicações dos meus atos para gente como Alberto Torres.

Aliás, não preciso.

E nem vou.

— Pois é — sorrio, malcriada. — Como mãe, eu acho que tenho o direito de criar o meu filho do jeito que eu quiser.

— Claro que sim. Mas na idade dele, nunca te ocorreu que ele precisasse de um pulso mais firme? Um homem para conduzir as coisas?

— Sinceramente, Alberto? Nunca. Eu prefiro que sejamos só ele e eu, a envolver um idiota qualquer nas nossas vidas e estragar o que está perfeito.

O sorrisinho prepotente desparece do seu rosto.

Alberto engasga e fica todo vermelho.

Bem feito. Some, encosto!

— Tudo bem, Vitória. Não precisa ser assim tão grosseira. Eu te fiz um convite gentil, bastava dizer que não e pronto.

Eu ouvi direito?

Estou quase me levantando de trás da minha mesa e colocando o babaca para correr com as minhas próprias mãos. Mas quando lembro que o otário em questão é o filho do meu patrão, e que dependo daquele emprego como as plantinhas dependem do sol para fazer a fotossíntese, acabo mudando de ideia.

Não sou obrigada a me submeter às cantadas baratas de Alberto, mas também não posso tratá-lo do jeitinho que ele merece.

O que é uma pena.

Ele segue para a sala que divide com o pai e eu volto a trabalhar na papelada que preciso colocar em dia até o final da noite.

Sobre uma coisa eu não menti. Ontem Joaquim esteve doente e precisei faltar ao trabalho, o que me deixou sobrecarregada hoje. E o pior, tenho que terminar o mais rápido possível porque Zola, a minha vizinha, que é um amor, só pode olhar Joaquim até as nove, que é quando o marido chega do trabalho.

Minha vida é uma correria.

Com Joaquim, eu preciso me desdobrar entre os papéis de mãe solo e secretária, e nunca me sobra tempo para qualquer outra coisa.

Mesmo assim...

Tudo o que eu queria era poder somar mais um a essa conta.

Não me importaria de tornar essa matemática ainda mais complicada se, um dia, eu tivesse a chance de ter meu Heitor nos braços de novo.

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