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CAPÍTULO 1

|KAYRA|

A sensação do poderoso vento forte batendo rebeldemente, como se tivesse vida própria, contra minha pele aumenta potencialmente a adrenalina em meu sistema nervoso, fazendo com que meu coração acelere absurdamente e brote em mim o desejo louco de voar como um pássaro livre, leve e solto.

O velocímetro da máquina mortal não para, pelo contrário, está disparado feito um cata-vento girando loucamente diante dos meus olhos, e o som alto do motor que provoca um ruído incrivelmente arrepiante em meus fios de cabelo, me faz vibrar emocionada como nunca.

Viva a vida! Eu não apenas existo nesse planeta tão cansativo e às vezes monótono... Eu vivo o máximo que a vida me permite! Vou ao extremo sem medo, com coragem, com sede e garra! Eu vivo plenamente sem ter medo do amanhã! Atinjo o limite do ilimitável.

Eu sou Kayra Pextton, uma mulher que cresceu aprendendo que todo dia pode ser o último da minha vida. Por essa razão eu não me prendo a normas ou convenções sociais caretas e antiquadas que tentam amarrar as mãos e os pés das pessoas que vivem em uma sociedade de mente fechada. Eu apenas ignoro a dor, a repreensão, e o pudor que desejam impor sobre mim sem o meu consentimento, sem levar em consideração o que penso ou o que sinto.

Cansei de me sentir oprimida, enclausurada e cegamente obediente ao que as pessoas ditavam ao meu respeito e esperavam acerca de mim. Um dia me rebelei, soltei os cabelos ao vento e a minha voz para quem quisesse ouvir, deixando de lado os dedos de acusação e o julgamento dos indivíduos que sequer me conheciam de verdade.

Eu fui apenas eu mesma uma vez na vida e adorei a sensação que isso trouxe em algum lugar importante dentro de mim. Então nunca mais voltei a ser Kayra insípida e sem cor que um dia fui no passado. Agora eu sou eu, alegre, falante, despojada e que realiza os desejos do próprio coração no mesmo instante, sem titubear ou ficar ponderando como a velha Kay fazia.

Infelizmente sou a única testemunha que sobrou, a prova viva e o chamado de "inacreditável milagre" que sobreviveu ao terrível acidente de carro que matou toda a minha família, meus pais e minha irmãzinha caçula Kath, em uma viagem de volta da nossa casa nas montanhas para a cidade.

Não me restou mais ninguém desde então.

Nenhum outro familiar vivo para compartilhar meus melhores e piores momentos durante os dias seguintes. Ninguém para abraçar, beijar, cheirar ou brigar pelo último cookie de amendoim com gotas de chocolate que sobrou no pote artesanal da vovó, que já havia falecido há muitos anos antes.

Nós nunca pudemos viver plenamente tudo o que queríamos. Minha família e eu. Sempre surgia algo, algum compromisso que atrapalhasse os nossos planos de passar mais tempo juntos. Uma hora era o trabalho de papai, na outra era a instituição de caridade para pessoas sem teto em que mamãe era voluntária, ou alguma feirinha no colégio de Katherine.

E também para não me excluir da extensa lista de culpados nessa história, minha faculdade por muitas vezes roubou diversas oportunidades de nos reunirmos. Mas na época eu estava prestes a me formar em medicina, com honras, a melhor da turma, enquanto me revezava em horas e mais horas de estágio, então tudo se tornava justificável para todos que conhecia a brilhante Kayra Pextton, a menina estudiosa que em pouco tempo se tornaria uma excelente médica, a melhor cirurgiã cardíaca de toda a Bullut. Pacientes viriam de longe, de outros países para se consultarem comigo, é o que diziam ao meu respeito e se gabavam.

Então o tempo passou como um simples piscar de olhos, voou entre meio os meus dedos. Eu me formei é claro, depois levei mais alguns anos para me especializar em minha área de atuação, mas também perdi tudo com esses anos que jamais vão voltar. Minha família se foi no acidente, eu não os tenho mais a minha volta, a minha espera em casa, quando chego exausta e faminta, desejando comer a deliciosa torta de maçã que mamãe sempre fez de sobremesa para depois do jantar, ao som das risadas de Kath e papai discutindo alguma bobagem sem sentido.

Nós não vivemos e não vamos poder viver mais nada disso. Brincar mais, viajar por longos dias no nosso velho carro problemático e beberrão, nem debater sobre quem é o mais chato entre todos nós. Não há mais chances, nem lugar para arrependimento pelo que jamais poderá acontecer. Eles morreram. Não existem mais em nenhum lugar a não ser nas fotos de recordação, em minha memória e também no coração.

Agora há somente eu. Kayra Pextton. Sozinha no mundo. A minha própria família composta de uma só pessoa, que não deseja perder um segundo sequer com besteiras, estigmas ou julgamentos. Que tem sede de viver a vida intensamente. Sem reservas.

Por isso eu não paro. Continuo firme, em frente, decidida e livre. Eu acelero o motor e piso fundo no acelerador para levantar poeira na estrada. O asfalto é meu amigo e nunca me decepciona, está sempre lá comigo, servindo como um extenso tapete negro, uma passarela quente e agitada que se estende para a vida por onde eu passo com gosto e velocidade.

Ninguém tem o direito de deter alguém que é louco pela vida. E eu sou. Duplamente louca por tudo o que me faz estremecer de ansiedade, gritar de emoção e chorar de euforia. Eu desafio o destino, ouso viver aquilo que meu coração deseja sem receio.

Minha mente está viajando longe nesse momento, porém pouco a pouco vai voltando a si, retornando ao presente e as responsabilidades que ainda possuo, e que não desprezo. Afinal de contas a vida dos meus pacientes dependem das minhas habilidosas mãos mágicas como muitos dos meus colegas de profissão gostam de brincar. Não irei bancar a falsa modesta e rejeitar os elogios que recebo diariamente, pois tenho consciência da excelente profissional que sou, e do exímio trabalho que realizo com muito amor e dedicação.

-Eu amo isso!

Digo com o peito estufado após descer da moto, a minha amada companheira de viagem, no estacionamento do hospital em que trabalho, e retiro o capacete soltando os cabelos do coque que tinha feito antes de embarcar no veículo para vir trabalhar.

-É, mas parece que não tem amor a própria vida ao subir nesse monstro.

Uma voz diz em tom de recriminação as minhas costas, e eu rio achando graça.

Eu não tenho medo de correr riscos pois essa é a beleza da vida! É o que penso comigo mesma e sigo adiante sem me importar com tal comentário.

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