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Capítulo 08

Betina

Quarenta dias haviam se passado. O almoço com Cristian e Robert foi um completo desastre. Eu deveria ficar aliviada por cortar relações com a família Servantes, inclusive com o Cristian, no entanto uma angústia me dominou nos dias seguintes.

Minha ansiedade me fazia comer em dobro e eu só não estava devorando tudo o que via pela frente porque me sentia nauseada. Tudo isso me mostrou como minhas fraquezas emocionais influenciavam na minha saúde física.

Quando eu estava começando a me animar para a vida novamente fui transar com o Cristian. Justamente com ele! Eu gritei que ele era horrível, mas a verdade é que tinha sido muito competente. Nos últimos dias eu era invadida por pensamentos inoportunos; desejando experimentá-lo outra vez...

— Ah Betina, você precisa acordar para a vida!

Me convenci de que eu havia negligenciado demais a oportunidade que meu pai me deu no passado, de trabalhar com ele no Banco Rupert. Eu gostei de lidar com os clientes especiais, pois apesar de não dominar tão bem assuntos financeiros, sempre me dei muito bem com as pessoas e sabia usar a simpatia a meu favor.

Desde o noivado com Robert Servantes, fiquei convencida de que era uma perda de tempo trabalhar no Banco, aliás, meus pais enxergavam meu irmão Guilhermo como o provável sucessor dos negócios e não eu, a filha mais velha. Na ocasião esse preconceito comigo foi abafado por toda a minha animação com o possível matrimônio, mas agora eu poderia provar o meu valor.

Que horas eram?

Sete da manhã. Tempo suficiente para eu me arrumar e ir ao Banco, eu iria voltar à função que meu pai me ofereceu. Eu não deveria ter saído nunca, mesmo que me casasse, uma mulher precisa ter algo conquistado por si mesma e só agora eu entendia isso. Infelizmente, algumas pessoas precisam apanhar para aprender.

Desci as escadas para o hall e minha mãe logo percebeu meu traje social, que eu havia usado apenas para trabalhar. Ela se aproximou, com uma xícara de chá na mão, algo que ela adorava, e não pretendia me deixar partir sem um interrogatório.

— Você fica bem nesse terninho. A que se deve? Nem tomou café da manhã e já está saindo.

— Vou trabalhar, voltar ao banco.

Minha mãe arregalou os olhos como se aquela fosse a coisa mais louca que eu poderia dizer. Ela nunca fez questão de trabalhar e era adepta ao estilo de vida despreocupado que meu pai lhe proporciona. Eu nem conseguia imaginar como era a vida dela antes de ser rica. Teria andado de ônibus? Tomado refrigerante em copo descartável? Viajado de excursão? Sorri de canto.

— Bêh, querida, seu pai já foi trabalhar. Saiu muito cedo. Deixe isso para depois.

— É uma pena que ele já foi — Lamentei. — Apesar disso, eu estou determinada a ir. Me deseje boa sorte, mãe.

— Boa sorte, filha… Vai precisar — Ela disse e saiu andando, antes que eu tivesse a chance de perguntar o que sua fala significava.

Cheguei no Banco Rupert e logo a recepcionista, uma senhora idosa, me reconheceu. Eu a vi pegando o telefone, com certeza avisando de minha chegada ao chefe, que no caso, era meu pai.

Passei tranquilamente pela segurança e rumei até o elevador indo parar no último andar onde ficava a presidência. Meu pai já estava me aguardando e me recebeu com um abraço.

— O que faz aqui, querida?

— Vim trabalhar.

— Venha, vamos conversar aqui dentro. — Ele me conduziu até a sua sala e me apontou para a poltrona super confortável que disponibiliza para suas visitas.

— Faz tempo que você não vem aqui, Betina. Alguns meses, para falar a verdade…

— Sim. Eu não deveria ter parado de vir, mas depois de refletir sobre toda a minha vida, entendi que já estava na hora de voltar.

— Pois é querida, mas a sua vaga já foi preenchida. Achei que não voltaria mais a trabalhar comigo e contratei um rapaz.

— Eu sou sua filha! Devo ter alguma preferência, não é?

— Então, minha menina, o Mauro tem ido muito bem no trato dos clientes especiais.

— Mas e eu? Tenho certeza de que há alguma coisa que eu possa fazer aqui no banco com o senhor!

— Querida! — Meu pai veio e me apertou a bochecha, como ele gostava de fazer — Você sabe que não precisa trabalhar. Pode ajudar sua mãe, ela tem planejado um evento de caridade para ajudar o orfanato das freiras. Estefânia vai ficar maravilhada se você se oferecer para ajudar.

— Eu quero trabalhar, pai. Receber um salário por mérito próprio. O senhor disse que eu estava indo bem aqui...

— Não podia te desanimar, né? — Ele disse espontaneamente e logo percebeu a gafe. — Você foi muito bem sim, neném, mas percebo que sua vocação não é essa.

Eu esperava tantas coisas para aquele dia, mas meu pai se recusando a me deixar trabalhar com ele, isso eu não tinha imaginado. Senti vontade de chorar. Que ódio! Ultimamente eu estava tão sentimental, não conseguia segurar as lágrimas.

— Ei? Por que não faz uma viagem? Você sempre gostou de moda, pode ir para a França.

— Eu queria estudar moda, é bem diferente de ir viajar...

— Milhares de garotas desejariam um pai disposto a bancar uma viagem à Europa. Você reclama de barriga cheia. — Valdeci começou a perder a paciência comigo. — O que você quer de mim?

— O emprego.

— Além do emprego.

— Eu quero estudar — Respondi. Minha paciência também estava se esvaindo. — Eu sempre quis, mas vocês entupiram minha cabeça com aquela ideia de casar, não me influenciaram a estudar e...

— Não, pare lá. — Me interrompeu com autoridade e eu cessei de falar — Se você tivesse me dito com todas as letras que queria ir para a universidade ao invés de se casar aos vinte e dois anos, eu teria ajudado. Eu nem entrei no mérito mesmo, pois a cada dez palavras que você falava, cinco eram “casamento”.

— O senhor não está sendo justo...

— Sua amiga Ana Clara é pobre e isso não a impediu de seguir seus sonhos. Está numa universidade pública fazendo engenharia! Qual o esforço que você tem feito, neném?

— Eu vim aqui trabalhar com o senhor...

— E abandonou o trabalho assim que ficou noiva. Você acha que uma pessoa responsável, que quer provar seu valor e crescer no banco, iria embora daquela vaga que eu te dei? Até assistente você tinha!

— Pai...

— Qual a dificuldade que você já teve na vida? Tudo que você quer você tem, não te faltou nada para que seguisse no rumo que bem entendesse! Então não jogue nos meus ombros, ou nos da sua mãe, a responsabilidade pelos seus fracassos.

Aquelas palavras entraram como lâminas no meu coração e logo eu estava me desfazendo em lágrimas. Se fosse minha mãe falando aquilo eu a responderia, seria petulante, no entanto, era meu admirado pai jogando um monte de verdades dolorosas no meu rosto. Eu não estava preparada para aquilo. Meu estômago revirou e só tive tempo de me curvar sobre a lixeira mais próxima e vomitar até as tripas.

— Você está bem? — Valdeci ficou evidentemente preocupado.

— É só minha ansiedade dando as caras — Respondi baixinho.

— Olha, sinto muito se fui duro com você. — Ele respirou profundamente — Vou pensar em algo para você aqui na empresa — Disse ele, cedendo. — Apenas pare de chorar, neném. Não leve a mal o que vou te falar agora, mas talvez você precise ir a uma psiquiatra, acho que precisa de ajuda para lidar com essas coisas.

Eu apenas concordei com a cabeça e sai miudinha do Banco Rupert. Toda a minha pose de mulher de negócios foi por água abaixo e apesar das últimas palavras de consolo de meu pai, senti que meu espírito foi pisado com os dois pés.

Mandei uma mensagem para a médica que meu pai recomendou. Eu odiava tomar remédio para ansiedade, mas eu realmente não estava conseguindo controlar os sintomas só com a minha força de vontade. Talvez precisasse de uma medicação, pelo menos por um breve período.

Não demorou muito para receber o “ok” da secretária da Dra. Takeda. Bastou dizer que era filha de Valdeci Santoro para conseguirem um lugar na sua agenda. Eu, que nem havia voltado para casa, fui direto para a clínica, dirigindo o meu pequeno Mini Cooper prata, que eu tanto amava.

Então lá estava eu, sentada na poltrona enorme da psiquiatria, uma oriental pequena de cabelos curtos, enquanto respondia uma série de perguntas sobre minha crise de ansiedade.

— Já tem vários dias desde a sua última menstruação — Ela comentou, observando a data que lhe informei. — É um atraso significativo.

— Não é a primeira vez que fico um ciclo sem menstruar — Expliquei. — Na verdade, minha menstruação é bem desregulada.

— A queimação no estômago, a compulsão por comida que você falou, são sintomas de ansiedade? Sim, eles são. No entanto, não posso te dar um remédio sem que antes você faça um teste de gravidez por causa do seu atraso menstrual.

— Sério? — Bufei longamente.

— Toma. — A Dra. Takeda me entregou uma pequena caixinha com um teste de gravidez — Ao lado da recepção tem um banheiro. Faça o teste e volte aqui, certo? Se der negativo te faço a receita da medicação. Sabe como fazer, certo?

Eu assenti com a cabeça enquanto saía da sala. Minhas faces estavam vermelhas, como se as pessoas sentadas na recepção soubessem o que eu ia fazer no banheiro. Não sei porquê aquilo era tão constrangedor.

Enquanto abria o lacre do teste eu me lembrava que tinha tomado anticoncepcional enquanto estava noiva do Robert, pois tive a esperança de que “algo” entre nós ia rolar. Quanta ingenuidade a minha! O que ele disse mesmo? “Te considero uma irmã.” Há! Que mulher quer ser vista como irmã, pelo homem que ama? Então parei o anticoncepcional e minha menstruação voltou a ficar desregulada, como antes.

Claro que havia existido aquele dia com Cristian... mas seria azar demais, não é? Tem mulheres que ficam anos tentando engravidar e eu teria a honra de na única vez que fiquei com um homem estar grávida? Acho que o Universo não brincaria desse jeito comigo.

Era só uma crise de ansiedade. Já tinha acontecido antes...

Então fiz o xixi na caneta e não precisei esperar muito para o resultado ficar pronto. Voltei para a sala da Dra. Takeda com o coração na mão:

— Doutora, me diga que dois pauzinhos no teste é negativo…

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