2- Você quer uma múmia?
—Aysha.
— Não acredito que colocou esse vestido! —Ela lamenta. — Seu noivo não é tradicionalista. Não precisava se vestir desse jeito. Zair não pode vê-la desse jeito...
— E por que não? — Eu retruco, seca. — Vou me casar com ele independente de ser bonita ou não.
—Por que está dificultando as coisas? — Mamãe pergunta, alisando nervosamente seu elegante vestido azul marinho e branco. Ela se parece com Jacqueline Onassis. Sempre linda, impecável.
— Onde está meu noivo, afinal?
— Na biblioteca, com seu pai. Ele está discutindo os preparativos para o seu casamento.
—Não sei como ele pôde aceitar uma coisa dessas? Se casar sem ao menos me conhecer.
—Ele segue o costume de seu país. Isso é natural.
Eu estremeço. Eu nem conheço direito Zair e os detalhes do nosso casamento já estão sendo acertados.
— Um costume horrível! — Eu protesto. —E se eu não gostar dele?
Ela sorri.
—É mais fácil ele não gostar de você do que ao contrário. E você verá que eu tenho razão.
Eu estremeço com as palavras dela.
—E se acontecer? E se ele não gostar de mim?
—Se ele não... gostar de você? —Ela se atrapalha. —Você acha que se divorciar é fácil assim? Que ele não te escute dizer uma coisa dessas. Ele é um homem íntegro. Se ele te assumir, ele apostará nessa relação. A estatística de divórcios em casamentos arranjados é extremamente baixa.
—Claro, as mulheres são submissas ao ponto de não expor suas opiniões.
—O que está tentando dizer? Que irá remar contra nesse casamento?
Eu meneio a cabeça.
—Não. Claro que não.
Ela segura as minhas mãos.
— Ebna(filha). Você está nervosa, isso é perfeitamente natural.
—Sim, ainda bem que reconhece. Uma situação assim, quem não ficaria?
—Saiba que está cheio de garotas que gostaria de estar no seu lugar. Está cheio de histórias de garotas que procuram árabes na internet. E sabe por quê? Porque eles valorizam a família, o amor e são extremamente românticos. Veja seu pai, por exemplo.
—O amor?
—Filha, isso surgirá com o tempo. Amor é diferente de paixão. Ele é um sentimento que cresce aos poucos no coração. E quando você tiver um bebê, verá que ser mãe é algo divino.
A perspectiva do futuro longe de todos, num país que eu só ouvia falar fez meu sangue esvair de minhas faces. A ideia de ser usada para gerar um sucessor ao reino é odiosa.
Eu a encaro por um momento.
—Tão divino que está louca para se livrar de mim.
Minha mãe me olha sem ação, mas antes que ela fale algo a porta da biblioteca se abre e um homem usando um Kandoora branco sai por ela. Allah! Imediatamente eu me sinto abalada por sua figura majestosa.
Ou nocauteada?
Ele é lindo. Tão lindo, que eu me começo a me sentir horrorosa com esse vestido que eu escolhi e por isso, insegura.
Droga!
Sinto um arrepio na espinha quando seus olhos negros passam por minha figura parada ali. Ele tem os cabelos bem negros, penteados para trás, sem um fio fora do lugar. Maravilhosamente charmoso.
Sim, ele é um dos homens mais bonitos que eu já vi.
Zair caminha com a graça de uma pantera negra na minha direção. Ele parece ser muito seguro de si. Eu me senti quente por dentro.
Impressionada.
A cada passo que ele dá, ele parece mais alto.
Meu pai me disse que ele domina bem o inglês, que eu praticaria meu árabe apenas quando morasse em Catar.
—Salaam Aleikum. (A paz) —Ele diz cordato, seus olhos frios como gelo e penetrantes como um raio x.
—As-Salamu Alaikum (A paz) —Respondo ao seu cumprimento.
Meu pai surge ao lado dele.
—Não é linda minha Aysha?
Ele passa os olhos pelo meu rosto como se tivesse comprando algo.
—Muito.
Meu pai, tosse, constrangido.
—Bem, eu e minha esposa deixaremos vocês um pouco à sós.
Eu vejo meu pai se afastar arrastando minha mãe em direção à cozinha.
Os olhos penetrantes de Zair passam ligeiramente por mim e a impressão que tenho é que minhas pernas estão presas a duas bolas de chumbo.
—Então, você é Aysha Bar Jair...
—Sim.
— Vamos nos sentar? — Eu o convido, ousadamente, mostrando o sofá de três lugares.
Zair não diz nada, age. Caminha até lá e se senta majestoso e espera eu me sentar. Arrogância típica do homem árabe. Movo meus cabelos para trás antes de, relutantemente, me sentar ao seu lado. Com a proximidade sinto seu perfume caro, maravilhoso. Com certeza exclusivo, de algum perfumista do oriente.
Uma parte traiçoeira de mim, está encantada com ele. Zair é bonito demais. Assim, de perto, ele é de tirar o fôlego. Seus traços são aristocráticos. As sobrancelhas perfeitas. Tão perfeitas que começo a me perguntar se ele retira os pelinhos indesejados delas. A barba bem aparada sob a pele dourada.
Um charme.
Os olhos negros são sombreados por longos cílios. Mas são tão frios para mim que o sentimento que tenho que estamos prestes a fazer uma proposta comercial e não um pedido de casamento.
É como se, quando tudo estivesse acertado, apertaríamos as mãos um do outro, ao invés de trocarmos beijos.
Não haverá cenários românticos, jantar à luz de velas, nem amor. Eu nem mesmo o conheço direito. Isso é contra tudo que um dia sonhei para mim em termos de romance. Muito frustrante.
—Seu pai conversou com você? —Ele diz com um sotaque carregado. Até isso era bonito nele. —Ele explicou que viverá comigo em Doha?
—Sim.
Ele assente.
—Foi explicado a você a vida que terá como minha esposa?
—Sim.
Ele então abre um sorriso, e novamente me sinto nocauteada. Isso me deixa com uma certa raiva. Tenho medo de ser a cordeirinha dele.
—Isso tudo é timidez?
—Não acha que sou muito nova para a posição de sua esposa?
Ele respira fundo.
—A sua idade permite que seja facilmente moldada do que uma mulher mais velha cheia de ideias e vícios. Para ocupar a posição como a minha esposa, terá que ser extremamente obediente.
Allah! Fiquei a olhar para ele com o queixo caído.
—Você quer uma múmia.
Zair não entende e fica olhando para mim.
—Múmia?
Mamãe entra na sala. Com certeza estava ouvindo atrás da porta.
—O café está servido. Majestade, sente-se aqui, por favor. —Minha mãe afasta a cadeira da cabeceira para ele. —Mohameeeeeed. —Ela chama meu pai com voz rouca, esganiçada. Ela parece nervosa. — Aysha, você pode me ajudar aqui na cozinha?
Hum, isso não é bom...
—Claro. —Eu digo e me levanto do sofá.
O príncipe se levanta também e caminhando com a graça de um felino se senta aonde minha mãe indicou. Meu pai surge na sala de jantar e ocupa seu lugar ao lado do príncipe.
Temerosa e relutante, eu sigo minha mãe.
Na cozinha ela se vira para mim com sangue nos olhos.
—Múmia? Você é louca de perguntar um negócio desse para o príncipe? Ainda bem que ele não entendeu.
—Bem, se não entendeu, com certeza irá perguntar para o meu pai ou procurar no dicionário.
—Aysha. O que há com você? —Mamãe chora. —Allah! Eu te criei tão bem. Conversei tanto com você. Seu pai também. Sempre te preparamos para esse dia.
Eu baixo o rosto por um momento e o ergo novamente.
—Noun(mãe). Eu não gostei do jeito dele. Ele é arrogante. Meia dúzia de palavras e ele já disse que eu...
—Eu ouvi! —Ela me interrompe e pega a minha mão. — Filha. Ele é um príncipe. Está acostumado a ser servido, a ter tudo que deseja. É natural que ele queira uma esposa obediente. Ele quer uma mulher dócil ao lado dele.
—Como uma cadeli...
—Não! Chega! Vá até a sala e leve esses biscoitos que fiz especialmente para ele. Fiquei sabendo que são os seus preferidos.
—Você colocou canela. A lista que li de suas preferências diz que ele odeia.
—Allah! É verdade! Ajude-me a tirar.
Eu sorri ao ver como ele ficou abalada. Eu bati os biscoitos e tiramos o máximo que pudemos.
Ela prova.
—Estão arruinados!
—Estão nada! —Eu digo e pego a bandeja de Mankouche .
Minha mãe diz um sonoro nãoooooooo, mas eu não a levo mesmo assim.