Esperança é perigoso
Giulia De Angelis
Entro dentro do carro perdida nos pensamentos a loucura de cogitar escapar da prisão em que vivo, atormentada pelo gosto da boca dele atraindo todos os pedaços perdidos do coração morto a longos anos. O sujo se fazendo presente pela mente, levantando questões enterradas no fundo da consciência travando uma guerra sangrenta em torno das memórias mais dolorosas, respirei fundo buscando um lugar calmo e tranquilo, lutando contra a própria mente inóspita.
Sempre fui uma criança feliz, animada, brincalhona com certo medo de trovões o que não se passa na cabeça de uma criança inocente é que existem perigos maiores que trovões e de que as pessoas são muito mais assustadoras.
Vi os sonhos sendo mortos um a um, sem piedade nem compaixão tendo as asas cortadas com uma pinça, de forma lenta. A dor corrompendo de uma maneira que nem mesmo poderia descrever o quanto um coração cheio de lamentações poderia desatar dessa forma passando a estar presa entre memórias e crenças de um amor inabalável.
Acorrentada a grande mansão dos De Angelis, ainda tenho as minhas dúvidas se foi Giovanni que negociou para que Stefanno não quisesse casar comigo, esse foi o último prego no caixão das minhas esperanças em sair dali. Como um castigo por causar tanta discórdia entre nossa própria familia por um amor tão doloroso quanto cada batida estrondante daqueles trovões contra as janelas de vidro, para com tudo, nosso amor é profundo, estranho admito o sangue corre em nossas veias e o útero do qual somos frutos cria ligações entre nossas almas de uma forma inconveniente.
Agora, Giácomo aparece com uma armadura brilhante da marca Armani, fazendo uma declaração sem defeitos, criando a imaginação de um paraíso pintado sobre tintas de guache prontas para se desmancharem no quadro na primeira chuva, novembro se aproxima e o mês mais chuvoso do ano traz consigo minhas lembranças ou deveria renovar as esperanças. Talvez ter perdido as duas irmãs tão rápido possa ter feito ele repensar sobre a vida de solteiro, o que pode ser completamente desmentido com a cena que peguei dentro do escritório. E como uma idiota deixei ele me tocar, suspiro enrolando uma mecha nos dedos, as lembranças acendendo o desejo que fez questão de apagar, agora voltando com tudo, cruzo as pernas conferindo os olhar de Dominus para a estrada.
Gostaria de não ter acreditado nas palavras dele, muito menos naquele olhar sincero, faria menos estrago na minha mente confusa. Estava preparada para lidar com a rejeição mais uma vez, se bem, o que disse hoje não garante que não vá me rejeitar quando descobrir meus segredos, a profundidade das cicatrizes em formato de raios misturada as emoções tão difusas.
Passo a mão sobre a joia, imaginando o momento que vou precisar esconder dentro da caixinha de joias, pelo menos nesse horário os rapazes devem estar cuidando dos negócios. Um momento de paz no meio da minha semana é algo para ser apreciado.
Isso se o soldado não for ordenado para ficar vigiando cada um dos meus passos dentro de casa, já faz tanto tempo que fui excluída das organizações da família que nem sinto mais tanta diferença ao estar em casa. As vezes paro admirando o céu claro desejando ser um pássaro para voar longe dos muros ao lado das outras mulheres organizando eventos, conversando sobre moda, vendo crianças que não são minhas brincando, seria tão frustrante precisar ter uma nova desculpa a cada encontro sobre a incompetência em ter um casamento.
Sei que os meus irmãos fizeram isso buscando me proteger ou com medo de serem obrigados a me casar, quem sabe tivesse a oportunidade de alçar voo então eles me trariam de volta com as asas acorrentadas para não correr o risco, depois a punição viria sem falhas. Encosto a cabeça no banco aproveitando os poucos minutos de paz que ainda tenho antes de chegar na propriedade, fecho os olhos e o perfume amadeirado volta.
E se for real?
Se tudo que ele disse for real, e essa for minha melhor oportunidade de sair do inferno, sair da máfia é impossível e o infame executor não deve ser um homem gentil ainda assim sinto tanta sinceridade em cada uma das suas formas de olhar, em alguns momentos pude jurar que olhava com admiração.
Bufo…. como se alguém tivesse algo para admirar nesse caos embrulhado em roupas caras.
Sou arrancada dos pensamentos depreciativos com a abertura da porta do carro em frente às escadas da mansão, desço sem um pingo de vontade. Sigo pelas escadas atravessando a porta aberta pela governanta.
Senhorita. - Paro ao escutar a voz do soldado.
Sentindo os ombros tensos pelo medo de ter sido pega, viro devagar esperando que solte alguma chantagem. O rosto indiferente.
Seus irmãos pediram para avisar que tiveram uma viagem de emergência. - Fala calmo indo em direção a cozinha com a governanta.
Preciso de um minuto para recobrar as forças das pernas com o susto, agradeço mentalmente pelo tempo a mais longe dos dois.
Corro pelas escadas escondendo o sorriso até atravessar a porta do quarto.Fico olhando para o teto branco refletindo sobre a loucura que cometi naquele escritório sem conseguir diminuir o tamanho do sorriso olhando para a jóia no punho lembrando das suas palavras, atingindo minhas muralhas como uma bola de demolição. Tiro os saltos, me jogando sobre a cama junto com a bolsa.
É uma mistura de medo e esperança afligindo de toda forma as pequenas barreiras do meu mundo. Sinto o sentimento estranho se formando junto com a expectativa para que sexta chegue rapidamente, um momento escondida desse inferno naqueles braços quentes.
Escuto o som do celular apitando, acabando com essa pequena felicidade ao pensar no tipo de avisos que Giovanni pode querer passar.
Enfio a cabeça no edredom macio buscando forças para voltar a realidade, contrariar ele não vai ajudar e demora em responder menos ainda, com isso puxo a bolsa pegando o celular vejo um número desconhecido no aplicativo.
*Até sexta, Bella*
Pulo na cama com o apelido, como descobriu meu número?
Ah Dio ele é o executor da família é claro que conseguir um número deve ser algo fácil, levanto da cama nervosa andando por todo o quarto sem saber o que responder. Meus irmãos viajaram às pressas, algo pode ter acontecido, se aconteceu Giácomo também foi?
Ou será que ele quer apenas reforçar a sua vontade de almoçar na sexta?
Só não sei o que dizer, o que posso dizer?
Vou para o banheiro querendo lavar o rosto para pensar descobrindo bochechas vermelhas e olhos azuis brilhantes no reflexo, per Dio, Vincenzo vai ver e descobrir que fiz algo errado, não posso colocar ele nessa confusão de família.
Mordo o lábio inferior apertando as coxas com a sensação dos beijos marcados na memória corrompendo tudo que fui ensinada, beijos sem dor repleto de carinhos, toque suave acendendo uma dor repleta de desejo sem machucados ou castigos.
A garota refletida no espelho é a mesma que sonhava com carinho, o que pode ser uma tolice considerando que ele tem todos os motivos para trair, não é nem da minha família.
Mas o que minha família fez de bom por mim em todos esses anos?
É só deixar rolar Giulia, penso.
Lavo o rosto retirando o pouco de maquiagem que coloquei antes de sair, enxugo as mãos na toalha com o brasão,admirando a linha dourada adornando o tecido branco trazendo um ar requintado para uma peça tão pequena enquanto enfatiza a importância desse nome no meio em que vivemos,ostentando todo o luxo que a família De Angelis pode ter.
Corro de volta para o quarto querendo agarrar qualquer migalha que o destino resolveu oferecer, talvez as orações possam estar resultando em algum perdão para os meus pecados, fecho os olhos puxando ar com força. Desde que tudo aconteceu perdi completamente a esperança e agora ver alguma forma de luz naqueles olhos escuros atinge meu peito com força.
*Cuidado, volte para o almoço*
Apago as mensagens rapidamente sem salvar o número no celular com medo de que possa ser descoberto, sorrindo com expectativa, mesmo que precise enfrentar alguns leões para ir a esse almoço, sei que vai valer é o que prefiro pensar no lugar de admitir a verdade, fugir de dois algozes não torna um melhor que o outro.