Capítulo 2.3
A noite, é difícil fechar os olhos, quando se está explodindo de ansiedade por dentro. Fiquei a noite inteira embolando na cama, pensando em como seria encontrá-lo? Em como ele reagiria ao me ver? Se ele me aceitaria como sua filha? Meu Deus, passei toda a minha infância e adolescência sem um pai. Nós quase passamos fome. Minha mãe se matava de trabalhar para me dar o melhor na medida do seu possível e hoje descubro que eu podia ter uma… Uma família de verdade. Como teria sido a minha infância com ele? Como teria sido a minha vida com ele? Tenho muitas perguntas e não sei se realmente terei alguma resposta. São cinco da manhã quando resolvo sair da cama. Não conseguirei dormir mesmo e daqui a algumas horas terei que ir trabalhar. Logo mais a noite prometi ir ao shopping com as crianças para o mais novo evento infantil que acontecerá. Será bom, pelo menos poderei me distrair. Entro no banheiro me livrando da camisola de seda branca e tomo uma ducha rápida. Depois ponho uma roupa leve e sigo para fora do quarto, deixando o meu marido adormecido. Desço as escadas e vou direto para o escritório. Quando me aproximo da minha mesa, pego o meu mais novo projeto. Um hotel de luxo no Caribe e resolvo tracejar alguns parâmetros na planta. As horas se passam e eu não percebo que o dia já está totalmente claro lá fora. Luís entra no escritório e ao se aproximar, ele me beija rápido na boca.
— Dormiu bem? — indaga, avaliando o meu rosto.
— Sim — minto. — Como um anjo. — Sorrio.
— Mentirosa! — ralha, brincando com a ponta do seu dedo no meu nariz. — Conheço bem a minha esposa.
— Com fome? — Mudo de assunto.
— Faminto, senhora Alcântara. — Sorrio, tirando o papel das minhas mãos e me puxa para os seus braços, beijando-me outra vez. Sorrio quando o beijo termina.
— Pedirei para Délia preparar algo para comermos — falo, me afastando um pouco.
— Até parece que precisa pedir — retruca com humor. — Vou ligar para o Max.
— Para quem?
— O detetive. Quero que ele encontre o seu pai e o traga até aqui — informa. Penso em dizer que não, mas eu simplesmente não posso. Por mais que eu tenha medo ou que eu não queira admitir. Quero conhecê-lo e se eu tiver de receber um não, que seja aqui, em nossa casa.
— Está bem! — digo finalmente e saio do cômodo. Depois do café da manhã, levo as crianças à escola. E sigo direto para o Caravelas & Hotelaria. Glória, minha assistente se aproxima sorridente e com uma xícara de café em uma bandeja.
— Bom dia, senhora Alcântara! — Ela diz com o seu jeito ansioso de sempre.
— Bom dia, Glória, como estão as coisas por aqui? — pergunto com o meu habitual jeito profissional. Ela dá de ombros e eu pego a xícara sobre a pequena bandeja, tomando um pequeno gole em seguida.
— Alguns novos projetos para analisar e para assinar se for o caso. — Sorrio e entro em minha sala com a minha assistente colada bem atrás de mim. Acomodo-me em minha cadeira, por trás da minha mesa e tomo mais um gole do café.
— Bom dia para a minha arquiteta preferida! — Marcos, o sócio e melhor amigo do meu marido diz entrando na sala, segurando um papel imenso na mão.
— Bom dia! O que é isso? — pergunto movida de curiosidade.
— Um hotel antigo e carente de obras — diz largando o cilindro em cima da minha mesa. Lanço-lhe um olhar curioso e sorrio abrindo o rolo de papel.
— Estamos trabalhando com restaurações agora? — retruco com surpresa, vendo um sorriso sarcástico surgir na sua face.
— Meu sócio e melhor amigo, o senhor seu marido, cismou com esse hotel — ralha se acomodando na cadeira a minha frente
— Hum! Deixe-me ver. — Dou uma olhada minuciosa na planta e fico encantada com o que vejo. É um prédio antigo e pela data da planta, ele realmente deve estar bem-acabado, sabendo que nunca passou por uma reforma antes. E, para chegar aos nossos padrões, teremos que praticamente reconstruí-lo. — É um belo lugar! — comento ainda olhando o tracejado.
— Seu marido disse o mesmo. Eu particularmente, não vejo nada de mais. Mas se vocês veem, quem sou eu para contrariar? — rebate, fazendo o meu sorriso se ampliar.
— Isso, porque o senhor só entende da parte de construção. Você sabe que o Luís é que consegue ver com clareza o potencial do empreendimento — ralho e ele bufa de modo audível.
— É, e a verdade é que ele nunca errou. — Concorda.
— Viu? — Pisco um olho para o sócio do meu marido. — A noite estamos todos no shopping. E depois do evento, um musical com personagens infantis, deixamos as crianças se divertirem, enquanto eu e Luís ficamos sentados em um banco de praça, os observando e ocasionalmente aos beijos. Amo a minha família e confesso que nunca cheguei a sonhar com uma realmente. É claro que pensei em ter filhos e em me casar, mas não imaginei que aos 28 anos tudo já estivesse em seus devidos lugares. Em um momento noto o Jonathan se afasta de sua irmã e do Caio e corre em direção das escadas rolantes.
— Não! — digo apreensiva, levantando do banco exasperada.
— O quê? — Luís pergunta levantando em seguida. Sem pensar duas vezes, eu corro na direção do meu filho, sem prestar a atenção nas pessoas que vem pela frente e esbarro brutalmente em um homem que me segura firme para que eu não vá ao chão. Nossos olhos se encontram e eles parecem… familiar!
— Me desculpe, eu não a vi… — Ele para de falar quando olha o meu e parece empalidecer de repente.
— Você está bem? — pergunto me recompondo. Ele me olha por um curto espaço de tempo.
— Eu… eu… — Ele gagueja.
— Moço, está sentindo algo? — insisto.
— Peguei ele, amor. — Luís fala, parando ao meu lado com Jonathan em seus braços. O homem olha de mim para o meu marido e depois para o meu filho.
— É… me desculpe! — O homem diz, fazendo menção de sair, mas o seguro pelo braço.
— Espere, venha, eu pago uma água para o senhor. Está pálido! — Volto a insistir, o levando para uma das mesas da praça de alimentação.
— Não precisa. — Ele resiste, se afastando. — Estou bem. — Respiro fundo e passando as mãos no meu jeans, volto a insistir. Eu não sei, só… não quero que ele se vá.
— Tudo bem, me deixe pelo menos pagar um suco. — O convido. — A final eu quase o matei atropelado. — Faço graça e ele finalmente sorri. O sorriso dele também me é muito familiar. Penso.
— Tudo bem, se você insiste! — Concorda finalmente. Sorrio e ele imediatamente fica sério.
— Eu insisto. — falo desviando os meus olhos dos seus e Luís apenas assiste a nossa conversa sem nexo. Seu celular toca e ele põe o Jonathan no chão para atendê-lo. Ele se afasta a uma distância considerável e nós seguimos para uma mesa.
— Como se chama? — Ele pergunta.
— Sou Ana Júlia — respondo. Seu olhar por algum motivo ganha uma perplexidade que não sei mensurar. Ele parece engolir em seco.
— Me chamo Edgar… Edgar Fassini — fala e eu paraliso no mesmo instante. Simplesmente nada em mim, funciona. Estou em pleno estado de torpor.
— Você é… — Nem consigo concluir a minha frase.
— Sou o seu pai, Ana. — Meu coração para uma batida.
— Como sabe que… — pergunto e ele me dá um meio sorriso.
— Você é a cara da sua mãe. — Seu sorriso, seu cabelo, a pele morena… Meu Deus, a sua boca. Como podem se parecer tanto? — sussurra cada palavra com um tom baixo demais. — Não contenho as lágrimas.
— Mamãe, por que está chorando? — Jonathan, meu filho pergunta, saindo da sua cadeira para me abraçar. Abraço o meu filho e beijo o topo da sua cabeça.
— Era o detetive, Max, ele não conseguiu… — Luís para de falar quando ver as lágrimas que molham o meu rosto. — O que está acontecendo aqui? Ana porque está chorando? _ Ele inquire áspero, porém eu não consigo responder, apenas choro. Um choro silencioso e os meus olhos estão o tempo todo fixos no homem sério me olhando do outro lado da mesa. Desperto do meu estado de letargia, quando vejo o meu marido partir para cima do homem sentado a minha frente. Ele segura o Edgar com firmeza pelo colarinho bem-arrumado e o põe de pé com um puxão violento.
— Luís… Luís, solta ele! Para, Luís! — peço aos gritos e consigo me encaixar entre os dois gigantes. Tanto o Luís quando o Edgar são extremamente altos e fortes. Luís se afasta ofegante e me encara confuso.
— Mas o quê? — pergunta perdido.
— Querido, esse é o Edgar Fassini — explico. Os olhos confusos do meu marido vão para o homem atrás de mim.
— Como assim? — questiona extasiado.
— Eu posso explicar, se me der uma chance. — Edgar pede. Tanto eu quanto Luís, encaramos o homem de aspecto sério e de rosto rude. Edgar Fassini é um homem de 45 anos, como diz no dossiê. Mas, é um homem muito bem conservado. Não aparenta a idade que tem. Ele tem um corpo forte e malhado. Mesmo usando uma camisa de mangas compridas e um terno preto por cima, é possível notar isso. Ele tem parte dos seus cabelos grisalhos e uma barba cerrada muito bem feita. Seus olhos verdes são calmos e serenos, um contraste absurdo com o rosto quadrado que exibe uma carranca séria.
— Claro, podemos ocupar uma mesa, e… — sugiro, mas ele me interrompe.
— Não, Ana, eu prefiro um encontro mais formal. Sem todo esse túmulo de pessoas. Esse barulho do ambiente. Estou em um hotel em Copacabana. Será que podemos almoçar juntos amanhã — sugere.
— Não, eu prefiro que seja em minha casa — peço. — Se não houver problema para você. — Ele sorri, parece satisfeito com o meu pedido.
— Com certeza, não há problema nem um. Posso levar um vinho? — indaga sugestivo. Sorrio.
— Claro, amanhã então? — pergunto, me pondo de pé. — Temos que ir, as crianças devem estar cansadas.
— São seus filhos? — interroga, olhando para os meus filhos. Mas, tenho certeza que ele já tem essa resposta.
— Sim. — É tudo o que digo e ele assente, e volta o seu olhar para mim. Não consigo decifrar o seu olhar. Pelo jeito, Edgar não é um homem de demostrar suas emoções.
— Eles são lindos, Ana! — Abro um meio sorriso.
— Obrigada! Então, até amanhã!
— Até! — Relutante sigo caminhando para fora do shopping, abraçada ao meu marido segurando a mão da minha filha. Luís segura a mão do Caio e esse segura a mão do Jonathan.