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O pecado

Deixei-o entrar na casa, me sentindo estranha com aquele olhar cravado em mim. Ele aproximou-se para respirar o meu perfume e os seus olhos se fecharam, dando liberdade a sua imaginação. Parecia que estava degustando um bom vinho enquanto sua mão boba deslizava pela minha cintura.

— Thiago, não o chamei aqui para isso.

Pelo desejo estampado no rosto do rapaz, senti que as minhas palavras apenas o atiçaram mais.

— Colocou esse vestido lindo para quê, então?

O seu dedo indicador segurou o meu queixo, sustentando o nosso olhar.

— Porque estamos numa época quente.

— Óbvio que foi isso — ele sorriu, claramente não acreditando nas minhas palavras.

Não demorou muito para que me beijasse com toda a saudade possível. Aquele jogo durava tanto tempo que nós mesmos não deveríamos recordar do momento em que começou, mas realmente não era o que eu queria naquela noite. Claro que não recusaria seu beijo ousado, no entanto meu intuito não era acabarmos na cama.

— Eu preciso do seu serviço. — Disse antes que me embalasse em seu toque.

— Nossa — o rapaz respirou um pouco ao cortar o beijo e sorriu abertamente. — Que convite interessante.

— Muito engraçado, mas não falo disso. Preciso que procure George.

— O que houve com o senhor Rider?

— O senhor Rider fugiu do hospital sem deixar rastros ao lado de seu melhor amigo. — O rapaz arregalou os olhos e alisou a barba rasa de maneira preocupada.

Claro.

O senhor Fonseca era o melhor amigo de meu pai e consequentemente o pai de Thiago.

Observei o ar de preocupação de meu visitante. Seu desespero nunca havia se mostrado daquela forma para mim. Nossos encontros eram tão cheios de desejos que assuntos à parte ficavam para momentos em ambientes movimentados.

Ele pareceu analisar meu rosto também. Percebendo que eu não estava mais tão tensa como da primeira vez que recebi aquela pancada. Já havia colocado em minha mente que ambos eram adultos há muito mais tempo do que eu, e tinham pleno conhecimento de suas travessuras. Eu só precisava encontrá-los para arrancar suas orelhas e devolver meu pai ao seu lugar.

Deixei Thiago digerir a história enquanto buscava um copo de água para o filho preocupado. Se eu tivesse pensado melhor, teria chamado um detetive do qual o pai não teria sequestrado o meu.

Notei que o homem tremia sentado no sofá e coloquei-me ao seu lado para poder segurar suas mãos e confortá-lo enquanto acariciava o calo em seu dedo.

— Ora, não é para tanto. Cada um deles sabe se cuidar melhor do que nós dois juntos, mas meu pai me colocou em uma situação terrível e eu vou matá-lo pessoalmente.

— Entendo… E soube de algo depois que eles partiram?

Sua pergunta talvez fosse voltada aos sites onde eu fazia as divulgações de nossos trabalhos e teve momentos que também pensei nessa hipótese, mas ninguém comentou nada sobre um possível encontro com o artista pelo mundo.

Então apenas neguei para o rapaz.

— Tudo bem… Por um lado é horrível não ter pistas. Mas… — ele deu um longo suspiro. — É meu pai e o seu também. Duas crianças de setenta anos.

Ele passou as costas da mão em meu rosto. Seu olhar chamativo afundou em mim e eu tentei esquivar-me da atração.

— Eu fico sabendo o valor do seu serviço agora ou quando acabar? — O moreno desceu seu olhar por minha silhueta como se me desse outra opção. Isso me fez estreitar os olhos. — Estou falando sério.

— Não vou cobrar de você. Mas poderia ser recompensado de outra forma, afinal eu também preciso ser consolado. Foi o meu pai que deu uma de insano e pegou George para se aventurarem por aí.

Apertei mais os olhos ao receber suas palavras influenciadoras. Não pude acreditar que estávamos numa relação tão chantagista daquela forma.

— Porque não fazemos assim; você procura George, eu pago em dinheiro. Você encontra os dois para me dar paz e vai se consolar com a sua mulher.

Ele deu-me novamente seu olhar surpreso, me perguntando sem palavras como eu havia descoberto. Ergui sua mão entrelaçada na minha para mostrar o objeto dourado repousado em seu dedo que o fez pigarrear, me soltando as pressas.

— Não é o que…

— Eu realmente preciso que você me ajude nisso — falei da maneira mais carinhosa que consegui. Eu só queria algo que pudesse agarrar-me e sabia que ele faria o máximo para encontrá-lo. Por consideração a meu pai e pela segurança do seu.

— Não vou decepcioná-la — ele disse por fim, me dando o raio de esperança que eu precisava.

— Você quer beber algo? Tem vinho na cozinha — mesmo com o clima estranho no ar, tentei contornar a situação demonstrando empolgação ao meu convite. Ele assentiu.

Fui até a cozinha para pegar o vinho juntamente de duas taças e entreguei uma delas a Thiago, que a sustentou no ar enquanto a enchia. Thiago tomou uns goles curtos parecendo pensativo.

Se para mim era difícil ter que segurar meu pai, para ele era ainda pior. O senhor Fonseca era arqueólogo e, quando jovem, viajou pelo mundo em expedições perigosas para encontrar o desconhecido. Ele amava contar suas histórias e se vangloriar pelas coisas que já vira, o que deixava George ainda mais admirado pelo mundo. Posso dizer que os dois juntos eram uma verdadeira dor de cabeça, pelas risadas altas e sonhos perigosos. O pobre Thiago acreditava que o pai iria se enterrar em algum deserto qualquer dia.

— Sabe, London, pensei que você não voltaria mais para cá — comentou em meio aos goles de vinho.

— Eu também achei. Ainda me lembro da nossa última conversa.

A última vez que o beijei, disse-lhe que não pretendia vê-lo mais e esperava que ele se esquecesse de mim. Eu havia colocado na cabeça que o rapaz só me tinha como uma ficante para as férias e pedi que acabasse com aquilo de uma vez por todas. Como ele mesmo não me deu uma resposta concreta, eu preferi dar as costas àquela brincadeira de adolescente.

— Todos os dias pensei no que me disse, mas infelizmente não fui capaz de ir atrás de você esse tempo todo.

— O que importa é que seguiu adiante. Não continuou remoendo as palavras — joguei no ar como se confessasse que eu havia feito aquilo.

— London, tente me entender — ele sussurrou. — Foi difícil para mim aceitar todas elas e no começo eu só tive raiva de você. Quando resolvi pensar já era tarde.

— Creio que já passou o momento para falarmos disso.

— Me desculpe.

Aquele pedido era claramente por ter iniciado o assunto ao invés de deixá-lo quieto.

— Não importa mais.

Houve silêncio na cozinha por um instante. Tive vontade de aceitar a desculpa se ela fosse direcionada ao passado, mas ele não parecia estar certo de querer isso. Na verdade, sua expressão mostrava o quanto pensava naquilo tudo e talvez no que seríamos se ele tivesse me dado a resposta que eu queria na época, mesmo que não fosse o que ele quisesse também.

— Seu pai falava muito de você para o meu. Parecia que ambos queriam nos juntar.

— Davis também falava bastante de você — confessei.

— Imagina a felicidade dos dois se descobrissem nossas travessuras.

Eu sorri ao pensar naquilo. Eles claramente teriam começado os preparativos para nosso casamento, mesmo que tivéssemos quinze anos.

— Seria divertido — eu disse, vendo aquilo acontecendo em minha mente.

— Ele ficou tão decepcionado quando lhe apresentei Helena. Parecia que esperava outra pessoa.

Estremeci ao perceber o rumo daquela conversa e pigarreei para afastar os pensamentos.

— Mas agora vamos focar no paradeiro deles…

— Sim, claro.

Os olhos de Thiago pareciam decepcionados. Talvez consigo mesmo, afinal tudo tinha acabado daquela forma por falta de uma resposta.

No entanto, o passado não importava mais naquela altura das coisas. Cada um havia seguido seu caminho e precisávamos continuar firmes nas escolhas.

O silêncio pairou sobre nós por mais alguns instantes. Ambos não sabiam como manter a conversa sem que ela chegasse a um clima pesado demais e não era a ocasião certa para aquela discussão. Nós não precisávamos de mais pressão.

Me agarrei na experiência que ele tinha em seu trabalho para esquecer de qualquer outra coisa que me distanciasse do real propósito. O fato é que eu precisava voltar com meu pai para casa para tentar negociar sua dívida e não poderia demorar demais.

Tinha apenas 2 meses para isso.

— Preciso ter acesso aos documentos de George — ele soltou, nos puxando para o que interessava.

— Tudo bem.

— Se puder me enviar no e-mail do escritório seria melhor.

Ele retirou uma caneta do bolso. Percorreu seus olhos pela cozinha até que caminhou em direção a agenda ao lado do telefone. Depois de anotar algo no objeto, me passou para que eu visse o e-mail escrito com sua letra mais elaborada.

— Vou começar as buscas pela manhã — me acalmou. — Você falou com a polícia?

— Na verdade pensei em falar. Mas…

— Mandaram não envolver a polícia.

Afirmei. Sua observação provava que ele já havia entendido minha situação e isso era um alívio para mim. Me agarrei ainda mais ao profissionalismo do detetive.

— Bom, preciso ir… — Finalizou olhando a porta de maneira tristonha.

Me coloquei em sua frente para andar pelo corredor e abri-la.

Thiago se virou para mim quando chegou ao lado de fora. Seu rosto estava tão perto que me fazia sentir o ar escapando de sua boca entreaberta. Os olhos tinham um brilho diferente, sedutor.

— London — ele fez uma pausa tentando encontrar as palavras. — Sobre Helena…

— Não se preocupe — o interrompi. — O que tínhamos era uma brincadeira de adolescentes, um jogo. Mas infelizmente eu não jogo com homens casados.

— Ainda assim sabe enlouquecer qualquer um. — Ele suspirou.

— O que posso fazer? É um dom — brinquei. Nossos olhos se prenderam por mais um tempo antes do detetive se aproximar para tentar me tirar o juízo. Coloquei a mão sobre seu peito para impedi-lo com um sorriso simpático no rosto. — Boa noite, Thiago.

Retirei a mão de seu corpo e cortei o clima fechando a porta entre nós.

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