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A raiva

Acordei na manhã seguinte sentindo meu corpo doer e formigar em alguns locais. Me recordei da noite anterior, quando quase fui morta e apanhei feio de três rapazes nojentos. Pensei na sorte que tive por Jonathan ter me encontrado e no que poderia ter acontecido se ele não tivesse chegado a tempo.

O herdeiro Morgan, um rapaz tão fechado e sempre sério, apareceu no momento que mais precisei de alguém.

Meu celular — encima da mesa-de-cabeceira — vibrou durante meus devaneios e quando a luz acendeu, li as breves palavras “Precisamos conversar” de Thiago para mim.

Do lado de fora, o dia havia amanhecido ensolarado e parecia que seria agitado. Depois de ler o recado do detetive senti toda a esperança percorrer meu interior com o banho delicioso de sol que invadia a janela sobre mim. Eu torcia para que as notícias fossem boas, pois não conseguia ver nenhum tipo de sentimento naquele recado.

Deixei a casa o mais rápido que pude quando ele me mandou o endereço do local onde iria me esperar para termos a conversa. Não era longe e ele queria me ver antes das onze da manhã.

Percorri as ruas da cidade em passos ágeis, seguindo as instruções do GPS em meu celular. Ao chegar no local vi uma lanchonete em formato de contêiner azul-marinho e entrei no estabelecimento para analisá-lo em busca do meu amigo.

Para meu desgosto, Thiago não estava lá. Mas um rapaz de cabelos amarelados, com mais ou menos 1,80 de altura e ligeiramente magro.

Ele se levantou ao me ver na porta. Sua mão balançou no ar para que eu fosse em sua direção e assim o fiz.

— London, certo? — ele perguntou e eu apenas confirmei enquanto tentava entender o motivo do meu detetive ter mandado um intercessor. — Sente-se, por favor. Sinto que o senhor Fonseca, não possa ter vindo pessoalmente.

— Mas ele virá? — O rapaz abriu um sorriso sútil. Suas mãos viajaram para a bolsa pousada na cadeira ao seu lado de onde retirou o notebook. Com calma, ele colocou o objeto na mesa em minha frente e o abriu.

A tela acendeu com o gesto, me mostrando a página onde ele estava mexendo anteriormente. Uma vídeo chamada se iniciou depois de um clique e Thiago surgiu atento em seu celular. Talvez esperando que nosso lado saísse do escuro.

Soltei um pigarro para que ele olhasse na tela do computador e seus olhos se ergueram me encontrando.

— Lolo! — comemorou o rapaz. Eu franzi as sobrancelhas. — Quer dizer, London.

— Não está na cidade? — Perguntei intrigada e ele me negou com a cabeça. — O encontrou, não é?

— Sim — disse o detetive, depois de um bom suspiro.

Aquela notícia me deixou totalmente fora de mim. Uma enorme alegria percorreu meu corpo, fazendo com que a esperança ligasse meu organismo.

— E onde ele está? Como está? — Levei as mãos a boca tentando me conter. — Quando posso vê-lo?

Nesse instante o loiro a minha frente se levantou e caminhou na direção do balcão de atendimento para nos dar uma certa privacidade.

— Bom, London… — Outro suspiro escapou do detetive e eu percebi a tensão em seu olhar. Minha expressão se tornou preocupada. — Como vou dizer…

— Meu Deus!.. O que aconteceu, Thiago?

— Bom… — A mesma palavra duas vezes. Era como se ele tentasse formular a melhor maneira de me contar, sabe-se lá o quê. — Eles estão ótimos. George tem se mantido longe das apostas e eles contrataram um rapaz para acompanhar as viagens.

— Tudo bem, posso aceitar isso. — Tentei não o interromper demais, mas ele ainda procurava palavras.

— George está bem persistente quanto a seguir ao plano deles. Ele quer terminar essa expedição antes que o encontrem — Respirei pesadamente com essa notícia e esperei para que ele me dissesse o paradeiro dos dois. Pensei que se eu fosse até lá conversar com George ele poderia mudar de ideia.

— Onde ele está? — perguntei quando notei a demora do detetive para seguir adiante. Foi a vez de Thiago respirar fundo; ele gaguejou muitas vezes até dizer:

— Ele me falou que prefere te deixar longe de riscos e que vai arrumar o dinheiro de alguma maneira. Disse que se acontecer algo pior, você será a primeira a saber.

— Thiago... — Eu havia entendido, só não queria aceitar. Além de querer ouvir aquelas palavras claramente. — Onde ele está?

— Eu não posso falar — ele soltou de uma vez e eu bati as mãos com toda força na mesa para demonstrar minha fúria.

O loiro voltou naquele instante com duas xícaras cheias de café colocando a minha entre o aparelho e minha mão.

— Me desculpe, London. Eu prometi a ele. — Desviei o olhar, mordi o lábio e contei até que eu pudesse encarar o detetive mais uma vez. As pessoas que o buscavam já haviam encontrado à mim e logo o encontrariam também.

— Quero ouvir dele. Onde ele está?

— Querida, eu posso jurar que ele está bem. — Deixei outro suspiro escapar. Queria mostrar toda minha frustração.

— Quero. Ouvir. Dele. — Meus olhos foram tomados pela ira e as lágrimas queriam se manifestar.

— Ele não quis participar dessa reunião — revelou o detetive e eu já não consegui mais me segurar.

— Thiago, mas que… — Retrocedi ao notar minha elevação na voz. As pessoas ao me redor já me observavam. Tentei me conter novamente, mesmo que a raiva não me desse brechas.

Pensei em tudo o que passei com as pessoas para quem ele devia, pensei nas buscas que fiz, nas noites sem dormir e até mesmo a contratação de um detetive estúpido para encontrá-lo. Tudo em vão, tudo jogado ao vento.

— London, ele me prometeu que iria se cuidar a troco do meu silêncio.

— Eles vão matá-lo, Thiago! Tentaram me matar ontem! — exclamei sem me importar com as pessoas em volta. — Eu preciso estar ao lado dele…

— Vai ficar tudo bem, pequena. Eu te garanto.

— Não me chame assim! — Engoli o choro, mesmo que as lágrimas me queimassem por dentro tentando cair. — Muito obrigada por nada.

Eu retirei o pacote de dinheiro da mochila para passar ao intercessor do meu detetive incompetente. Havia pego aquele pacote com o intuito de agradar e agradecer meu amigo por seus esforços. Mas, ao ouvir aquilo, decidi pagar seu mau serviço com toda minha indignação para apenas acabar de uma vez com tudo.

— London, você não precisa pagar — sua voz saiu dolorosa de dentro do notebook.

— Preciso, afinal você foi até aí, não é? E, mesmo fazendo um péssimo trabalho, o encontrou — despejei as palavras como se fossem espinhos arranhando minha garganta. — Eu vou procurá-lo sozinha, mas obrigada por nada.

— Lolo… não faça isso, para o seu próprio bem.

— Você não sabe o que faz bem nem para uma pessoa jurada de morte — cuspi enraivecida. — Eu deveria saber, já que não é a primeira vez que você me decepciona.

— London, por favor.

— Tudo bem. Só diga para George, que ele tem uma dívida grade comigo também e que isso já passou dos limites à muito tempo. Vou notificar as autoridades e deixar que cuidem de tudo!

A decisão foi dolorosa, mas eu tinha esse poder há muito tempo e deveria tê-lo usado antes. Pelo menos anunciar para Thiago que iria fazer aquilo, colocaria bom senso na cabeça do meu pai e ele poderia desistir daquela criancice. Mesmo que me odiasse até o fim de seus dias.

— Não faça isso. Eu vou cuidar dos…

— Bom dia, rapazes — o interrompi, fechando o notebook para não precisar vê-lo mais. Me levantei às pressas antes que o loiro fizesse qualquer movimento e saí dali o mais rápido que pude.

Parei apenas no quarteirão seguinte podendo finalmente me encostar na parede de uma loja de ferragens, onde deixei as lágrimas me banharem de uma vez por todas, como elas queriam desde o início da notícia.

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