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Capítulo 3

"James, por favor, acalme-se", ela sussurrou para o marido, mas não ajudou muito.

Seus olhos estavam velados, os horrores daquela noite no palco estavam diante dele, eu era o responsável, sabia o quanto doía lembrar do meu pai, apesar disso obriguei-o a fazê-lo com meus pedidos.

Era inevitável, eu era como ele, era culpa dele que a paixão pela música corresse em minhas veias junto com tudo que ele mesmo me ensinou.

Ele foi o responsável pela minha devoção, me apresentou ao seu mundo, apaixonando-se por ele e depois me privando de cada fragmento, sem se preocupar em preencher o vazio.

Pela primeira vez desde que entrei naquela casa, ela começou a olhar nos meus olhos, do mesmo verde profundo que os meus, os mesmos traços que os meus em seu rosto masculino.

-Eu olho para você e me vejo. Quando você tiver um filho você vai entender o quanto tudo isso dói.-

-Você tem vergonha de mim, pai?-

-Nunca Nick, nunca consegui. Você é exatamente o que eu queria que fosse, antes...-

Antes do acidente que acabou com a banda e mudou suas vidas para sempre.

Levantei-me da cadeira e me aproximei dele, ele me pegou com firmeza paternal, não me importei de esconder minhas emoções do homem que me fez a mulher que eu era.

Chorei em seu ombro, permitindo-me ser criança novamente.

-O destino queria muito me dar um tapa com você, minha filha. É hora de enfrentar meu problema.-

Sorri para ele soluçando.

-É só um trauma, pai. Dizem que tudo de ruim que aconteceu com você também acontece conosco.-

Ele me apertou ainda mais forte, o cheiro de madeira e agulhas de pinheiro invadiu minhas narinas, me devolvendo com força ao passado.

-Eu não aguentava ver minha filha no palco com todas aquelas vigas penduradas na cabeça.-

Passei o polegar sob seus olhos encharcados de lágrimas e ele apertou minha mão na dele.

-Talvez seja hora de agendar aquela consulta médica. NELSON, James.-

Minha mãe ficou entre nós, colocando a mão no ombro do meu pai, lembro que ela me falou sobre convencê-lo a enfrentar seu problema com a ajuda de um psicólogo, mas ele sempre recusou.

Essa foi a noite certa para ele aceitar.

"Acho que sua mãe está certa", disse ele, forçando um sorriso.

-Por que você não vem me ouvir cantar antes de decidir? Amanhã nos apresentaremos no bar Roxy.-

Olhei primeiro para ele e depois para minha mãe, que a princípio não respondeu, eles pareciam perplexos enquanto avaliavam minha proposta.

Eu conseguia entendê-los, provavelmente estavam se perguntando se o que eu estava tomando era o caminho certo, nem eu poderia ter dado uma resposta para isso.

Eu só sabia que depois de redescobrir a música, não importava o destino da banda, eu nunca iria desistir e essa crença foi suficiente para me dar confiança nas minhas escolhas.

Foi minha mãe quem quebrou o silêncio falando baixinho comigo.

-Seu pai e eu estaremos lá Nicole, mas por favor não fuja mais de nós.-

Deixei os dois me abraçarem, aproveitando pela primeira vez a atmosfera de lar e amor... o verdadeiro.

-Ryan! Onde você está?! Respostas!-

Mensagem de voz.

Vamos Ryan! Merda!-

O pânico entrou em meus ossos, o rosto sem vida de Brent apareceu e desapareceu da minha mente me deixando louco, eu tinha que fazer alguma coisa.

Ele tinha acabado de chegar em casa e já estava correndo porta afora sem explicação.

De repente, percebi que tudo que eu pensava ter consertado estava na verdade pendurado precariamente, prestes a cair, como tudo com que eu estava lidando.

Não entendia se eu era o desastre ou se a vida estava comigo.

Corri sem rumo, confiando em meus instintos sabendo que de alguma forma o encontraria, encontraria Ryan, deixaria meu orgulho de lado, ele precisava de mim.

A Garagem foi o primeiro lugar que me veio à cabeça, mas era impossível andar de onde eu estava.

Não deu tempo de pegar o metrô, entrei no primeiro táxi que passou na minha frente tentando dar a melhor orientação possível sobre onde deveria ir.

Saí tropeçando algumas vezes, nunca tinha corrido tão rápido.

A persiana estava fechada e dei um suspiro momentâneo de alívio quando a encontrei.

Mas por dentro estava deserto.

Os instrumentos estavam como os meninos os haviam deixado e a luz ainda estava acesa.

-Ryan!-

Ninguém respondeu, subi instintivamente no telhado, esperando de todo o coração que ele não fizesse merda nenhuma.

Eu não podia me dar ao luxo de perdê-lo, não a ele.

Estava frio, mas não me importei.

Tinha começado a chover, isso também não importava.

Meus olhos o procuraram, procurei desesperadamente por aquele cabelo escuro que era realmente difícil de detectar no escuro.

Encontrei-o sentado na beira do telhado, as pernas balançando no ar, o olhar perdido.

Corri em sua direção, literalmente me jogando nele, empurrando-o para fora da borda, para um lugar seguro.

Coloquei a mão em seu rosto causando um estalo alto.

-Não se permita mais! Não faça isso de novo, idiota!

Eu estava gritando como um louco, mas parei, pensando no estado dele.

Eu nunca tinha visto ele assim, ele estava agachado, tremendo e soluçando, e mesmo depois de tirá-lo do perigo, ele se enrolou sobre si mesmo enquanto ainda dava vazão a todos aqueles sentimentos que apodreceram dentro dele há muito tempo.

Meu ódio por quem o trouxe a esse estado estava às alturas.

Coloquei sua cabeça em meus joelhos e comecei a acariciar seus cabelos.

-Ryan, estou aqui. Tudo está bem.-

Ele não era ele mesmo, estava no meio de um ataque de pânico, um dos mais fortes que já vi na minha vida.

Eu nem sabia se ele entendia o que estava acontecendo, que eu estava ao lado dele conversando com ele.

Suas pupilas estavam tão dilatadas que me assustou, ele me olhou como se eu estivesse tendo alucinações.

Ele tentou acordar do estado de choque, levantando-se do chão.

Estávamos os dois completamente molhados e a chuva aumentava aos poucos, tive que tirá-lo de lá.

-Ryan, vamos descer, por favor.-

-S... fique longe de mim. Eu poderia machucar você.-

Ele apontou para mim um dedo trêmulo, eu ainda estava no chão e ele estava com medo de escorregar, com medo de ele mesmo escorregar.

-Por favor, vamos sair daqui!-

-Fique longe da minha! Fique longe do meu!-

Dei dois passos para trás, mas as solas dos meus sapatos estavam lisas e o chão escorregadio, caí de costas no chão, arranhando o joelho.

-Sou um monstro. “Um monstro”, repetiu ele com o olhar perdido no espaço.

-Ryan, o que você está dizendo! Você não é de jeito nenhum! Nós resolveremos tudo, você só precisa confiar em mim!-

-Você é quem não deveria confiar em mim!-

Ele também caiu no chão, ficando de quatro, continuou gritando frases desconexas até que entendi o fio de suas palavras e um arrepio de horror me assaltou.

-Na festa você...você estava bêbado e...e você me implorou e eu...eu-

As imagens do corpo dele em cima do meu, deitado naquele mesmo telhado, vinham aparecendo em flashbacks há uma semana e sempre presumi que fossem sonhos ou minha fixação por ele.

Sua boca na minha, suas mãos em mim, todas as sensações voltaram num turbilhão e de repente me senti tonta.

Eu orei.

-Você me disse que me amava e eu não conseguia me controlar... eu...- ela falou chorando, o rosto contorcido e deformado em uma expressão de dor, fiquei paralisada.

Ele se aproximou de mim para entender minha expressão, eu deveria tê-lo odiado mas ele era mais forte que eu.

-Nicole...- ela me ligou diversas vezes.

Ele tinha abusado de mim, estava bêbado mas eu teria dado a ele mesmo sóbrio, estava tudo tão ruim que eu nem sabia o que seria o certo a fazer, mas o abracei.

-N...não, você deve me odiar. Eu sou um monstro.-

-Você não é.-

-Eu... eu machuquei você.-

-Você errou e estava perdendo a vida por causa disso. Pare de se torturar, Ryan, está tudo bem. Os monstros não sabem que estavam errados. Monstros não são devorados por sentimentos de culpa.-

Ele se separou do abraço olhando para mim com os olhos arregalados, parecia uma criança assustada.

"Nicole, você deveria odiar isso", disse uma voz dentro de mim.

Não posso fazer isso. Eu não posso odiá-lo. Noel.

-S...você disse que me amava. O amor não existe. Por que você me contou?

-O amor existe Ryan e eu te amo, infelizmente.-

Ele se separou completamente de mim, a chuva bateu em nossas cabeças, molhou nossos ombros, escondendo as lágrimas.

-Eu tenho que ficar com Kayla.-

-Eu sei-

-Meu pai ameaça tirar até o último centavo de mim, Nicole.-

Ele falou segurando a cabeça entre as mãos.

Durante anos ele se acostumou a esconder qualquer tipo de expressão humana atrás de uma proteção feita de frieza e desinteresse.

Agora que tudo desabava ele não conseguia mais se recompor, a máscara havia quebrado e ele não estava acostumado a ficar sem ela, nem se reconhecia mais.

-Eu não sei o que é amor. Mas essa palavra me faz pensar em você, não em Kayla. Está errado, eu deveria pensar nela. Por que não consigo pensar nela?

Ele agarrou meus ombros com as duas mãos.

-Por que?!- ele perguntou novamente.

"Porque você me ama, Ryan", respondi, senti meus olhos lacrimejarem, senti-os queimar, senti minha garganta queimar.

Ele não queria se apaixonar por mim.

Ele só queria me foder.

-Você tem que tomar uma decisão, Ryan. E o que você estava prestes a fazer não é um deles.-

Ele se levantou me deixando no chão, meu joelho sangrava, eu sentia a ferida latejando.

Eu o vi descer, mais abaixo, aquele menino caiu no vazio e ninguém parecia se importar.

Eu me importava, mas não podia fazer nada.

Ele tinha que se defender, ele tinha que se salvar.

E tudo que pude fazer foi esperar.

————

-Gente, essa é nossa última noite aqui no Roxy.-

Numerosas vaias e gritos de protesto irromperam da multidão, todos olhando para Carter como se ele fosse o responsável por aquela decisão.

-Não te preocupes! Existem grandes planos reservados para os RGs e este é apenas o começo!

Os gritos eram confusos, o lugar nunca esteve tão cheio.

Lá atrás, perto da porta da frente, meus pais assistiam a cena, só tinham olhos para mim e esperavam nos ouvir tocar.

Ryan ficou arrasado, balançou a cabeça como se quisesse acordar, parecia um morto-vivo.

As crianças começaram a brincar e escolheram as melhores músicas, as preferidas do -Roxy club-, nome que foi inventado pelos alunos que vieram nos ouvir.

Aqueles que sempre contaríamos como nossos primeiros fãs.

No final da noite, meu pai se aproximou do grupo com um sorriso no rosto.

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