CAPÍTULO 07
EMMA
CONGELADA. SINTO AS BATIDAS do meu coração tão fortes, que parece que vão pular de dentro do meu peito. Lágrimas descem pelo meu rosto sem que eu consiga contê-las e tudo que passa em minha mente, são os minutos vividos instantes atrás, que foram os mais longos da minha existência.
A sensação que eu tinha era que minha garganta tinha se fechado e lentamente eu estava sufocando, jamais pensei que ver aquele demônio, que por incontáveis vezes esteve presente em minhas piores lembranças, de alguma forma trouxesse uma luz em meio a escuridão em que eu estava. Gritos de dor e desespero ressoavam no ar, o que fez tremores invadir o meu corpo e a cada barulho que atingia os meus tímpanos, a imagem daqueles três surgia como flashes a minha frente.
Aquilo parecia que ia durar uma eternidade, gritos estrangulados e ao mesmo tempo outros como se tivessem em comemoração. Como diz o velho ditado, colhemos o que plantamos, pois o preço pelo meu pecado em ter pegado algo que não era meu, estava sendo muito maior do que eu um dia imaginei.
Depois que o silêncio se fez presente e o medo começou a se dissipar, toda aquela adrenalina que tinha me envolvido deu lugar a dor, pois no calor do momento eu havia ignorado, mas agora, sentia cada centímetro do meu corpo dolorido. Em meio ao meu desespero e o estado estático que tomou conta de mim, quando senti as mãos da mulher a minha frente apertando as minhas e escutei o som da voz suave, voltei ao meu estado de lucidez.
— Tudo ficará bem.
Continuei imóvel, enquanto ela abriu sua maleta e começou a me examinar. Logo depois se afastou e quando surgiu novamente em meu campo de visão, tinha um copo com água em uma das mãos e estendeu um comprimido para que eu tomasse.
— Vai ajudar a aliviar a dor que está sentindo.
Desde quando cheguei aqui, ela foi a única que me tratou bem e sua presença me transmite uma sensação de tranquilidade. Com as mãos um pouco trêmulas, peguei de imediato o comprimido e o copo com água. No entanto, meu coração que parecia está funcionando no ritmo normal, disparou e quase engasguei quando pela porta surgiu o meu maior algoz. Assim que ele deu alguns passos, o som da sua voz se fez presente.
— Como ela está? — perguntou a dona Simone.
— Com o remédio que ela acabou de tomar e um pouco de repouso, fisicamente ficará bem.
— Você pode ir — proferiu as palavras direcionadas a ela, mas, seus olhos estavam cravados em mim.
A mulher lançou um sorriso afetuoso em minha direção e em seguida com passos precisos, caminhou rumo à porta. Minha atenção logo se voltou para o demônio a minha frente quando novamente ele voltou a falar.
— Levante-se! — disse com a voz rude.
Permaneci imóvel no mesmo lugar. Embora cheia de dor, eu não ia deixar que ele viesse a fazer comigo o mesmo que aqueles três infelizes cogitaram. Todavia, suas feições logo mudaram para algo assustador, as veias em volta do seu pescoço ficaram salientes. Seu olhar refletia raiva e assim que o vi fechar os olhos por alguns segundos, como se tentasse controlar sua fúria, quando os abriu novamente, começou a caminhar em minha direção e o pânico me dominou.
Mesmo com dificuldade me forcei a ficar em pé, mas o que me deixou horrorizada foram às palavras que ecoaram no ambiente.
— A partir de hoje você ficará a minha total disposição. O seu corpo servirá para pagar parte do prejuízo que vem me dando todo esse tempo, no entanto, até agora, para uma ladra, eu te tratei bem, mas não teste a minha paciência ou conhecerá quem na verdade é Alejandro Casillas.
Esse homem frio, que mais parece um fazendeiro demoníaco, foi capaz de despertar sentimentos e sensações que faziam uma luta interna ser iniciada dentro de mim. Como se algo sombrio quisesse apoderasse do meu coração. Eu podia sentir a raiva crescendo dentro de mim, ameaçando encher meus olhos. Meus lábios se moveram, mas toda minha coragem se esvaiu ao ouvir suas palavras frias, fazendo minhas pernas enfraquecer e como consequência eu comecei a tremer.
— Você só tem duas alternativas. Ser somente minha ou ficar aqui, o que certamente não será bom, pois não terá a mesma sorte se outros vierem a invadir esse quarto, estejam bêbados e drogados ou não. Com as dezenas de homem que vivem nesse lugar, você se tornará a refeição principal.
Minhas pernas ficaram bambas e quando achei que chegaria até o chão. Seus braços envolveram a minha cintura e ele me suspendeu caminhando em direção à porta. Eu estava tão desorientada com tudo que havia acontecido que acabei ficando presa nos meus próprios devaneios e quando dei por mim, ele parou e meus olhos foram de encontro ao cenário a minha frente.
A sala era luxuosa e elegante, com poltronas de camurça em tom preto. Iluminada por um luxuoso lustre de cristal e bem climatizada, nem frio, nem quente, uma temperatura agradável. Jamais pensei que o inferno tivesse uma aparência tão bela, minha admiração logo deu lugar ao pânico, quando ele continuou a caminhar e subiu os degraus da escada, eu queria reagir, mas, eu estava tão cansada, que só ia despertar a fúria dele. Depois de alguns minutos ele parou em frente a uma porta e quando ela foi aberta, estremeci ao olhar para cama a minha frente, porém, para minha total surpresa, ele deu alguns passos e ao me colocar sobre ela, se afastou. Respirei aliviada, mas foi somente por alguns segundos, pois antes de deixar o cômodo, o som firme da sua voz ecoou no espaço.
— Por hoje deixarei você descansar, mas não tente nenhuma gracinha, pois dessa vez eu não vou impedir que os cães te devorem ainda viva.
Assim que ele sumiu do meu campo de visão e embora suas últimas palavras ecoassem em minha cabeça, isso não iria impedir que eu tentasse escapar desse lugar. Por hora, eu vou ganhar tempo e assim que tiver forças, não vai ter cachorro ou obstáculo que irá me impedir de sair desse lugar.
No dia seguinte...
Depois de tudo que aconteceu não pensei que dormiria tão bem. Algumas horas depois que o demônio saiu do quarto, ele retornou com algumas sacolas que estavam cheias de roupas, logo depois uma senhora que acabei por descobrir que se chamava Marina, bateu na porta e trouxe uma bandeja com o meu jantar.
De banho tomado, barriga cheia e naquela cama enorme, acabei caindo em um sono profundo, dormindo feito uma pedra. Os primeiros raios de sol começavam a iluminar o quarto através da persiana que estava um pouco levantada, porém, assim que ouvi uma movimentação na porta, tratei de fechar os meus olhos imediatamente, mas fui obrigada a abri-los quando a voz do facínora reverberou no ambiente.
— Sei que está acordada. Tenho alguns assuntos para resolver nas videiras e como não conseguirá ir tão longe, você pode sair do quarto.
Depois que deu suas ordens, ele deixou o cômodo. Acabei por ficar um bom tempo deitada, precisava organizar os meus pensamentos e não confrontá-lo, assim no momento certo, eu poderei fugir.
Instantes depois, já tinha tomado banho e caminhei para fora do quarto. Livrei-me das escadas e meus olhos circularam por volta do ambiente, em busca de encontrar a cozinha, depois de algumas passadas, antes que eu chegasse ao meu destino, uma voz enjoativa ressoou no ambiente e ela me olhou de cima a baixo.
— Quem é você?
Capítulo 10
Fredericksburg – Cidade no Texas
EMMA
— QUEM É VOCÊ?
Seu olhar continuava fixo em mim. Ela me olhava como se eu tivesse alguma doença contagiosa, o que fez meus batimentos cardíacos acelerar, assim como alguns pensamentos surgiram em minha cabeça e com eles as dúvidas. Será que ela é alguma parenta dele ou é a esposa do demônio?
— Você é surda, eu perguntei quem é você?
Fechei uma de minhas mãos para controlar o calor que tomou conta do meu corpo e antes que o meu sangue esquentasse mais do que já estava e eu deixasse a minha educação de lado, meus lábios se moveram, porém, as palavras que ecoaram no ambiente fizeram-me fechar a boca novamente.
— Filha! Ela é hospede do patrão — disse Marina que surgiu do nada em nossa frente. Depois de alguns segundos voltou a falar. — Essa é minha filha, Bárbara. Veio passar as férias, chegou hoje pela manhã da capital.
— Meu nome é Emma — disse sem desviar o olhar da nojentinha à minha frente.
Ela continuou com seu ar de soberba e caminhou em direção à cozinha. A nojentinha que na verdade é filha da empregada, só porque está com boas roupas e mora na cidade, esqueceu suas origens e se acha superior. Respirei fundo e minha atenção se voltou para a mulher a minha frente.
— Você deve estar com fome. A mesa do café da manhã está arrumada.
— Obrigada.
Ao lado dela, adentrei o ambiente. Bárbara estava sentada tomando o café da manhã, parecia até a dona da casa. No entanto, outro pensamento surgiu em minha mente, será que entre ela e aquele homem existe alguma coisa? Espero que sim, dessa forma com a sua chegada, ele certamente não chegará perto de mim e terei mais tempo para me concentrar na minha fuga.
Instantes depois...
Comecei a comer em silêncio, enquanto a mulher que estava também no ambiente, passou boa parte da refeição falando no demônio o qual descobri que se chamava Alejandro. Seus olhos brilhavam como duas bolas de fogo quando o nome dele era proferido por ela. Depois que a bonitona terminou de comer, se levantou e caminhou em direção à sala.
Dava para ver que Bárbara, de nada puxou para sua mãe, a coitada mais parecia a empregada da própria filha. De barriga cheia, me levantei e peguei as louças que estavam sujas sobre a mesa, indo em direção a pia.
— Deixe que eu faço isso, o patrão não vai gostar de saber que você fez o meu trabalho.
— Ele só vai saber se uma de nós duas contar, no entanto, mesmo que estivesse aqui, eu não terei porque não fazer. Afinal de contas, fui eu quem sujou a louça.
Mesmo contra a vontade dela, lavei tudo que estava dentro da pia. Pelo tamanho dessa mansão e a expressão de cansada no seu rosto, dava para ver que ela acordava bem cedo para fazer suas tarefas. Sendo uma mulher que já aparentava seus cinquenta anos, ela devia ter sua jornada de trabalho reduzida.
Depois que terminei tudo, eu queria sair um pouco e respirar o ar puro, mas me lembrei dos malditos cães e não estava preparada para encará-los ainda. Também poderia ir para sala, no entanto, mesmo a conhecendo hoje, eu não gostei nada da tal Bárbara. Então permaneci na cozinha enquanto dona Marina preparava o almoço.
Horas se passaram e vendo o jeito como ela estava, com uma expressão temerosa. Logo percebi que poderia ser pelo fato de temer a reação do Alejandro, ao me encontrar no cômodo, então resolvi ir para o quarto onde passei a noite. Passos largos foram dados para fora do ambiente e assim que me aproximei da escada, minha atenção se voltou em direção à porta quando os dois homens surgiram e Bárbara que estava sentada na poltrona ao lado, se levantou rapidamente e seus olhos ficaram cravados no homem que tinha uma expressão indecifrável direcionados a mim, porém, logo mudou quando seus olhos foram de encontro a mulher que ostentava um belo sorriso no rosto.
Ele a olhava fixamente. O silêncio se fez presente por alguns segundos, até que a voz dele ressoou no espaço.
— Barbara!
— Achei que não me reconheceria, já faz três anos que não vinha à fazenda.
— Marina não falou nada sobre a sua chegada — disse o senhor que estava ao seu lado.
— Ela não sabia. Como estava morta de saudade, resolvi deixar os estudos um pouco de lado e passar o recesso no lugar onde cresci.
Alejandro que estava mudo desde o momento que falou o nome dela se manifestou.
— Aproveite para ajudar a sua mãe. Embora eu pague os seus estudos, ela vem trabalhando duro durante todos esses anos, para que no futuro não precise ficar o resto dos seus dias enfiados em uma cozinha — suas palavras foram ditas num tom seco e o rosto dela que tinha um sorriso de palhaço, que se estendia até as orelhas, mostrando os dentes, morreu dando lugar a uma expressão cautelosa e como num passe de mágica, a pessoa esnobe que conheci horas atrás se transformou na filha preocupada.
— Por isso eu vim, sei que ela tem trabalhado muito desde a morte do meu pai.
Dito isso, Bárbara caminhou em direção a cozinha. E, meus pensamentos foram interrompidos, meu coração bateu mais forte quando o escutei falando com o senhor ao seu lado, enquanto passava por mim indo em direção a uma porta.
— Joseph, peça a sua esposa que traga outro comprimido para dor, embora a aparência dela esteja melhor que ontem, quero que hoje à noite a única dor que sinta seja causada por mim.
Estarrecida em meio as suas palavras, senti meu rosto queimar tamanha era minha vergonha, pois ele não tinha nenhum pudor e disse aquilo como se eu fosse uma mulher qualquer, que estava ali para ser usada a seu bel-prazer. O homem que tinha um belo rosto, mas escondia sua verdadeira aparência de anjo das trevas, continuou andando até sumir do meu campo de visão, agradeci mentalmente quando o senhor que tinha acabado de descobrir que era esposo da Dra. Simone, desapareceu como num passe de mágica.
Subi os degraus da escada, porém meu corpo todo estava tremendo e o único pensamento que se fazia presente em minha cabeça, era o que eu ia fazer para que ele não viesse a me violentar novamente.
BÁRBARA
Maldição!
Sempre tive ódio desse lugar. E, mesmo triste com a morte do meu pai, as minhas esperanças foram renovadas, já que finalmente conseguiria sair desse fim de mundo. Embora, sempre tenha gostado do Alejandro, eu sei que ele me via somente como a piralha que vivia correndo pelos quarto cantos da Senhor dos céus, aquela que resolveu ajudar devido à lealdade dos meus pais com a família Casillas. Durante todo esse tempo, dediquei-me completamente aos meus estudos, a criança se transformou numa linda mulher, mas com o passar do tempo, eu comecei a entender que mesmo que ele viesse a me ver com outros olhos, jamais deixaria esse lugar. Porém, o mundo dá voltas e nunca cogitei que o destino me colocaria diante da única pessoa capaz de me dar tudo que sempre sonhei, uma vida cheia de luxo e bem longe desse lugar pelo qual tenho tanto repúdio.
Mesmo contra minha vontade, tive que retornar com a desculpa de que estava com saudade da minha mãe, entretanto, não esperava encontrar uma mulher dentro da casa grande, já que todos sabem a fama que ele tem em relação às mulheres, mas nunca soube que deixou alguém além das funcionárias entrarem em sua casa.
Seja qual for o seu envolvimento com a tal Emma, eu preciso tirá-la do meu caminho ou tudo poderá dar errado.