Capítulo 4
Eva
Estou a três dias trancada em um maldito quarto, dias estes sem poder fazer nada. O pior de tudo não é ficar sem comer, isso eu consigo tirar de letra. O que me irrita é não ter o que fazer, sem um livro, uma revista, meu celular, meu dia se resume em ficar deitada nesta cama dura e fria.
Não me arrependo de ter acertado um belíssimo tapa em Dante, mas ele não avisou que seria obrigada a ficar em um quarto deplorável, sem janelas, sem banheiro e sem uma porcaria de um relógio para saber quanto tempo ainda me resta aqui.
Perdi as contas de quantos carneirinhos saltitantes já contei para passar meu precioso tempo de vida desperdiçado neste quarto imundo e sujo. Ele poderia ter tido o mínimo de consideração e me colocar em um quarto digno. Sou obrigada a fazer minhas necessidades em um balde que fica ao lado da cama. Isso realmente é um tremendo exagero.
Dante diz tanto que eu me pareço comigo mesma, ele poderia ter o mínimo de consideração e me presenteado com um belíssimo quarto já que matou toda a minha família, mas não, me trancou neste quarto mofado e sujo onde provavelmente ele tortura as pessoas.
Sem muita paciência, levanto batendo a mão no vestido preto de festa, que se encontra em um deplorável estado de calamidade. A dias não tomo banho e meus cabelos cacheados e rebeldes tem nós que não sairão com facilidade.
Estalo meu pescoço e respiro profundamente observando a porta de metal a minha frente, apesar de grossa tem uma aparência velha e desgastada, além de muito enferrujada. Sorrio com a possibilidade de derrubá-la.
Sorrio com a possibilidade de derrubá-la.
Talvez com alguns chutes, eu consiga derrubar essa porta, não custa tentar, certo?
Chuto a porta próximo ao trinco com força. Ela balança, mas ainda se mantem em pé. Não desistirei tão facilmente, puxo o fôlego, relaxo os ombros e me preparo para mais um novo chute, mas quando dou o impulso vejo a porta se abrir e não consigo frear meu movimento, acertando o homem a minha frente com força bruta.
Rapidamente ele tenta se defender do meu ataque, mas não adianta acabo caindo por cima do seu corpo. O cigarro que ele tinha em sua boca voa e ele solta um gemido de dor quando caímos no chão.
— Porra! — ouço ele praguejar enquanto se levanta.
— Ai — reclamo apoiando a mão na lateral da costela e me levanto observando o homem de cabelos negros rebeldes e pele naturalmente bronzeada a minha frente, ele é muito parecido com Dante, mas não consigo analisar seu rosto com precisão, pois ele está ocupado demais praguejando inúmeros palavrões. Ele fixa seus intensos olhos azuis se em mim me surpreendendo.
Com toda certeza são irmãos, mas que eu saiba ou pelo menos lembre, Dante é filho único.
— Dante, não vai gostar de saber que você está tentando arrebentar a porta do quarto senhorita.
Dou de ombros pouco me importando se ele gostaria ou não.
— Por que diabos abriu a porta sabendo que estava tentando derrubá-la? — pergunto incrédula.
— Para livrar seu traseiro de um castigo pior — fala irritado. —Dante não vai gostar nada de saber disso — suspira desgostoso. — Infernos, se não paro seu chute estaria em maus lençóis agora. — Pragueja novamente passando as mãos pelos cabelos.
— Se ele quisesse me prender e deixar passar fome, pelo menos que me trancasse em um quarto digno e com banheiro. — Tento frustrantemente passar as mãos nos meus cabelos na tentativa de abaixar o volume esvoaçante e parecer um pouco mais apresentável depois do tombo que acabamos de levar.
— Prisioneira que exige tratamento cinco estrelas? Isso é novo para mim — debocha.
— Faz dias que não tomo um banho ou escovo meus dentes, meus cabelos estão emaranhados, provavelmente estou fedendo, e para piorar tenho que fazer xixi em um balde ao lado da cama, meu humor não está dos melhores e eu sinceramente não quero arrumar confusão, então você poderia me dar licença por gentileza, caso contrário não pouparei esforços para abrir caminho até o andar de cima, como viu posso ser bem persuasiva. — Caminho em sua direção pronta para uma briga direta, pois minha paciência já se esgotou.
Ele sorri abertamente e para a centímetros de distância do meu corpo. Como Dante ele é alto, mas os seus centímetros a mais lhe dão vantagens fazendo com que eu olhe para cima afim de encará-lo. O cheiro de cigarro que está impregnado em suas roupas me incomoda.
Eu deveria odiar esse tipo de cheiro, mas estranhamente gosto dessa mistura indecente e bruta.
— Apenas quero encontrar o cretino que você provavelmente chama de chefe. — Não baixo minha guarda o encarando de frente.
— Ele realmente é um cretino e meu chefe. — Assente sorridente gostando do que eu disse. — Mas acho importante ressaltar que ele é meu irmão e pediu que ficasse de olho em sua prisioneira rebelde. — Cruza os braços na altura do peito me encarando.
Observo seu corpo bem definido e musculoso que não passa desapercebido mesmo que ele queira. Essa família é uma verdadeira perdição, concluo o pensamento observando o homem a minha frente.
Realmente não esperava que Dante tivesse um irmão, em todos os anos que o conheci e que visitei está mansão não me encontrei com nenhuma criança além de Dante. Isso é uma grande surpresa para mim.
— Não sabia que ele tinha um irmão. — Não nego a surpresa.
— Procuramos evitar os falatórios. — Balança os ombros não se importando muito com o assunto.
— -Então Sr. Voyaller, vai dar licença ou terei que usar a força? — Cruzo os braços irritada.
— Longe de mim querer brigar com você, fiquei sabendo que derrubou os homens de Royal. — Ele balança os braços em rendição. — Por favor me chame de Jack, ser chamado de Voyaller, faz com que eu me sinta como Dante e isso me incomoda. — Faz uma careta desgostoso.
— Royal? — balbucio, mais para mim do que para ele.
— Somos quatro. — Pisca com um sorriso charmoso nos lábios.
Quatro? Como eu nunca soube disso? Quatro irmãos? Isso é impossível. Como não conheci nenhum deles antes? Não consigo compreender.
— Não gosto de brigar com mulheres entende? Por favor volte para aquele quarto e espere as ordens do chefão — pede suplicante enquanto passa as mãos no cabelo como Dante costuma fazer. — Hoje vim em paz — diz em uma postura relaxada.
Como ele está próximo aproveito para passar minhas mãos por seu peito com cuidado descendo por seu abdômen definido. Seu corpo tenciona em alerta, mas ele não tenta impedir, muito pelo contrário a surpresa explícita em seu rosto me faz querer rir. Sensualmente aproximo meus lábios do seu pescoço roçando os mesmos naquele local sensível.
— É mesmo Jack? Você veio em paz? — sussurro próximo ao seu ouvido ainda descendo minhas mãos em seu abdômen. — Quem vem em paz não traz uma arma presa na cintura. — Seguro sua arma por cima da roupa e uma de suas mãos agarra a minha com uma força bruta enquanto a outra segura meu pescoço indelicadamente.
Seus olhos faiscantes me encaram em um misto de curiosidade e surpresa.
— Solte-a Jack — Uma voz muito conhecida soa de trás dele.
Ele solta meu pescoço e acabo por soltar sua arma, Jack envolve seus abraços sobre meu ombro como se fossemos velhos amigos encarando Dante com um sorrisinho sacana nos lábios.
— Você tem uma bela dor de cabeça irmão — debocha ironicamente.
— Avisei que ela era esperta e perspicaz, mas você gosta de testar as pessoas. Ela poderia muito bem ter usado sua própria arma para matá-lo. —Ele suspira pesadamente.
Dante mantem sua pose forte e imponente, mas sua expressão não nega seu cansaço físico, estou tão irritada com esse cretino que nem mesmo espero para demonstrar toda a minha indignação.
— Você disse que me deixaria sem comida, mas me trancar em um quarto deplorável desses é demais. É assim que você trata seus novos integrantes da máfia? Minha vontade é enfiar minha mão na sua cara mais uma vez. — Avanço em sua direção pronta para atacá-lo, mas Jack segura meus braços me mantendo imóvel.
— Você não é uma integrante Srta. Trion, é somente uma prisioneira que sabe demais e meteu o nariz onde não foi chamada — diz curto e grosso.
— Você não vai querer deixá-lo nervoso — Jack diz suplicante. — Ele é um verdadeiro pé no saco quando está irritado. — Segura meus braços me impedindo de acertar Dante.
— Cale-se Jack. — Dante lança um olhar duro para o irmão que se cala imediatamente.
O olhar frio e expressivo de Dante sobre mim faz com que um estranho calafrio percorra a minha coluna, mas aquele sentimento fraco logo é substituído por nojo e raiva.
— Tranque-a no meu quarto Jack — ordena caminhando em direção as escadas. Jack me reboca do porão com seus braços fortes e me arrasta pela mansão sem muita delicadeza, até parar em frente ao quarto de Dante que fica no andar superior.
— Não quero ficar trancada no quarto dele, não posso ficar trancada no seu? — pergunto esperançosa.
— Adoraria mantê-la presa não só no meu quarto como na minha cama, mas ainda tenho amor a minha vida. Se ele mandou te trazer até aqui é porque você não é uma simples prisioneira. — Abre a porta do quarto forçando a minha entrada.
Respiro profundamente sabendo que aquela conversa não chegará a lugar algum.
— Apenas uma dica senhorita Trion. Não destruía está porta como fez com a antiga, isso seria a mesma coisa de assinar sua própria morte. — Fecha a porta, mas a abre rapidamente novamente. — Só mais uma coisa. Eu gostei de você, tenho certeza de que Max e Royal também gostarão. — Pisca trancando a porta com a chave ao sair.
Eu não acredito que serei obrigada a ficar neste quarto.
Deveria ter me comportado no porão, mas parando para pensar aqui pelo menos tenho um banheiro onde finalmente posso tomar banho. Olho em volta e tudo está perfeitamente arrumado no seu devido lugar.
Observo o céu escuro pela janela do quarto indicando que é noite. O relógio sobre a escrivaninha marca onze horas, e provavelmente faz dois dias que estou trancada aqui. Robert a essa altura deve estar extremamente preocupado sem notícias minhas.
Suspiro andando até a primeira porta que vejo, abro e encontro o seu closet, ao adentrar o cômodo as luzes se acendem revelando suas roupas organizadas, ele é tão disciplinado em sua vida pessoal como chefe da máfia.
Eu poderia picotar todos esses ternos com uma tesoura, seria algo extremamente infantil e imensamente prazeroso, mas dispenso essas ideias, pois reconheço os meus limites.
Fecho a porta a minha frente e caminho até a próxima onde há um lindo banheiro e isso é tudo o que eu preciso no momento. Sem pensar duas vezes retiro minhas roupas, deixando-as sobre a pia. No local há uma convidativa banheira, mas a necessidade de sentir a água escorrer pelo meu corpo faz com que me jogue embaixo do chuveiro sem muitos rodeios.
Tomo um demorado e relaxante banho, deixando a água quente passar pelo meu corpo cansado. Estou me sentindo imunda, então faço questão de lavar minuciosamente cada parte do meu corpo, principalmente os meus cabelos que estão completamente emaranhados.
Depois do banho procuro uma escova de dente e um pente, por sorte acho na última gaveta junto com outros produtos masculinos.
Saio do banheiro enrolada em uma toalha. Como não tenho nenhuma roupa aqui e meu vestido já não pode mais ser utilizado sigo para o closet certa que encontrarei alguma peça feminina.
Reviro todas as gavetas em busca de algo feminino e não encontro absolutamente nada. Cansada de procurar, pego uma de suas camisas brancas e visto não me importando se ele vai gostar ou não.
Já é tarde e meu corpo implora por uma cama macia e confortável, mas meu orgulho não quer ceder a possível ideia de me deitar na mesma cama que esse homem odioso.
Respiro profundamente observando àquela cama chamativa e confortável e acabo deixando o cansaço vencer minhas razões. Sem pensar muito me deito e ao encostar a cabeça nos travesseiros o familiar cheiro do seu perfume invade meus sentidos trazendo boas e más recordações, e assim acabo pegando no sono rapidamente.
***
Acordo sentindo calor e um peso desconfortável pressionar meu corpo. Custo a abrir os olhos e quando faço assusto com o que vejo.
Dante está deitado ao meu lado, somente de cueca boxer branca, seu braço envolve meu corpo e sua mão descansa sobre um dos meus seios descaradamente. A coberta que cobria meu corpo está caída ao chão, a blusa que cobre minha intimidade se enrolou mostrando mais do que deveria.
Fico tão chocada com o que vejo que acabo o empurrando para o lado com desdém e brutalidade, mas ele não acorda, apenas resmunga deitando de barriga para cima. Aproveito para puxar novamente a coberta cobrindo meu corpo desnudo.
As diversas tatuagens espalhadas pelo corpo de Dante chamam a atenção, não lembro de vê-lo com tantas tatuagens espalhadas por seu corpo como agora. Fixo meus olhos sobre o símbolo da família Voyaller e da máfia tatuado do lado esquerdo de seu peito. Um dragão enrolado nos números 371. É uma belíssima tatuagem, mas para alguém que entende e viveu o peso da dor marcado por aqueles números não é nada agradável observá-los.
Sua pele naturalmente bronzeada se contrasta com todas as suas tatuagens e somente agora percebo as profundas cicatrizes que algumas tatuagens encobrem.
Tenho certeza que o causador de todas essas marcas é ninguém menos do que Donatel. Esse velho é desumano, nasceu apenas para destruir vidas e amaldiçoar todos que estão à sua volta. Inconscientemente passo o dedo sobre uma cicatriz de seu abdômen perdida em meus pensamentos.
Quando menos espero Dante está sobre mim segurando fortemente meu pescoço com uma de suas mãos. Procuro me defender da maneira que consigo segurando suas mãos que se envolvem em meu pescoço com uma força exagerada, travo minhas pernas em sua cintura tentando inverter nossas posições para que assim tenha a chance de me livrar de suas mãos pesadas.
Seus intensos olhos azuis estão perdidos em sentimentos dolorosos. O ar começa a faltar em meus pulmões e minha reação é empurrar seu rosto com as mãos.
Minhas visão se turvas pela falta de oxigênio, a qualquer momento meu sistema se apagará em defesa a falta de ar. Sem pensar duas vezes enfio meus dedos em seus olhos os forçando, imediatamente suas mãos pesadas me soltam e começo a tossir a procura de ar, me sento na cama com certa dificuldade.
— Dana? — Ele apoia suas mãos em meus ombros preocupado, mas tento afastá-lo não querendo contato.
Ignorando os meus protestos ele me puxa de encontro ao seu corpo erguendo meu rosto para que eu consiga respirar melhor e quando finalmente sinto o oxigênio retornar em meus pulmões me acalmo.
— IDIOTA! — grito empurrando-o. Ele segura meus braços mantendo-me imóvel para que não o acerte, ofego em busca de ar e sinto minha garganta arder.
— Não estou acostumado a ser tocado quando estou dormindo — diz em sua defesa.
Dante não é bom em esconder suas preocupações e neste exato momento posso ver que ele realmente está preocupado com o que acabou de acontecer, mas isso não faz com que minha raiva e meu ódio diminuam.
— Se não gosta de ser tocado enquanto dorme o que faz aqui? Se eu não soubesse me defender estaria morta. — Deixo toda minha indignação explícita em meu tom de voz.
— Primeiro: todos os quartos dessa mansão têm dono a não ser o porão que você arrebentou com a porta. Segundo: esse quarto é meu. Terceiro, você estava extremamente convidativa vestida com uma das minhas camisas sem calcinha e sem sutiã. Não imaginei que fosse tão indecente assim Srta. Trion — diz cada palavra em um tom acusatório e sensual, fazendo com que eu me sinta culpada e constrangida.
— A culpa é sua por me trancar aqui — digo envergonhada.
— Essa é sua melhor desculpa Dana? Tem certeza que jogará assim?
— Sai daqui seu imbecil descarado. — Tento acertá-lo com um chute.
— Opa, acabei de ver algo mais interessante do que a sua bunda, abra mais suas pernas e me presenteie com uma belíssima visão — ele sussurra próximo ao meu ouvido. — Talvez você queira minha língua brincando entre suas pernas, eu posso lhe proporcionar sensações incríveis. — Sinto um gelo se formar em minha barriga descendo diretamente entre minhas pernas me enviando uma sensação de desejo inconsciente.
Não acredito que meu corpo está reagindo as provocações dele, estou mais irritada comigo do que com ele.
— Como seu eu quisesse fazer sexo com você — grito irritada.
Dante me solta e se levanta rindo das minhas reações. Sem se importar com a sua semi nudez caminha em direção a porta fazendo questão de mostrar todo o seu conjunto de músculos muito bem definidos e alinhados.
— Vista-se seu pervertido de merda. — Arremesso o travesseiro em sua direção e ele sai do quarto rapidamente rindo da minha cara.
Assim que ele sai me jogo na cama cansada, esse homem vai conseguir me enlouquecer antes que eu consiga atingir meus objetivos e a única coisa que paira em minha mente neste exato momento é seu estranho e repentino surto.
Ele deve esconder mais coisas do que posso imaginar.
