Capítulo 1
Encontrei-os na cozinha, a mãe estava mexendo no fogão se preparando para o jantar e o pai estava ao lado dela fazendo-a rir. Enquanto os observava parei para refletir diversas vezes, pois era incrível como era visível o sentimento que os unia. Admirei o relacionamento deles, porque era o tipo de amor que fazia até quem estava de fora sorrir, só pelo quão maravilhosos eram. Eles passaram o dia separados, a mãe no trabalho e o pai no escritório estudando casos, mas quando chegaram em casa riram e brincaram como se fossem dois filhos e era muito bom poder olhar para eles assim. Ele os admirava por vários motivos, principalmente pela maneira como criaram Arthur. Meu irmão nunca se sentiu diferente dos outros, principalmente porque lhe ensinaram que ser especial não é um defeito. Todos nós o tratávamos como se o problema dele não existisse, como se ele não fosse autista, porque ele não gostava de ser chamado assim. Naturalmente, quando tinha crises, ficava horas trancado no quarto, no escuro, com música clássica ao fundo que o ajudava a relaxar e descontrair.
Arthur me flanqueou naquele momento, enquanto eu me encostava no batente da porta e piscava para meus pais enquanto eles trocavam alguns beijos de vez em quando. – Eca – Arthur exclamou, observando a cena. - Isso é nojento, não quero mais ver essa bagunça - Ele entrou na cozinha seguido por mim, nos fazendo rir, mas eles se viraram e nos cumprimentaram alegremente.
- Olha, a cegonha não te trouxe Arthur - eu disse a ele, sentando-me à mesa e dando-lhe um meio sorriso.
- Eu teria preferido acreditar nisso por mais algum tempo, sinceramente. - Respondidas. – Uma investigação que fiz revelou que a percentagem de crianças que acreditam ter nascido debaixo de uma couve é superior à das que realmente sabem ter filhos. Eu queria estar na primeira porcentagem, embora Carter me dissesse que eu deveria arrumar uma namorada e fazer sexo. – ele explicou com um encolher de ombros.
- Vou matar Carter, por vários motivos. – exclamei irritado. Minha mãe cuspiu a água na boca e meu pai riu divertido, enquanto eu olhava para ele e rezava para que ele estivesse disposto a me ajudar. – Mãe, pai – eu disse de repente. – Preciso falar com você, quer sentar um pouco? –
- Que bom quando você me chama de mãe, fico muito feliz! – Elizabeth respondeu, sentando-se com um sorriso.
Meu pai sentou-se ao meu lado e sorriu para mim, colocando a mão no meu ombro e me massageando. – vamos filho, atire –
- Victoria está aqui – sussurrei. – Houve um problema e ela correu até mim meio em crise. Queria saber se era possível ele ficar aqui alguns dias. A situação é muito delicada e eu me sentiria mais seguro tendo ela aqui. –
- O que aconteceu, Javier? – Elizabeth perguntou me olhando um pouco preocupada. Ela já havia notado minha expressão ansiosa, com certeza, mas, como sempre, esperou que eu falasse com ela.
Inclinei a cabeça e mordi o lábio, olhando para meu irmão. – Você pode nos deixar em paz, Arthur? É um pouco delicado e prefiro que você fique fora disso para o seu próprio bem. –
- Vitória está bem? – Ele perguntou preocupado. Seus grandes olhos verdes brilhavam quando ele falava dela, ela sabia que ele a amava de verdade, era incrível a forma como ela conseguia se relacionar com ele, tanto que ele se sentia como se ela fosse sua irmã.
Desviei o olhar e balancei a cabeça, passando as mãos pelo rosto. – Na verdade não é Arturo. – eu disse sorrindo amargamente. – Você pode ir ver como ela está se quiser, ela estava dormindo no meu quarto, ver se ela acordou. Se ela está dormindo, deixe-a descansar, ela não dorme há algum tempo. – expliquei, observando-o se levantar e seguir em direção ao meu quarto, balançando a cabeça.
- Diga-nos, o que está acontecendo? – meu pai começou.
- Antes de vir para cá ele sofreu um acidente. - Eu disse. – Nada sério, alguns inchaços, mas ela está muito bem, um médico virá amanhã examiná-la para ela não precisar sair. - Eu disse-lhes. – O problema é outro. Há algo que eu não sabia que ele me contou hoje e isso realmente me incomodou. Preciso de conselhos, além de aconselhamento jurídico, de pais para filhos, só isso. –
- Estamos aqui de propósito, é só nos contar. – Minha mãe apertou minha mão e sorriu e acenou com a cabeça, como se com aquele gesto quisesse me convencer de que não me deixariam em paz.
- Victoria sofre abusos há anos – informei. - Do pai. –
- Alejandro estuprou Victoria? – Meu pai arregalou os olhos em estado de choque.
- Não, Alejandro não. Ela foi adotada por volta dos doze ou treze anos. Seu pai abusou dela desde os sete anos de idade. A professora dela descobriu e denunciou, ela foi encaminhada para o serviço social e Alexander e Nicole a adotaram. O problema é que ela está muito doente e agora que queria sair recebeu um telefonema da prisão: o pai dela fugiu. –
- Droga - exclamou meu pai, fechando os olhos. – Isto é uma grande confusão, todas as autoridades terão sido alertadas. - Ela disse.
- Definitivamente Leonardo. – Minha mãe piscou para ele. – Você pode ficar o tempo que quiser, mas eu gostaria de conversar com a Nicole, talvez eu convide ela para ir almoçar amanhã, para que ela me explique um pouco o assunto. –
- Você pode ficar o tempo que precisar por mim também. Talvez ele não venha procurá-la aqui... - Ele suspirou e piscou um pouco nervoso. - Como vai? - Perguntado.
- Não sei como me sinto, esperava mesmo tudo, mas não isso. Eu sabia que havia algo que ela não estava dizendo, mas acredite, eu não tinha ideia do que era. Só não quero deixar o pai dele, não posso, não posso. Ele precisa de mim mais do que nunca e eu... -
"Você a ama", Elizabeth exclamou com um sorriso.
- Não sei se é amor mesmo, acho que sim, mas quero evitar falar isso em voz alta para não assustá-la - expliquei. – Ela é tão… tão… tão Victoria. Ela me enfeitiçou desde o primeiro momento que a vi, mãe, não quero deixá-la escapar, arriscaria mesmo tudo para salvar a vida dela. –
“Tentem não colocar suas vidas em risco antes de fazer qualquer coisa estúpida”, disse Leonard, erguendo os braços e sorrindo para mim.
Antes que eu pudesse responder e começar a rir, Victoria entrou, ladeada por meu irmão, que sorria para ela e segurava seu braço com carinho. “Desculpe, eu não queria incomodar você”, disse ela, batendo os longos cílios e suspirando timidamente.
- Não se preocupe, não há desconforto. – Minha mãe disse sorrindo. – Você vai jantar conosco? –
- A verdade é que não estou com muita fome... - Ele sussurrou, fazendo uma careta.
- Sim, mãe, ela come conosco - repreendi-a com o olhar e me aproximei dela, dando-lhe um beijo na cabeça, pegando sua mão e apertando-a com força. – Você vai ficar aqui alguns dias, ok? O tempo que você quiser e precisar. –
- Obrigado – ele sussurrou com um meio sorriso. – Tenho medo de ir para casa. –