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Capítulo 2 - Reencontro

Pietra

Eu nunca imaginei que um dia poderia me deparar com Anton novamente. Estou mentindo. Talvez eu tenha sonhado com esse momento algumas vezes. Talvez eu também tenha idealizado esse encontro durante algumas noites insones, fantasiando todos os detalhes e o que nós diríamos um para o outro. Mas tudo mudou. Eu não sou mais a mesma garota ingênua e cheia de sonhos sobre príncipes encantados.

— Oi, Anton — Respondi com o máximo de frieza que consegui imprimir em minha voz — Nunca poderia imaginar que você frequenta lanchonetes na periferia da cidade.

— Não foi algo que planejei, eu confesso — Anton falou com um sorriso aberto — Não tinha a menor ideia do que você trabalhava aqui. Aliás, eu acreditava que você ainda estivesse morando em Londres!

Foi doloroso ouvir aquilo. Tocou fundo em uma antiga ferida ainda não cicatrizada. O sonho de estudar em Londres foi apenas isso. Um sonho, que não se realizou. E eu não falo sobre esse assunto.

— Preciso voltar ao trabalho — Eu não desejava ser simpática — Bom apetite.

— Mas não tem nenhum cliente aqui! — Ele protestou.

Típico de Anton achar que é o centro do universo e as outras pessoas podem perder todo o seu tempo para dar-lhe atenção.

— Estou em meu local de trabalho, Anton. Tenho coisas a fazer.

— Mas, Pietra!

Eu lancei um sorriso gelado e voltei para trás do balcão, sem me importar com a sua indignação. Eu não pretendia prolongar aquela conversa e agradeci quando um grupo de pessoas entrou na lanchonete naquele exato instante. Eu não quero voltar ao passado. Não quero relembrar todas as perdas ou pensar em todos os “e se” da minha vida.

Os minutos se arrastaram enquanto eu atendia os clientes com um falso sorriso no rosto, mas não pude evitar sentir o olhar insistente de Anton sobre mim. Era como se ele quisesse decifrar todos os pensamentos que eu tentava esconder.

Enquanto eu mantinha a discrição nas minhas ações, ele parecia não se importar em demonstrar sua curiosidade e interesse. Aquilo me irritava profundamente. Por que ele simplesmente não desistia? Será que não entendia que o passado ficou para trás?

Alguns momentos depois, Anton se aproximou, ignorando minha clara falta de interesse.

— Pietra, você está tão diferente. O que aconteceu? — Ele tentou mais uma vez, buscando abrir uma brecha em minha armadura.

Suspirei, lutando contra o impulso de gritar com ele. Não queria desabafar sobre minha vida, muito menos para alguém que um dia teve um significado importante para mim, mas que agora era apenas uma lembrança dolorosa.

— Não é da sua conta, Anton. As pessoas mudam, a vida acontece — Respondi, mantendo minha voz baixa e controlada.

Anton parecia determinado a não desistir, mas eu também era teimosa. Não estava disposta a me abrir com ele, não depois de tudo que havia acontecido comigo.

— Nós éramos amigos, Pietra! Por que não podemos reatar a nossa amizade, agora que nos reencontramos?

— Acredite, não estou interessado em voltar às amizades de antes — Falei, gélida, na esperança de que ele finalmente entendesse.

Ele pareceu surpreso com minha resposta e seu sorriso murchou um pouco. Talvez ele finalmente tenha percebido que eu não era a mesma Pietra de antes, a garota que acreditava em sonhos e outras bobagens.

— Tudo bem, Pietra. Se é assim que você quer, vou respeitar o seu espaço — Ele disse, parecendo um pouco triste.

Por um instante, senti uma pontada de culpa por tratá-lo daquela forma, mas logo afastei esse sentimento. Ele não tinha ideia do quanto aquela conversa estava mexendo comigo, desenterrando memórias dolorosas e desejos frustrados.

Parecendo desanimado com a minha atitude, Anton enfim decidiu ir embora.

— Até mais, Pietra — Ele disse, seus olhos azuis fixos nos meus.

— Até mais, Anton! — Respondi, dessa vez com um pouco mais de suavidade.

Enquanto ele saía da lanchonete, eu senti um misto de alívio e tristeza. Por um lado, estava contente por não ter que reviver o passado e confrontar todas as expectativas não cumpridas. Por outro, não pude evitar um sentimento de nostalgia e saudade da pessoa que eu costumava ser antes das decepções da vida me moldar.

Enquanto servia um café a um cliente, vó Maria, a dona da lanchonete, se aproximou com um sorriso gentil.

— Aconteceu alguma coisa enquanto eu estava na cozinha?

— Nada fora do comum. Por que?

— Você parece triste.

— Os mesmos problemas de sempre — Eu não estava mentindo realmente.

Ela concordou de maneira compreensiva, como sempre respeitando a minha privacidade. Eu apreciei essa atitude, pois não tinha vontade de abrir seu coração para contar sobre as minhas desilusões.

Maria é uma senhora muito gentil, que me acolheu em um momento de extrema dificuldade e tenho grande carinho por ela. No entanto, Maria tem pensado cada vez mais na ideia de fechar a lanchonete e ir morar com a sua filha no interior, o que me deixaria em uma situação bastante complicada. Esse é apenas mais um dos dramas da minha vida e decidi voltar a minha atenção para o trabalho e não pensar sobre isso agora.

Enquanto eu continuava a atender os clientes, percebi que já estava ficando tarde e que era hora de buscar o Isaque na escola. Avisei a Maria, que concordou com um sorriso e disse que cuidaria da lanchonete até eu voltar. Agradeci rapidamente e me despedi dela com um aceno, antes de sair apressada.

Enquanto caminhava pelas ruas, eu relembrava cada momento em que Isaque sorria, ria, brincava e me enchia de amor. Ele era a luz da minha vida e o motivo pelo qual eu continuava lutando, mesmo nos dias mais difíceis. Lembrei de Anton e mais uma vez tive certeza de que não me encaixaria no mundo dos meus antigos amigos de escola.

Ao me aproximar da escola, avistei Isaque no meio da multidão de crianças. Seu rosto iluminou-se ao me ver, e seus olhos brilharam com alegria genuína. Ele correu em minha direção, me abraçando com força.

— Pietra, você veio me buscar! — Ele disse, sua vozinha doce enchendo meu coração de ternura.

— Claro que sim, meu amor. Sempre virei te buscar — respondi com emoção borbulhando em meu peito.

Isaque segurou minha mão enquanto caminhávamos de volta para casa. Ele começou a contar animadamente sobre o seu dia na escola, e eu o escutava com atenção, sentindo uma mistura de gratidão e amor transbordando em meu peito. Observá-lo ali, tão cheio de vida e inocência, fez com que eu me sentisse profundamente grata por tê-lo em minha vida.

Com essa certeza no coração, voltei ao trabalho, após deixar Isaque no quartinho dos fundos da lanchonete com seus apetrechos de desenho, o seu mundinho particular, até encerrar o expediente e nós pudéssemos ir para a nossa casa, que fica a duas quadras de distância.

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