Capítulo I - Magie
Vi o sol nascer mais uma vez, mesmo que estivesse em um lugar seguro, onde podia descansar e ficar em paz, mas eu não estava conseguindo dormir direito ainda, acordava no meio da noite com um pesadelo e não conseguia dormir mais.
Me levantei não querendo ficar ali remoendo aquilo ou acabaria voltando a pensar naquele monstro que foi meu marido.
Assim que abri a porta do quarto olhei para o corredor procurando por qualquer sinal daquele homem irritante e só sai do quarto quando não o vi por ali.
Alejandro é terrivelmente perturbador em vários sentidos, ele não me deixa em paz, qualquer oportunidade de pegar no meu pé ele é o primeiro a abrir a boca e consigo ver naqueles olhos todo o julgamento dele. Ele não se cansa de me irritar e parece se divertir ainda mais quando vê que estou irritada.
Mas o pior é quando ele banca o cuidadoso e preocupado, não sei como agir com um homem me tratando assim, já é difícil aceitar a bondade da mãe dele, mas um homem é duas vezes pior pra mim.
O barulho das panelas me atrai direto para a cozinha e eu marcho pra lá já sentindo o cheiro do café da Rosa. Mas meu inferno pessoal está bem na minha frente.
O homem está diante do fogão fritando alguma coisa que tem um cheiro muito bom e o pior é que o maldito está usando apenas uma samba canção.
Me encosto no canto da porta aproveitando que ele está ocupado e deixo que meus olhos vaguem pelas costas definidas, a pele bronzeada quase brilhando e se perdendo na samba canção azul, que marca a bunda malhada.
Merda, eu odeio quando ele usa essas coisas, ou aquelas regatas que marcam até os músculos do abdômen malhado dele, parece que quer me provocar totalmente. Mas é estupidez pensar isso já que ele me detesta, todos na verdade me olham de forma estranha e eu sei que mereço isso, já que deixei muita merda acontecer com Sophie enquanto fazia vista grossa para não aumentar meu próprio sofrimento.
Sophie e Rosa parecem ser as únicas que entendem meu lado, e eu sou grata a elas por isso mesmo que eu não mereça. Esse também é o único motivo de eu ainda estar naquela casa, porque depois que eu neguei qualquer ajuda financeira de Sophie, Rosa jurou que me ajudaria a encontrar um recomeço e eu estava adorando aprender a fazer bolos com ela.
— Você planeja ficar a manhã toda aí me olhando, ou vai entrar aqui Barbie? — a voz de Alejandro me despertou no mesmo instante e eu pulei arrumando minha postura e entrando no cozinha de vez.
— Não sei do que está falando, só estava vendo se não ia fazer isso errado. — retruquei mesmo sem saber o que ele estava fazendo e me sentei na cadeira.
No mesmo instante o desgraçado virou colocando um prato de linguiça com ovos na minha frente e me fazendo engolir em seco enquanto eu encarava todo o tamanho que a samba canção deixava evidente de frente.
Droga porque ele tinha que usar aquilo?
— Como se faz ovos e linguiça errado? — ele perguntou ainda parado na minha frente, tornando quase impossível não olhar para outro lugar que não o membro dele desenhado no tecido.
Mas eu pisquei rápido e desviei meus olhos para o rosto dele, antes que o convencido começasse a ter as ideias erradas.
— De você eu não duvido nada, até um copo com água poderia sair errado. — murmurei encarando os olhos azuis ou esverdeados, eu ainda não tinha chegado a uma conclusão de que cor eles realmente eram.
Alejandro ergueu uma das sobrancelhas grossas e forçou uma risada contraindo os músculos do abdômen torneado e atraindo meus olhos diretamente pra lá. Merda! Eu era mesmo muito tonta pra não conseguir me segurar dois minutos antes de olhar pro corpo dele.
— Muito engraçado, logo se vê que não me conhece. — ele deu a volta por trás de mim e eu respirei aliviada por um segundo, antes de sentir a respiração dele na minha nuca. — Se me conhecesse saberia que eu faço tudo uma delícia.
Meu ventre se contorceu e eu prendi a respiração tentando não parecer uma adolescente agitada com um homem bonito por perto.
Mas era como eu me sentia as vezes e a culpa era toda da vida de merda que tive, se tivesse vivido aventuras na minha adolescência não estaria aqui quase babando por um tanquinho.
— Ainda bem que você se ama a ponto de se enganar desse jeito. — falei quando ele finalmente se afastou e eu pude respirar em paz. — Do contrário a única pessoa no mundo que te acharia bom em alguma coisa seria sua mãe.
Me servi já sentindo a fome bater enquanto Alejandro me olhava, com os olhos semicerrados e o corpo encostado no balcão da pia.
— Um dia você vai engolir essas palavras. — ele disse sobre a xícara mantendo os olhos focados em mim.
Eu apenas fiquei quieta, não retruquei dessa vez, porque eu odiava ameaças desse tipo, mesmo que eu não tivesse medo de Alejandro e soubesse que ele jamais faria algo para me machucar, frases daquele tipo me deixavam realmente mal, com a lembranca de um passado tão recente que eu ainda sentia na pele literalmente.
Minha costelas e braços ainda estavam marcados com os machucados da última surra que Charles tinha me dado.
Se eu realmente não precisasse de um lugar para ficar já teria ido embora dessa cidade, nada me prendia aqui e todas as minhas lembranças eram ruins. Mas eu precisava continuar ali ao menos até ter dinheiro suficiente para bancar um lugar só meu.
— Porque ficou calada de repente? — a voz dele soou mais perto e eu ergui meu rosto dando de cara com ele perto de mim.
Agora não tinha um sorriso nos lábios, nem um brilho engraçado nos olhos dele, só havia um vinco entre as sobrancelhas e ele estava terrivelmente sério.
— Bom dia crianças. — a voz da mãe dele me fez piscar rapidamente virando o rosto no mesmo instante para longe do olhar dele. — Aconteceu alguma coisa aqui?
— Não, não aconteceu nada. — respondi rápido antes que Alejandro falasse qualquer outra coisa. — Estava só dizendo pro seu filho como ele faz tudo errado e deixou os ovos queimarem.
Rosa gargalhou quando o filhou começou a me retrucar, mesmo que os olhos dele dissessem que não tinha esquecido que eu devia uma resposta, ele continuou com a provocação deixando o clima se aliviar novamente.
— Vocês dois, tem que parar com tanta implicância ou vão acabar casados. — ela afirmou arrancando risadas de nós dois.
— Ahh claro, como se eu fosse me apaixonar por uma Barbiezinha mimada. — Alejandro falou alto já na porta pronto para sair da cozinha.
— E como se eu fosse querer alguma coisa com um bronco feito você! — gritei de volta enquanto ele sumia das minhas vistas. — Um casamento pra mim já foi trauma o suficiente pra uma vida toda.
Rosa se sentou na minha frente com uma caneta cheia de café e começou a bebericar aos poucos como fazia todos os dias, a mulher tinha o dom de passar uma calma em tudo o que ela fazia e eu a invejava por isso.
— Não pode achar que todos os homens são ruins filha. Te garanto que você ainda vai encontrar alguém que te ame e cuide de você como a coisa mais importante.
Eu queria acreditar nisso, mas não me achava mais digna de ser amada. Algo dentro de mim morreu nesses anos de casamento com aquele infeliz, aquela menina inocente que foi vendida sim merecia ser amada, eu no fim das contas não, era só uma mulher que fez de tudo para manter a boa vida a que estava acostumada, mimada e fútil como Alejandro me lembrava sempre.
Mas não queria trazer esse assunto a tona, ou dona Rosa ia falar por horas e horas sobre como eu era uma vítima em tudo isso e a última coisa que eu queria era começar o dia pensando nisso, já bastava ter meus sonhos invadidos por aquele demônio.
— Estou mais interessada em que bolo você vai me ensinar a fazer. — me levantei no mesmo instante da mesa. — Também tive uma ideia noite passada, acho que já está na hora de começar a sair vendendo. O que acha? Aqui na vizinhança mesmo, nos comércios?
— Acho uma ótima ideia menina! Fico feliz que você esteja assim toda animada.
E foi isso o que eu fiz, prendi os cabelos, lavei as mãos e peguei todos os ingredientes que ela ia falando. Nunca tinha imaginado que seria tão facil assim fazer bolos e muito menos que eu iria gostar de fazer.
Quando eu terminei o bolo de limão e a cobertura coloquei na geladeira enquanto subia para tomar um banho rápido e colocar um vestido leve para sair na rua.
Rosa me ajudou colocando o bolo já cortado nos guardanapos e todos dentro de uma cesta que ela tinha. Eu cobri tudo com uma toalha de piquenique e sai de lá, pronta para ganhar meus primeiros clientes.
Não foi nenhuma surpresa que assim que eu saí no portão meus olhos se depararam com Alejandro, a oficina ficando bem em frente da casa da mãe então era difícil não vê-lo.
— O que tem aí? — o homem que trabalha com ele gritou para mim, só para estragar meu momento em fingir que eles não existia.
— Bolo de limão com cobertura. — respondi erguendo a toalha e deixando que ele pegasse um pedaço.
Alejandro olhou com desconfiança para o bolo e nem ao menos se interessou em provar. Pelo menos o amigo dele comeu soltando gemidos de aprovação.
— Caramba! Isso aqui está dos deuses. Foi você que fez gata?
— Luke, cale a boca e vai trabalhar!— Alejandro gritou chamando a atenção. — Nós dois sabemos que minha mãe que fez esse bolo, você está cansado de comer os bolos dela e já conhece bem.
Eu semicerrei os olhos pra Alejandro e respirei fundo para não mandar ele se foder, já que estava de favor na casa dele não ia fazer isso. Se ele achava que falando aquelas coisas iria me diminuir estava muito enganado, era apenas mais combustível para que eu trabalhasse e pudesse sair da casa deles o mais rápido possível
Então o ignorei e sai de lá pronta pra vender todos os pedaços e voltar com o primeiro pagamento. E foi o que eu fiz, passei de loja em loja, salão,tudo o que estava aberto eu passei oferecendo, assim como as pessoas na rua.
Estava apenas com dois pedaços na cesta quando cheguei em uma pracinha, só aí foi que percebi o quanto tinha ido longe, já não tinha mais comércios por ali, apenas casas e ninguém a vista. Eu estava sorrindo feliz com o que tinha conseguido que nem tinha percebido o quanto andei, nada me abalava mais, nem mesmo os olhares tortos ou o calor escaldante.
— Oi gata, o que você tem aí? — um homem chego por trás de mim me pegando de surpresa.
— Bolo de limão com cobertura. — respondi educada e sorrindo, puxando a toalha e mostrando o bolo como tinha feito com todos.
— Você é a cobertura? — outro homem chegou pelo outro lado me assustando mais uma vez.
Mas logo percebi que os dois estavam juntos e os olhares que lançaram para o meu corpo não foram nada discretos e educados. Eu já estava acostumada com isso, mas não me impediu de sentir repulsa e vontade de gritar e socar os dois. Sempre que as pessoas olhavam para mim só viam uma loira, burra, com peitões e um corpão, ninguém nunca tinha um mínimo de respeito.
— Estou vendendo bolos, se os senhores não querem, por favor me dêem licença. — murmurei com os dentes trincados e me virando para sair dali.
Olhei em volta procurando um lugar onde pudesse correr, ou alguém a quem pedir ajuda, mas tudo estava deserto e eu comecei a me recriminar por ter vindo tão longe em um lugar que eu não conheço absolutamente nada.
Mas então a mão de um deles me agarrou meu braço me puxando para perto deles e ativando um alerta em meu cérebro.
— Estamos interessados sim, mas não no bolo.
— E sim no que a moça tem aí de baixo desse vestidinho. — o outro falou passando a mão na minha bunda.
Eu deixei a cesta cair no chão com o choque e me virei pronta para gritar, mas alguém foi mais rápido do que eu.
O homem que tinha acabado de passar a mão em mim cambaleou para trás, tropeçando nos próprios pés e quase caindo no chão.
— Acho que a moça disse que era pra dar licença pra ela! — Alejandro rosnou com as mãos fechadas em punho pronto para atacar o homem que segurava meu braço.