Essa é a nossa história, um amor unilateral. Eu me pego me lembrando em como os nossos caminhos se cruzaram...
Essa é a nossa história, um amor unilateral. Eu me pego me lembrando em como os nossos caminhos se cruzaram...
Três meses atrás...
Conheci Rashid em um dia chuvoso, uma época difícil da minha vida. Meu irmão tinha acabado de falecer e eu já morava há dois meses em um albergue para mulheres. Local horrível. Havia um banheiro que eu dividia com mais nove pessoas, mas isso nem era o pior. Como se não bastasse tudo isso, eu ainda tinha uma tremenda dívida com o hospital que tratou do meu irmão.
Nesse dia eu dancei como um robô, naquela noite eu fiz o meu papel de odalisca. Diverti os presentes, mas eu não via a hora de sair daquele lugar, queria chorar em algum canto.
Quando terminei o meu trabalho me troquei rapidamente. Eu não tinha predileção por roupas caras nem nada disso. Eu nem sabia o que estava na moda, me vestia de forma desleixada. Agora no papel de odalisca eu sempre passei outra imagem, a de uma mulher linda e exuberante, que sempre chamava a atenção do seu público.
Neste dia eu me lembro de ter vestido uma calça jeans escura, uma camiseta preta e uma jaqueta de couro. Tudo era presente de uma garota que trabalhava no administrativo do restaurante, ela tinha engordado depois da gravidez.
Eu estava no ponto de ônibus com os olhos e o nariz vermelhos, depois de chorar muito no banheiro do restaurante minutos antes, foi quando surgiram três rapazes. Eles sorriram de forma jocosa um para o outro quando me viram.
—Olha aí a odalisca. —Um deles fala para os outros.
Eu desvio os meus olhos dos dele e fecho a cara, ainda que continuasse atenta a todos os passos deles.
O que tinha conversado comigo deu um passo em minha direção dizendo:
—Anjo, quanto você cobra por um programa?
Ah como odeio tipos como ele!
—Eu não faço programas! —Digo cuspindo as palavras.
Ele ri e olha para os amigos.
— Não faz ou pensa que eu não posso pagar? Fala anjo!
—Eu não sou o seu anjo. Só se for anjo do mau.
—Eu posso pagar o quanto você quiser. Qual é o seu valor? —Ele diz já se colocando na minha frente.
—Me deixe em paz. Some! Já disse que eu não faço programa.
Ele me agarra. Eu grito e luto e quando os seus braços me cercaram entro em pânico. Agora eu tenho um criminoso com as mãos nas minhas costas e a outra em torno da minha garganta.
Isso é uma loucura. Ele é imundo!
Eu fecho os olhos e grito. Os rapazes que o acompanham pedem para que ele me deixe ir, mas ele não os ouve. Naquele exato momento eu ouço a brecada de um carro, o som dos pneus rangendo no chão. Logo desce alguns homens e o afastam de mim enquanto os outros rapazes correm.
Um homem usando um terno negro desce de outro carro. Seus olhos são os mais lindos que eu já vi na minha vida. Negros e grandes. Ele tem os traços do meu povo.
Tento manter a calma e o meu estado de normalidade, mas eu então, vejo que um de seus homens tinha empunhando uma arma. Ele aponta para o peito do rapaz.
Eu não quero surtar na frente desse homem, mas está cada vez mais difícil me manter equilibrada. Eles parecem mafiosos. Sinto como se um grande bandido dominasse outro.
—Revistem ele. Vejam se ele está armado. —O som da voz do Adonis, que possivelmente é um homem muito importante quebra o silêncio.
Eles efetuam a revista como ordenado.
—Não chefe, ele está limpo.
Um dos homens dele retira a carteira do bolso de trás da calça do idiota que me atacou e entrega o documento para ele.
—Adam Leah! — Ele diz com a identificação do cara nas mãos. —Se você tocar novamente nesta mulher eu vou te caçar e te castrar. Até no inferno eu sou capaz de acha-lo seu animal, agora você vai sumir da minha frente, antes que eu quebre a sua cara.
Ele coloca a identificação do homem na carteira e a arremessa para que ele pegue no ar, o que o homem faz e logo em seguida corre apavorado.
Ofegando eu o encaro.
— Você está bem? — Ele pergunta e dá um passo à frente.
Não. Não estou...
— Sim, eu estou bem.
Allah! Seu cheiro é maravilhoso.
Ele me olha atentamente, mas não posso culpá-lo já que eu tremo como vara verde.
— Você não me parece bem. Qual é o seu nome?
—Khadija.
—Khadija. —Ele diz, saboreando meu nome. —Você é libanesa?
—Meus avós eram.
Ele ri. É um som profundo e viril, que faz o meu estômago dar cambalhotas.
—Posso te levar para casa?
—Não precisa, mas obrigada. Meu ônibus passa daqui a pouco.
—Já é bem tarde. Você está voltando do trabalho?
—Sim, eu trabalho aqui perto, no Sultan. É um restaurante.
Ele me olha como se nunca tivesse ouvido falar do local. Não é para menos, a julgar pelas suas roupas, ele deve frequentar outro tipo de restaurante, muito mais sofisticados.
—Eu insisto.
Neste momento eu vejo o meu ônibus passar.
—Não precisa. Aí está o meu ônibus. —Quando já ia dar o sinal ele ultrapassa os dois carros que pertencem ao meu salvador, que estão estacionados na frente do ponto de ônibus, e passa direto. —Khara!
—Vem comigo. —Ele diz todo mandão, como se não quisesse ser contrariado, já colocando a mão no meu braço e me conduzindo até o seu enorme sedã preto.
Um dos seus seguranças abre a porta para mim. Com um suspiro eu deslizo para o interior do veículo. O Adônis se acomoda ao meu lado. Quando seu segurança fecha a porta os seus olhos procuram os meus. O carro tem o mesmo cheiro do dono. Seu perfume almiscarado faz a minha respiração engatar.
O carro começa a deslizar suavemente e eu recosto no encosto macio, apreciando o conforto do carro quentinho. Meu coração bate apressadamente. Eu estou consciente da presença deste homem charmoso ao meu lado, do seu corpo rígido e musculoso. Perturba-me ter que admitir tudo isso, mas desde que eu o avistei, me sinto estranhamente atraída por ele.
Eu viro a minha cabeça em sua direção, nessa hora ele me pergunta:
—Quantos anos você tem?
—Vinte e cinco. —Digo tentando controlar a minha respiração.
Ele ergue as sobrancelhas surpreso, passando os olhos por mim, pelas minhas roupas novas e pelo meu rosto ainda maquiado. Hoje eu saí do restaurante correndo sem sequer retirar a maquiagem, certamente está toda borrada pelo choro.
—Não parece. Você parece ser muito mais nova.
Eu dou um fraco sorriso.
—Que bom.
Ele inclina a cabeça para o lado e me olha como se estivesse tentando descobrir alguma coisa. Já eu, estou muito ocupada, tentando controlar os meus nervos que querem se transformar em um terremoto. Eu já tinha cravado as minhas unhas com profundidade na minha pele, cerrando os punhos para parar de tremer.
—Eu estou me perguntando se você é algo diferente de uma garçonete? O que você diz sobre isso?
—Eu não sou uma garçonete.
Seus olhos negros ainda estão fixos em mim. Ele parece estar se divertindo, e essa sua diversão o faz parecer enganosamente amigável. Ele tinha genes notáveis no departamento beleza.
—Eu sabia! O que você faz então?
Eu balanço a cabeça, tentando sufocar a minha irritação.
—Sou dançarina.
O motorista desce o vidro que nos separa.
—Para onde vamos? —Ele pergunta.
—Av. Collins.
Eu não passei o número da casa. Eu tinha vergonha do local em que eu morava. Resolvi que era melhor ele me deixar na esquina.
Volto os meus olhos para o cara mais lindo que eu já vi, e que me observa o tempo todo. Consigo ver na meia luz que vem da rua e ilumina o interior do carro, o brilho malicioso nos seus olhos e o sorriso nos cantos dos lábios, isso me irritou um pouco. Infelizmente a todo momento eu encontro homens como ele, que associam a dança com outra coisa.
—Que tipo de dança? —Ele pergunta de repente.
—Dança do ventre.
Seus olhos brilham.
—Verdade?
Assinto para ele e respiro profundamente, fugindo dos seus olhos.
—Está explicado porque tem um corpo tão bonito.
Eu o encaro.
—Obrigado. —Digo secamente.
—Trabalha durante o dia? Estuda?
Começo a achar estranho um homem como ele se interessar por mim. Penso na sua pergunta.
—Não. Há pouco tempo meu irmão estava hospitalizado com câncer. Nos últimos dias ele piorou muito e eu precisei largar tudo para ficar com ele. Ele acabou falecendo.
Lágrimas picam os meus olhos com o surgimento das lembranças. Um nó se aloja na minha garganta, querendo me sufocar. Eu inspiro profundamente para impedir que elas comecem a cair novamente.
—Sinto muito.
Eu aceno um sim e desvio os meus olhos dos dele. O carro entra na minha avenida.
—Onde Senhorita? —O motorista pergunta.
—Pode parar aqui.
O motorista joga o carro para o meio-fio e para.
—Bem, mais uma vez obrigada.
—Não precisa agradecer, foi um prazer. —Ele diz com um sorriso lindo, aberto e misterioso.
Eu me sinto atraída por ele, provavelmente como todas as outras mulheres indefesas que ele salvou antes de mim, todas vulneráveis e prontas para explorá-lo. Subitamente o medo me assola, mesmo assim, não consigo me afastar daqueles olhos negros, ainda que eu tente. Ele também me bebe com o seu olhar hipnotizante.
—Adeus e boa noite. —Digo quando as portas são destravadas. Eu saio do carro e piso na calçada, achando que nunca mais eu o verei na minha vida. Eu sequer sabia o nome dele. Ledo engano....
No dia seguinte eu vou trabalhar. Visto o meu traje para dançar. Um biquíni branco com adereços e véus presos a ele. Maqueio o meu rosto como de costume, reforçando mais a área dos olhos com uma sombra escura, lápis preto, e delineador.
Hoje me parece uma daquelas noites em que absolutamente nada fica fora do lugar. Passo os olhos pelas mesas baixas nos clientes sentados em almofadas. Homens sozinhos, famílias inteiras, homens e mulheres acompanhados. Estaco quando eu o reconheço. Na última mesa à direita está sentado o meu salvador, que tem a sua atenção voltada exclusivamente para mim.
Os refletores se acendem, me envolvendo, e o palco se enche de suaves nuvens de fumaça. Eu ergo os braços e coloco uma das minhas pernas torneadas para frente, algumas pessoas assobiam com o meu gesto.
Assim que a música Laily Lail de Mario Reyes e Carole Samaha se inicia eu começo a dançar, mexo freneticamente as minhas pernas e quadris. Agora eu não sou mais uma mulher comum, eu visto o personagem, eu sou Khadija a odalisca.
Segundo o meu chefe, é a minha dança, o meu sorriso e talento que conquistam as pessoas. Logo o público começa a bater palmas e se contagiar com a minha dança.
Vestido todo de negro, aquele homem que me ajudou destoa do local com o seu terno caro. Ele me observa quase imóvel, só se move para bebericar o seu drinque. Não percebo sinais de fraqueza, apenas força irradia deste homem.
Danço mais duas músicas, Hanine Arábia e Artem Uzunov - Melody Of Heartbeat, todas elas agitadas, ao terminar já estou quase sem fôlego, finalizo o show com os braços para cima e o queixo erguido.
As palmas explodem em minha direção, e eu abro os meus olhos e sorrio, me inclinando para o público dou de cara com os olhos negros daquele homem, me encarando, de forma muito séria, como se desprezasse o que eu faço.
Se não gosta por que veio? Eu me questiono.
Saio do palco sob fortes protestos. Logo um rapaz que toca violão e canta assume cantando uma música de Tamer Hosny Dayman Maak (sempre com você) e o público se aquieta para ouvi-lo.
Sigo até o camarim improvisado e depois entro no banheiro. Tiro a roupa da apresentação e coloco a mesma roupa que eu usei ontem. Calça jeans, camiseta preta e jaqueta de couro.
Entro no camarim e vejo Heloísa, ela está colocando um vestido longo para cantar logo mais.
— Está quente esta noite, não acha? — Ela comenta.
— Não, é esse camarim que é apertado demais. Lá fora está gostoso.
Ela olha com desagrado para o seu reflexo no espelho.
—Verdade. Deve ser isso mesmo. —Ela me olha e diz: — O restaurante deve estar lotado, ouvi daqui as palmas que você recebeu.
— Sim, está cheio de gente.
Heloisa me olha através do espelho da penteadeira e comenta:
— Você está terrivelmente magra, precisa reagir.
Reagir!? Não é só a perda do meu irmão que está me abatendo, minha vida também está desestruturada, isso sem contar a grande dívida que eu tenho nas costas.
— Eu sei. — Respondo e sorrio tristemente.
— Vai surgir alguma coisa — Heloísa diz otimista. — Você vai estar trabalhando logo, logo.
—Assim espero, tenho saído na parte da manhã para entregar currículo.
Com a minha vida difícil não tive oportunidade de me especializar em profissões de destaque. Então eu me candidato para todo o tipo de trabalho, de lavadora de pratos a camareira ou recepcionista.
Observo a Heloisa, ela não precisa se preocupar pois seu marido tem um emprego fixo.
— Bem, já vou indo. — Eu digo, encarando-a pelo espelho.
O camarim é minúsculo, não há espaço para duas penteadeiras diante do espelho, o que nos obriga a revezar.
Por isso eu sempre saio maquiada, os meus olhos ainda estão bem delineados e as pálpebras pintadas de cinza.
A maquiagem não me deixa mais velha, eu tenho os traços delicados, as maçãs do rosto bem marcadas e o nariz afilado com a ponta levemente arrebitada. Minha pele sob a pesada maquilagem do palco é branca e macia, sem manchas, tenho lábios cheios e bem desenhados.
—Se quiser tirar a sua maquiagem eu não vou me demorar.
— Não, tudo bem. Pode ficar tranquila.
Neste momento ouço alguém bater na porta. Resolvo abri-la e me deparo com um menino que segura um buque gigante de rosas vermelhas.
—São para a Khadija.
—Para mim!? —Eu pisco sem acreditar. —Obrigada.
Pego as flores dos braços do garoto e fecho a porta.
—Hum, temos mais um fã. —É muito comum recebermos flores, mas não tão exuberantes assim. A pessoa deve ter gasto uma fortuna!
Meu coração se agita com esse pensamento. Minha intuição me diz que elas foram entregues a pedido do homem que me ajudou. Eu procuro por um cartão e o encontro preso ao papel transparente que envolve as flores.