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Capítulo 8

Quando o sino tocou, saí da aula e fui para o meu armário sem parar para falar com ninguém. Não estava com vontade. Eu me sentia inconstante demais para puxar conversa. Eu poderia ter passado do choro histérico para a vontade de matar toda a raça humana em um piscar de olhos. Esqueci como a briga que se seguiu foi traumática.

Beth passou o braço em volta dos meus ombros quando fechou a porta do armário, levantando do chão a pasta cheia de cadernos de estudo. - Tem certeza de que está tudo bem, Samuel? Se quiser, Eve e eu podemos ir para sua casa ou você pode ir com um de nós. - Depois que me viram voltando para a aula com Takeru Ogawa, com uma bolsa de gelo no rosto, eles ficaram muito assustados. Não tiraram os olhos de mim durante as duas horas seguintes e somente na troca de aula conseguiram se aproximar para me fazer perguntas, quando o inchaço já havia diminuído, mas a vermelhidão havia aumentado.

Meu rosto era um mapa vermelho de hematomas que, em questão de dias, me transformaria na perfeita esposa de Frankenstein.

- Sim, sim... Eu lhe disse: estou bem. - E era verdade. Com exceção da dor após a surra, eu estava bem.

O tormento que continuava a corroer meu coração e meu fígado vinha de um problema completamente diferente.

Droga, tenho que me apressar! Tenho que correr para casa para encontrar uma.... bem, uma casa.

Aí está você! Encontrar outro apartamento havia se tornado minha nova obsessão, meu eterno pesadelo. Não havia um momento em que eu não estivesse pensando nisso, um momento em que eu não estivesse fazendo uma contagem regressiva cada vez mais alarmante em minha cabeça.

- Tem certeza? Se quiser, nós vamos com você. Quero dizer... três deles, aqueles caras feios vão ficar chateados, certo? -

Eu sorri para os dois. Apreciei o interesse delas, mas tinha certeza de que, se a fera e seus amigos voltassem, certamente não seriam Beth e Eve que me salvariam de mais surras. Eu não queria envolvê-las mais do que já estavam. Provavelmente, o simples fato de estarem perto de mim as tornava alvos em potencial.

Eu não havia pensado nisso. Condenação!

- Não se preocupem, meninas. É um assunto encerrado. - Eu não tinha certeza absoluta de que realmente era, mas confiei em minha sorte. Então, logicamente, os meninos voltariam a aparecer em breve. De qualquer forma, eu lhe disse que tenho um azar que me consome. - Você vai ver que eles não vão mais me incomodar. - Eu continuava dizendo a ela, mas também não acreditava.

Eve, que até então havia permanecido séria e silenciosa à distância, assentiu e franziu a testa. -Mas qual foi o motivo de sua intervenção? Quero dizer... Você fez tudo isso por causa daquele japonês? -

-Takeru Ogawa. O nome dele é Takeru Ogawa. - Me irritava o fato de eles não se lembrarem do nome ou, pelo menos, fingirem que não se lembravam. Ogawa tinha um nome, um sobrenome, uma identidade. Não era tão difícil de lembrar. Certamente havia nomes japoneses que eram muito mais difíceis de lembrar.

- Sim, bem... tanto faz. -

Sacudindo o ombro, eu me libertei do aperto de Beth. - Não sei por que fiz isso. - Olhei para eles, primeiro para um e depois para o outro. Por que os pensamentos deles não podiam girar em torno de si mesmos? Por que eles nunca pensavam nos outros? Às vezes, eles eram tão egoístas que eu ficava surpreso. - Você não teria intervindo se visse alguém em apuros? -

Essa pergunta os silenciou. Eles se entreolharam e, balançando no local, me deram um dos sorrisos mais plásticos e falsos que eu já tinha visto.

Não, o Sr. Lattner faz mais falsificações. Eu pensei.

- Você tem razão. Me desculpe, Samuel. - Beth deu um tapinha em meu braço e se afastou, olhando para a saída. - Bem, então estamos indo embora. Tente ser cuidadoso, ok? -

Eu apenas assenti e deixei que elas me deixassem para trás enquanto eu saía correndo da Faculdade Missan. Olhar para as costas deles me fez acreditar que logo nossos caminhos se separariam. Eu realmente não sabia o motivo desse pensamento, no entanto, tinha certeza de que nossa amizade iria se esvair, até desaparecer.

Nunca fomos compatíveis, mas parecia que nos encaixávamos bem.

Andando como se alguém tivesse enfiado uma vassoura na minha bunda, caminhei pelo corredor, xingando a cada passo. Foi tudo graças à besta e ao seu gancho sensacional no meu lado que agora eu estava lutando mais do que uma mulher de noventa anos.

- Eu sabia que ia doer para andar. - Ogawa, ou melhor, não o Takeru, me olhava de pé perto da porta que levava à saída. Seu rosto também estava em mau estado, sem falar no lábio. Ele sorriu para mim e imediatamente se arrependeu, enquanto enrugava o nariz de dor. - Venha, vamos embora. - Ele esticou o braço, pegou minha pasta e a pendurou no ombro, depois, com a outra mão livre, envolveu minha cintura, segurando-me.

Tão apertados que poderíamos facilmente ter passado por um casal de pombinhos determinados a flertar.

“Takeru... nós nos parecemos...” Eu o encarei sem terminar a frase.

Não demorou muito para ele entender o que eu queria dizer, seu rosto ficou imediatamente vermelho e ele cerrou os dentes. - Cala a boca, estúpido. Não me faça pensar sobre isso. É embaraçoso nos tocarmos em público. -

- Por que não seria em particular? - Eu lhe dei um olhar malicioso e ele teve um ataque de tosse.

Então, ele começou a balbuciar coisas sem sentido: - E - bem... em particular é - é... mas então, acabamos de nos conhecer e eis que... lá vai... para - talvez seja um pouco... pré -.

- Eu estava brincando! - assegurei-lhe antes que ele explodisse. Ele era tão desastrado que eu teria gostado de vê-lo passar por mais algumas daquelas justificativas sem sentido, mas fiquei com pena dele e decidi salvá-lo. Depois do grande dia de merda, pelo menos dessa vez, eu o teria perdoado. - Eu estava brincando! -

Seu rosto mudou de tom de vermelho e ele rapidamente colocou os óculos no nariz. - Stu - estúpido. -

- Você é estúpido. -

- Nota.

Nós dois estufamos as bochechas como duas crianças em uma discussão boba e infantil e depois caímos na gargalhada.

- Tudo bem... a verdade é que me sinto muito estúpido. -

Apertei sua mão que estava fechada ao meu lado e senti-la fria como mármore me fez sorrir. A agitação sabia como pregar peças. Talvez fosse mesmo a primeira vez que eu tocava uma garota. - Eu também, para ser sincero... mas não posso deixar de me sentir feliz por finalmente ter conseguido falar com você. -

Ele parou de repente e se virou para olhar para mim. Ele era mais alto do que eu e, ao me segurar daquele jeito, ele se inclinou, como se estivesse prestes a me comer. - Você está falando sério? -

Acenei com a cabeça. - Sim, estou. Sempre fiquei intrigado com você, mas não sei... nunca tive coragem de me aproximar e começar uma conversa. -

Ele pareceu surpreso, com as bochechas vermelhas como cerejas. - R - Eu também... quero dizer... eu também queria conversar com você, mas achava que não gostava de você. Eu o via olhando para mim com frequência, mas... você sempre parecia irritado. -

Eu ri. - Acho que essa é a minha expressão habitual. -

Essa minha confissão finalmente pareceu dar o impulso certo ao relacionamento que eu queria criar com ele há meses. Takeru apertou meu quadril com mais força e sorriu gentilmente para mim. - Então, digamos que eu não levei nenhuma surra hoje. -

Por mais absurda que fosse, parecia uma declaração muito mais doce do que dezenas e dezenas de declarações que eu havia recebido no passado. Era estranho como nós dois nos sentíamos atraídos um pelo outro e, ainda assim, estávamos fugindo desse conhecimento. Parecia quase como se o destino tivesse nos forçado a cruzar o caminho um do outro. - Sim, parecia... que realmente precisávamos de uma briga para conversar. -

Ficamos em silêncio, continuando a caminhar com firmeza naquele aperto. Meu lado doía, mas não tanto que eu precisasse daquele tratamento preferencial. Digamos que fiquei assim mais por medo de que, ao sairmos, inevitavelmente nos afastássemos novamente. E eu não queria isso.

Takeru me deu a ideia daquela balsa resistente que, apesar de todo o clima, o levaria até o fim da jornada. É estranho dizer isso, mas eu a via como uma espécie de porto seguro e não conseguia nem explicar por que me sentia assim. Era apenas o jeito que era.

Uma garota passou rapidamente por nós, de braços dados com duas amigas e falando tão alto que era impossível ignorá-la. -Você viu aquele cara lá fora? Oh, meu Deus... Quem ele está esperando? -

A amiga soltou uma risada cristalina e sedutora, do tipo que eu realmente não suporto e que pode me dar dor de cabeça imediatamente. - Eu o vi! Eu também o vi! E então... ele tem uma trança tão longa... e olhos tão cinzentos! -

Instintivamente, estendi a mão e agarrei um dos três pelo ombro. - O que você disse? -

A garota olhou para mim atordoada, como se estivesse me culpando, e depois apontou para a porta da escola. - Tem um garoto lá fora... muito legal. Ele está esperando por alguém, não é da Missan, é bem mais velho. Tem cabelos pretos em uma longa trança, olhos cinza-gelo que parecem irreais e ...

“E um brinco de pena... e o hábito de fazer balões com goma de mascar”, terminei para ela.

Ela olhou para mim com surpresa, com os olhos grandes como bolas. Ela simplesmente assentiu com a cabeça e só então soltei seu braço.

Quando me virei para Takeru, ele pareceu entender imediatamente o que eu estava prestes a lhe dizer, tanto que abriu os braços, soltando-se e se distanciando um pouco. - Desculpe, mas tenho que ver alguém - foi tudo o que eu disse, descarregando minha pasta e caminhando em direção à saída no ritmo mais rápido que podia naquele momento.

E eu o vi. Ele estava lá.

Encostado na parede da cerca da Missan, enquanto estourou outra bolha de chiclete.

Vê-lo era como respirar fundo um pouco de ar fresco ou beber de uma corrente de água fresca. Percorri o último trecho que nos separava, quase correndo, com os braços estendidos e um sorriso no rosto que eu não conseguia fazer desaparecer. -Adam! gritei, agitando os braços. Uma dor no meu lado me fez ver estrelas. Por um momento, senti falta de ar.

Assim que chegamos perto o suficiente, ele me agarrou e me levantou do chão com um giro. - Ah, Samuel! Samuel! Samuel! Samuel! Samuel! - Senti que ele deixou um rastro de beijos na minha cabeça enquanto me abraçava com carinho. - Senti sua falta. Senti muito a sua falta. -

Embora só tivessem se passado três meses, era incomum ficarmos separados por tanto tempo. Éramos o exemplo de irmãos que primeiro se torturam com provocações e depois se desesperam com a separação. Adam era minha força, minha tábua de salvação, meu herói. Cinco anos mais velho do que eu, ele sempre desempenhou o papel de irmão mais velho e talvez até de pai. Ele sempre cuidou de meus ferimentos: físicos, bem como do coração e da alma. Ele nunca me mimou, mas nunca me faltou nada.

Quando nos separamos, ele deu um passo para trás para me ver melhor e sua expressão radiante mudou em um segundo. Era como acender e apagar uma luz. Em um momento ele estava feliz e no outro não.

Ele levantou a mão e tocou os hematomas que estavam lentamente começando a aparecer em meu rosto. -Samuel Quinto! - Embora ele não tenha dito mais nada, aquele tom desapontado e triste foi mais doloroso do que uma surra.

Abaixei a cabeça, procurando em minha mente as palavras certas para explicar toda a situação a ele, para lhe dar o motivo certo pelo qual eu havia quebrado minha promessa a ele. - Adam, não é o que parece. -

Ele não me deu tempo para falar. Seus braços caíram ao lado do corpo e seu olhar ficou vazio, preenchido com aquela decepção que eu conhecia muito bem e que poderia me machucar mesmo sem palavras. - Você prometeu, Samuel. Você me prometeu”, sua voz saiu baixa, mansa.

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