Nova Tentativa
Cinco Anos Depois
Othon Arraes
Olho pela janela da minha nova casa, perdido em pensamentos. Reflito sobre as reviravoltas, ou melhor, a ausência delas nos últimos seis anos da minha vida. Uma sensação de estagnação parece ter se instalado, como se o tempo tivesse decidido congelar justamente no momento em que Karen, aquele nome que ecoa em minha mente, desapareceu sem deixar rastros.
Aceitar a posição de diretor no maior hospital de Curitiba foi, de certa forma, uma tentativa desesperada de introduzir alguma mudança significativa em minha existência. Sinto-me cansado, não apenas fisicamente, mas também dessa busca incessante pela mulher misteriosa que se tornou a protagonista de minhas lembranças mais vívidas.
Aquela noite em Fernando de Noronha foi um divisor de águas. A sensação de não ter mais do que um nome para buscar é sufocante. Cada esquina de Curitiba parece carregar a expectativa de encontrá-la. Mas como procurar alguém quando tudo que tenho é uma lembrança intensa e um nome solto ao vento? Suspiro profundamente, ciente de que as respostas que procuro não estão além daquelas árvores frondosas que se destacam contra o céu claro.
Bart se aproxima, abanando o rabo com alegria, e eu não consigo conter um sorriso ao vê-lo. Acaricio o pelo macio do meu grande Labrador Retriever, pensando nas razões que me levaram a trazê-lo para minha vida. Ele era, sem dúvida, uma extensão dos meus devaneios apaixonados por Karen, a mulher que transformou uma única noite em um eterno mistério.
Em um desses devaneios românticos, imaginei o quão perfeito seria construir uma família ao lado dela, e claro, de nossos filhos. Infelizmente, esse sonho se desvanecia a cada dia que passava. Karen continuava sendo uma incógnita.
— E aí, Bart? Que tal um passeio? — brinco com ele, percebendo a animação em seus olhos caninos.
Sem esperar uma resposta, pego uma camisa de corrida e meus tênis. O desejo de explorar a vizinhança me envolve, uma forma de dissipar os pensamentos que teimam em me atormentar. Enquanto amarrava os cadarços, sinto a energia contagiante de Bart ao meu lado, pronto para nossa pequena aventura pela nova vizinhança.
Abro a porta e o frescor do ar da noite me recebe. Bart sai disparado, e eu o sigo, sentindo uma estranha expectativa. Enquanto caminhamos pelas ruas tranquilas, percebo que, mesmo que o sonho de uma família ao lado de Karen se distancie, a companhia fiel de Bart torna essa jornada um pouco mais suportável.
Enquanto passeio com Bart, percebo que a vizinhança está surpreendentemente movimentada, mesmo à beira da hora do jantar. Crianças brincam animadamente em frente às suas casas, e o fluxo de carros é quase inexistente. Um sorriso involuntário se forma em meu rosto ao constatar que a escolha do corretor foi acertada; encontrei exatamente o que buscava: um lugar agradável e seguro para uma futura família.
É verdade, no momento, minha vida não se encaixa no típico modelo familiar. Ainda não. Mas eu não perdi as esperanças de encontrar Karen. E quando esse reencontro finalmente acontecer, teremos este lugar encantador para chamar de lar.
Bart corre entusiasmado à frente, e eu absorvo a atmosfera acolhedora do bairro. O otimismo cresce em meu peito, e a ideia de um futuro com Karen e, quem sabe, com nossos filhos, parece mais perto do que nunca.
De repente, Bart se aproxima de um pequeno garoto que brinca tranquilamente com sua bicicleta. Sua cauda balança de um lado para o outro, ansioso para participar da diversão. Observo a cena com curiosidade, notando que o garotinho, franzino e aparentemente com uns seis anos, está sob a vigilância atenta de uma senhora mais velha, que observa Bart com um olhar desconfiado.
Bart, cheio de energia e entusiasmo, tenta chamar a atenção do menino, correndo ao redor dele e latindo suavemente. O garotinho, inicialmente surpreso, logo se encanta com o jeito brincalhão de Bart e começa a rir, pedalando ao lado do Labrador Retriever.
A senhora, no entanto, mantém sua expressão desconfiada. Aproximo-me, sorrindo para tranquilizá-la.
— Olá! Desculpe qualquer incômodo. Este é Bart, meu fiel companheiro. Parece que ele encontrou um novo amigo aqui!
A mulher relaxa um pouco diante da explicação, mas permanece observando-nos cautelosamente. Enquanto o garotinho e Bart continuam a brincar, percebo que a desconfiança inicial aos poucos se transforma em um leve sorriso. Talvez, nesse lugar agradável e seguro, este seja apenas o início de novas amizades, inclusive para Bart e para mim.
A senhora, observando-nos com curiosidade, decide quebrar o gelo.
— Você é novo por aqui, não é mesmo? Nunca o vi passeando com um cachorro antes. Devo presumir que adotou esse amigão recentemente?
Dando uma risada sincera, aprecio o senso de humor dela.
— Bart e eu somos uma dupla relativamente nova nesse negócio de passeios aqui no bairro.
A senhora sorri, e eu me dou conta de como ela parece ser uma pessoa bastante amigável. Percebendo minha falha, me apresso em me apresentar.
— Desculpe-me por não ter me apresentado antes. Sou Othon Arraes, acabo de me mudar para a casa 210. É um prazer conhecê-la.
Ela aceita minha mão estendida calorosamente.
— Margareth, moro no 220. Seja bem-vindo à vizinhança, senhor Arraes.
Antes que ela possa concluir sua saudação, o garotinho, que até então brincava ao lado, parece perceber a interação entre nós e se aproxima. Estendendo a mão, ele sorri com inocência.
— Oi, sou o Otávio! Margareth é minha avó.
O gesto espontâneo de apresentação e o sorriso de Otávio é contagiante, e fico completamente encantado com a desenvoltura do pequeno garoto. Repito minha apresentação, agora direcionada a ele.
— Prazer, Otávio. Sou o Othon. E que bicicleta incrível você tem aí!
Otávio, visivelmente empolgado, me conta animadamente que está dando uma volta de bicicleta enquanto espera a mãe voltar do trabalho. Um caloroso sorriso se forma em meu rosto, mas não sinto nenhuma faísca de interesse em saber mais sobre a mãe de Otávio.
— Que legal, Otávio! Aproveite bem o passeio. Eu e Bart vamos continuar nossa caminhada. Quem sabe nos encontramos novamente por aqui?
Como se soubesse da minha necessidade de continuar, Bart, com sua típica sagacidade canina, tenta chamar minha atenção. Sorrio para Otávio e sua avó, Margareth, antes de me despedir.
— Até mais, Otávio! Até logo, Margareth!
Retomamos nossa caminhada, Bart ao meu lado, e sinto um alívio tranquilo. À medida que nos afastamos, permito-me refletir sobre a agradável surpresa que foi conhecer Margareth e Otávio. Em meio às sombras dos meus devaneios sobre Karen, esses encontros inesperados na vizinhança começam a preencher meu coração com uma sensação de calor e pertencimento.