Capítulo 03
Isabel Dominguez
Para alguns eu era somente uma sonhadora, um tanto quanto bobinha. E o que tinha de errado em ser assim? Nunca existiu um manual falando de como poderia ou não viver minha vida! Valorizava ao máximo todos os momentos, até porque não tinha certeza se o amanhã estaria lá. Pessimista? Talvez! Mas não era à toa, não mesmo! Fiquei órfã ainda criança. Minha mãezinha foi tirada de mim de forma brutal em um acidente de carro, justo no meu aniversário. Por sorte e benção sempre tive meus avós que me amavam muito. Eles cuidaram de mim, o fruto do que restou da filha deles. Amava muito meus avós, e os admirava por sua força em meio a dor terem conseguido criar uma criança pequena. Não considerava o homem que abandonou minha mãe grávida como pai, sequer tinha interesse em conhecê-lo um dia. Por que ele me procuraria? O tempo havia passado e não tinha mais nada de mim que ele poderia obter, nem minha compaixão.
Era mais um dia de trabalho, aliás, mas um dia em que costumava conversar com quem nunca contaria meus segredos.
— Dona Glória, sua maquiagem ficou perfeita! Minha nossa, estou orgulhosa de mim mesma! Uma pena que não posso ouvir da senhora um obrigada. Não se preocupe, entendo que na posição em que se encontra é impossível! Não pense que estou falando sozinha! Tenho você aqui comigo agora!
Se eu trabalhava em um salão de beleza? Errado! Eu trabalhava em uma pequena funerária como maquiadora da última viagem. Entendem? A viagem eterna para debaixo da terra! Lamentavelmente, meus clientes não aproveitavam do meu bom gosto com as maquiagens! Às vezes tinha curiosidade em saber o destino de cada um deles que passavam pela funerária, como não tinha como saber exatamente, esperava que a maioria fossem para um bom lugar.
Após concluir meu trabalho muito bem-feito e quase profissional... Eu, convencida? Hum, um pouquinho! Continuando! Terminei meu serviço com Dona Glória e fui dispensada pelo meu chefe. Meu trabalho era apenas preparar o visual deles antes de serem entregues para a família. Não era exigido mais do que isso e também não era todos os dias que alguém partia pro outro lado. Tinha dias que eu ficava apenas em casa de bobeira. Jamais desejei que alguém morresse pra mim ter o que fazer, não pensem isso!
No momento que cheguei em casa depois de uma caminhada relativamente curta, comecei a procurar pela minha avó. Quando a encontrei, anunciei da melhor forma minha presença.
— Cheguei, vovó linda! — disse lhe dando um abraço e um beijinho no rosto. Ela e o vovô eram tudo pra mim. Demonstrava todo meu amor por eles quase o tempo inteiro. Se eu era um grude? Sim, com certeza!
Minha avó aparentava ser mais jovem do que realmente era. Ela costumava usar calças jeans modernas e cuidava muito bem dos seus lindos cabelos castanhos ondulados. Vovô costumava dizer que a maior de suas paixões eram seus lindos olhos azuis. Os dois se amavam tanto, tudo que desejava era ter um amor como o deles, duradouro e verdadeiro.
— Filha, pensou sobre o seu aniversário? — vovó perguntou, atenta na minha resposta.
Ela tinha tocado na palavra que não deveríamos voltar a falar: Aniversario. Meu aniversário era uma data triste, representava o falecimento da minha mãe. Eu não tinha quase lembranças dela, ainda assim doía muito sua ausência.
— Já conversamos vovó. Eu não comemoro e a senhora sabe. — respondi, puxando uma das cadeiras da mesa, sentando em seguida. Passei uma das mãos pela borda da toalha de mesa querendo me acalmar.
— Isabel, você tem que seguir em frente. Por que ser triste em todos os seus aniversários? Filha, sua mãe não gostaria de te ver triste assim. — disse ela, tocando meus cabelos com carinho.
— Como a senhora pode me pedir uma coisa dessas? É a data que a perdemos para sempre! Às vezes penso que a culpa seja minha... — murmurei, engolindo o choro. Por causa de um presente de aniversário para mim ela perdeu a vida.
— Já conversamos diversas vezes, de que você não tem culpa alguma, querida.
— Por que aquele bêbado cruzou o caminho da mamãe? Por quê? Eu não entendo! — alterei um pouco a voz, e soquei a mesa com força. O desgraçado nunca foi preso, meus avós e eu nem descobrimos quem era ele. Justiça? Nenhuma! Tudo que sabíamos era que alguém com muito dinheiro tinha dado um jeitinho em tudo.
— Não guarde rancor no seu coração. Por que julgar? Não sabemos os detalhes do acidente...
Uma lágrima solitária escorreu pela minha bochecha direita. Como ela conseguia perdoar o assassino da filha? Como? A partir do momento que aquele homem resolveu sair em alta velocidade embriagado, deveria estar ciente que poderia causar algum acidente.
Como eu poderia comemorar meu aniversário? Logo na data em que a minha pobre mãe faleceu? Não queria festa alguma, mesmo que fosse somente um bolinho e umas velinhas. Meus dezoito anos seria como todos os aniversários anteriores de solidão e oração.
Depois da conversa difícil com vovó fui para meu quarto. Olhei meu telefone e tinha muitas ligações perdidas da minha amiga Luísa, retornei e ela exigiu um encontro com urgência fora da minha casa. Fiquei preocupada, algo muito grave poderia ter havido. Precisei sair escondido do meu avô, ele não gostava muito das minhas saídas sem explicações.
Marcamos de nos encontrar debaixo de uma árvore que costumávamos brincar quando éramos crianças. Quando a vi me aguardando, meu coração até apertou, pois sua feição não era das melhores. Depois dela me contar todo o corrido mal pude acreditar.
— Ficou louca, Luísa? Ele é o professor da sua irmãzinha! — passei um sermão naquela loucura dela. Tinha tantos garotos na nossa cidade, e ela estava querendo um professor da escolinha da irmã.
Os pais dela tinham uma pousada. Nossa cidade tinha lindas paisagens naturais e com frequência era visitada por turistas de todos os lugares. Minha amiga costumava ajudar na pousada com os turistas. Um dia cheguei a pensar que ela pudesse até mesmo namorar um deles.
— Amiga, ele é lindo, perfeito, maravilhoso! — toda aquela empolgação sem cabimento, me fez dar um tapinha leve em suas costas, quis trazer de volta seu cérebro pra cabeça.
Luísa era uma morena de um corpo escultural e de uma beleza de deixar muitas no chão, apenas queria que ela se valorizasse mais.
— Para com isso, Lu! Pode parar, por favor? Esqueceu que ele é o professor da sua irmã? Isso vai acabar mal se ele te dê esperanças!
Tentei aconselhar, no entanto, ela fez foi rir da minha cara.
— Isabel, estou apaixonada! Que homem! Nossa senhora dos foguetinhos me entende, tudo que sinto, eu pego fogo perto dele. Você não sabe o que é isso, por não ter experiência. Sinto vontade de agarrá-lo e não soltar nunca mais!
Por que ela tinha colocado os olhos naquele professor? Eu sabia quem era e não achava que combinavam em nada. Era errado caso surgisse uma relação entre eles.
— Olha pra mim! Para com isso enquanto é tempo, entendeu? — disse tocando seu rosto com as duas mãos.
Minha amiga me empurrou contra a árvore. Ela não gostava de ouvir conselhos, por isso muitas vezes acabava em ciladas.
— Isa, Isa! Ele é real, entende? Eu vejo ele, sinto coisas por ele, e posso me jogar em seus braços a qualquer momento!
Não era porque éramos amigas que concordávamos em tudo, naquele momento ela tinha conseguido me ofender. Eu entendi muito bem o que ela quis dizer com aquela frase de que ele era real.
— Você acha que o que eu sinto é falso? — perguntei, chateada. Odiava quando ela zombava dos meus sentimentos.
— Eu não quis insinuar isso! Eu te amo amiga, mas você sabe o que eu penso, e Aurora pensa o mesmo!
Olhei para o chão, sempre ficava mal quando minhas melhores amigas falavam coisas ruins do amor da minha vida. Ele era real sim, acreditava que nada era impossível. Elas achavam que eu era uma bobona por amar alguém que nunca ia conhecer. Eram tão malvadas quando falavam que eu não era uma mulher para um homem como ele.
— Vocês deveriam me apoiar! E daí que ele mora longe daqui? Ele é real sim! Ele é um ser humano incrível! Nenhum homem daqui pode ser comparado com ele! — rosnei, quase enfiando o dedo na sua cara. Ela tinha conseguido deixar-me furiosa.
— Quer saber, Isabel? Eu vou embora! — ela disse, batendo em seu peito. — Você vai morrer virgem e não vai sequer pisar no mesmo chão de William Bentley!
— Eu vou sim! Nem que eu tenha que deixar tudo para trás, tá me ouvindo? — falei irritada, seguindo-a logo atrás. — Pode apostar, Luísa, que eu ainda vou pisar o mesmo chão do meu William, e você vai pagar com a sua língua!
Parei de caminhar, deixando-a ir embora sozinha. Por que ninguém me apoiava? Eu não era louca, o amava de verdade! Poderia ser um amor difícil, mas e daí? Desde quando era proibido sonhar? O meu jornalista bonitão e eu seriamos um casal perfeito.
Estava ficando tarde, pensei logo no vovô, ele com certeza, faria um dos seus escândalos outra vez. Na semana retrasada ele comprou um pacote de preservativos. Consegue imaginar como fiquei constrangida? O medo dele era que eu engravidasse e fosse abandonada como a mamãe. Eu não corria risco algum de engravidar, ainda mais de algum garoto da nossa cidade. Nunca gostei dos garotos burros da cidade, eram todos imaturos e irresponsáveis. Meu William, era o único na minha vida, ele sim tinha maturidade, por ser mais velho era responsável. Um dia iriamos nos encontrar, aproveitaria a oportunidade para me declarar para ele.
— Vai ser o dia mais feliz da minha vida! — murmurei, enquanto sorria. Fechei os olhos, imaginando nosso encontro, nos abraçaríamos forte e em seguida, ouviria um eu te amo, Isabel, daqueles lábios lindos dele. Um dia provaria para todos que meu amor tinha se tornado palpável, sentiriam inveja de mim ao descobrirem o quanto ele era cavalheiro, um verdadeiro príncipe e muito mais!