Capítulo 2.1
— Nunca me enganei com esses pensamentos, ainda mais sabendo de como Donatel manipulou cada um, mas acredito que no fundo do seu coração ainda existe esperança, uma pequena chama que acredita que tudo pode ser diferente, de que você e seus irmãos ainda podem ser felizes. — Confesso e surpresa atinge a máscara impenetrável que ele luta tanto para manter.
Royal fica pensativo, silencioso e parecia refletir em cada uma das minhas palavras com cuidado, mas obviamente ele não admitiria se eu estivesse certa ou não.
— Sobre o final de semana, você não me respondeu — Muda de assunto e prefiro não pressioná-lo, afinal, hoje ele estava muito receptivo diferente de Jack.
— Não tenho nada para daqui duas semanas. Por quê? — questiono inclinando a cabeça.
— Acontecerá a nossa festa de aniversário. Sinceramente odeio essas coisas, mas é inevitável quando temos um irmão gêmeo cabeça oca e uma imagem a zelar. — Faz uma careta.
Assim que entramos na cozinha vejo Jack sentado na bancada comendo um bolo que Teresa havia feito. Sorrio ao ver que apesar de teimoso ainda dava ouvidos ao que eu dizia e seus cabelos molhados só provavam que minhas palavras tinham de alguma forma surtido efeito.
— Está me convidando Royal? — pergunto sorridente, pois era engraçado a forma como ele encontrou de fazer o convite.
— Hum... Sim, estou te convidando achei que seria uma boa forma de começarmos de novo. — Balança os ombros.
— Com toda certeza irei nesta festa e me sinto honrada por ter sido convidada por você — agradeço sorrindo e ele concorda me estudando com atenção.
Acredito que a única coisa que falta nesta casa é amor e eu estou disposta a distribuir todo o amor reprimido em meu coração por onze anos a cada um deles.
Com um leve aceno de cabeça Royal segue para seu quarto e eu para o meu a fim de tomar um banho, mas ao chegar vejo um pequeno bilhete sobre a cama.
Esteja pronta às 20:00 horas.
Não use nada formal.
Dante
— Tudo certo por aqui senhor. — Ouço Rocco avisar através da escuta e ergo o olhar para o cargueiro atracado nas docas enquanto observo Max dando ordens para os nossos homens dentro do galpão.
— Quero esses containers na estrada ainda hoje. — Disse Max enquanto Rocco descia do cargueiro com seu tablet anotando todas as informações.
— Nenhum imprevisto Rocco? — Questiono olhando um dos meus melhores soldados responsável pela verificação da saída e entrada dos navios da máfia.
— A princípio tudo limpo, a polícia estava rondando os cargueiros vindo do sul com cães farejadores depois do aumento de entorpecentes distribuídos nos becos, mas conseguimos desviar a “Solar” para doca G9, como eles estão focados nas baias C3 não prestaram atenção no lado oeste, Royal e Mattia os mantém entretidos enquanto terminamos os serviços por aqui, mas isso atrasou um pouco o cronograma.
— Esses ratos do governo às vezes são irritantes demais. — Indago com irritação. — Informe o senador Edoardo para que despiste a polícia do nosso pé.
— Entrarei em contato com ele o mais breve possível. — Rocco guarda seu tablet e Max caminha em minha direção com cara de poucos amigos.
Meu celular toca dentro do bolso do terno e com um aceno de cabeça dispenso Rocco que sai logo em seguida.
— Damaceno a que devo a honrosa ligação.
— Dragão. — Cumprimenta. — Preciso de um favor.
— Depende do que está em jogo.
— Um Jaguar XK120-C — Todo o meu interesse se volta para Damaceno ao ouvir aquilo, a ano procuro um Jaguar XK, mas poucos exemplares foram produzidos e os que têm, não querem vender. — Preciso que consiga algumas peças para mim para um comprador.
— E onde eu saio ganhando nisso? — Questiono.
— Você é o primeiro a saber sobre o XK, o vendedor quer se desfazer dele para aumentar sua coleção com outros modelos, um verdadeiro desperdício, mas sei que está atrás de um carro como esses a anos.
— Quanto ele quer?
— Quinze milhões de euros.
— Não pago mais do que doze, convença-o e assim que conseguir me envie as informações do vendedor. Envie também uma lista das peças para o meu e-mail. — Ordeno e ele concorda.
— Vou convencer Antonello a abaixar o valor e retorno a ligação.
Confirmo e desligo o celular logo em seguida sentindo parte de mim vibrar, mas a euforia dura pouco quando vejo Max caminhar em minha direção com uma expressão de que iria matar um a qualquer momento e isso realmente não era bom.
— Que merda aconteceu agora.
— Ratos de Donzel foram capturados próximos às áreas industriais abandonadas, espreitavam o carregamento de armas subterrâneo que partirá com os navios rumo às Filipinas.
— Onde estão agora?
— Sendo transferidos para sala 371.
— Entrem pelo subterrâneo, não quero Eva envolvida nisso, ela é sagaz demais e presta atenção em cada palavra que dizemos. Não quero envolvê-la tão afundo no nosso mundo, não mais do que ela já está envolvida. — Ordeno.
— Avisarei nossos homens e mandarei Royal para lá.
Observo o relógio de pulso e vejo que ainda tinha algumas horas para o meu encontro com Eva.
— Pode deixar que cuido disso pessoalmente, foque em tirar esses contêineres do porto e despistar os policiais.
Max concorda e volta para o seu trabalho enquanto sigo para o Jaguar estacionado ao lado de fora da G9 seguindo de volta para casa.
***
Arrumo a gravata em frente ao espelho abotoando o terno logo em seguida. A conversa com os homens de Donzel demorou mais do que previa, pois brincar com o inimigo às vezes é realmente prazeroso, contudo os dois não tinham informações realmente úteis para passar. Eram meros soldados recolhendo informações sobre as cargas que tínhamos, a fim de roubá-las na tentativa de enfraquecer nossos contratos com o exterior. Algo realmente ridículo vindo de Donzel com tanta experiência e poder, mas isso só provou que ele está desesperado por não conseguir chegar perto dos seus objetivos e quer de alguma forma criar alarde em nosso território para nos obrigar a enviar homens diminuindo assim, o número de soldados na mansão para um possível ataque, mas acredito que ele se esqueceu com quem está lidando, não sou ingênuo a ponto de cair em um plano tão ridículo quanto esse .
Disperso os pensamentos observando o relógio e descarto as roupas sujas de sangue em um compartimento especial para serem queimadas, como tinha o compromisso com Eva aproveito o vestuário que fica nos fundo da sala que reserva algumas peças de roupas minha e dos meus irmãos, afinal, não é bom ficar andando pela casa banhado em sangue inimigo, o melhor a se fazer é descartar todos os vestígios aqui mesmo evitando possíveis falhas ou situações inesperadas.
Passo as mãos pelos cabelos e caminho em direção ao quarto, subo as escadarias do porão e do hall de entrada avistando a porta fechada logo a frente e somente agora uma pontinha de euforia se instala em meu interior, não que esse fosse um sentimento comum, muito pelo contrário, jamais presenciei isso depois de sua possível morte, mas agora ela está aqui e finalmente podemos ficar juntos, então achei justo levá-la a um passeio, mas não imaginei que isso de certa forma me causaria um certo nível de ansiedade, sentimento que não costumo nem mesmo passar perto.
Dou um leve toque na porta e entro após sua confirmação. Eva estava de costas para mim retocando seu batom no espelho e deste ângulo tenho o maravilhoso vislumbre do seu vestido que trançava suaves fitas de cetim negro em suas costas, caindo em um laço na altura do seu quadril. Ao se virar não contenho o sorriso ao analisá-la minuciosamente, o pano emoldurando seus seios e cintura caia em uma leve saia rodada e os cabelos soltos balançavam na altura dos ombros.
— Você está maravilhosa. — Confesso e ela sorri segurando seu sobretudo. — E eu tenho que dizer que amo seus cabelos soltos.
— Obrigada Dan. — Caminha em minha direção e apoio as mãos em sua cintura contornando suas curvas até espalmar minhas mãos em suas costas.
— Não agradeça, estou dizendo a verdade — Selo seus lábios com os meus em um beijo suave.
Eva apoia suas mãos em meus ombros deslizando seus dedos por meus cabelos com suavidade, mas logo se afasta me observando com curiosidade.
— Você mudou sua fragrância? — questiona surpresa.
— Não, sempre usei este, não costumo mudar porquê?
— Sempre amei o cheiro do seu perfume. — Seus dedos deslizam por meu rosto e subo minhas mãos por suas costas sentindo sua pele em contato com a minha.
— Nunca mudei, pois o cheiro dele me lembra dos nossos melhores momentos, do seu rosto deitado em meu peito no gramado da mansão Becker, dos seus dedos acariciando minha bochecha e do seu nariz enterrado na curva do meu pescoço apenas para senti-lo mais de perto. Sempre soube que ama este perfume e ele sempre me aproximou de você mesmo você estando tão longe. — Confesso e um misto de emoções percorre seus olhos.
— Você nunca desistiu de nós dois, não é mesmo? — Sussurra emocionada.
— Em nenhum momento Eva, nem em um único segundo da minha vida. — Deslizo o polegar por sua bochecha e ela encosta o rosto em meu peito me abraçando com força, inspirando profundamente.
— Obrigada por ter lutado e não ter desistido, te amo Dan. — Ergue o rosto selando meus lábios em um beijo suave, sem malícia, mas carregado de paixão, amor e confiança.
Confiança que um dia foi quebrada por mentiras e falsidade, por ódio e poder, por domínio e luxúria, mas venceu em meio ao caos que era nossa vida e história.
— Não me agradeça por te amar.
***
Eva desce do carro assim que estacionei em uma vaga privativa próximo ao grande canal, ela observa cada detalhe das casas ao redor com um brilho único no olhar de satisfação e saudades. As ruas bem iluminadas e a movimentação do local com direito a música ao vivo nos barzinhos mais próximos deixam o ambiente leve e isso me faz relaxar um pouco enquanto observo Eva apreciar cada detalhe com um grande sorriso no rosto.
— Faz onze anos que não venho aqui. — Ela sorri abertamente voltando seus olhos para o céu. — Não houve mudanças drásticas no local, achei que tudo estaria tão diferente, mas as lojas continuam com o mesmo estilo e padrão de antigamente.
— Os turistas gostam desse ar antigo, eles preservaram bem a cultura e os prédios para manter a arquitetura original. — Coloco as mãos nos bolsos da calça voltando meu olhar para o céu assim como ela.
— Está próximo do feriado de “nossa senhora da saúde". — Diz rindo e faço uma careta voltando minha atenção para ela.
— Nunca gostei desse feriado.
— Nem eu, mas ainda me lembro dos meus pais atravessando a ponte de barcas em direção à basílica para uma oração. Como se isso fosse apagar o pecado que eles carregavam nas mãos. — Volta seu olhar para mim e acabo rindo encolhendo os ombros.
— Acho que não somos tão diferentes agora. — Me aproximo e toco a base da sua coluna sentindo o pano do sobretudo em contato com meus dedos, confesso que preferia sua pele em contato com a minha, mas a temperatura vem caindo dia após dia e hoje não era diferente.
— Senti saudades de tudo isso, de nós dois, dos passeios que fazíamos com os colegas de classe. — Ela retira minha mão das suas costas apenas para entrelaçar nossos dedos enquanto caminhamos em direção ao grande canal, mas sua parada repentina me faz levar a mão livre por dentro do sobretudo em busca das minhas armas. — Lembra quando viemos com a escola e decidimos passar na “Le Caffè” sem avisar ninguém? — Seus olhos se voltam para minha mão e relaxo ao ouvir seu comentário lembrando da bronca que tomamos por ter sumido por mais de meia hora.
— Está armado? — questiona.
— Não saio sem elas. — Balanço os ombros e ela ri.
— Deveria sentir ciúmes? — pergunta com um lindo sorriso dançando em seus lábios e seus olhos perspicazes se voltam para os meus divertidos.
— Acredito que elas sabem me dividir com você. — brinco e ela bate levemente a mão em meu peito.
— Exibido. — Revira os olhos, envolvo meu braço em volta da sua cintura puxando seu corpo de encontro ao meu. .
— Como se você também não estivesse armada. — Desço minha mão livre pela lateral do seu corpo e deslizo meus dedos para parte interna da sua coxa em direção a sua virilha sentindo o coldre de facas preso ali.
— Tire essa mão daí e vamos nos divertir um pouco garanhão. — Ela brinca e deixo que se livre do meu aperto voltando a entrelaçar nossos dedos e caminhar em direção a lancha que estava à nossa espera.
— Pode apostar que me divertiria muito com meus dedos onde estavam. — Sussurro próximo a sua orelha e o sutil estremecimento que percorre seu corpo não passa despercebido por meus olhos.
— Anseio por isso quando chegarmos em casa.
Solto um suspiro audível sentidos os efeitos da sua provocação diretamente em meu pau, mas procuro dispersar aqueles pensamentos, afinal, estávamos ali para um passeio a dois e um pouco de diversão que não envolvessem a máfia ou nosso passado, apenas um casal comum aproveitando a noite e tudo que ela nos reservava.
— Cesare está à nossa espera. — Indico a lancha logo à frente e Eva segue ao meu lado até embarcarmos.
Eva se acomoda no espaço social que possibilita a visão do grande canal e da cidade que despontava logo à frente. Antes de me sentar ao seu lado seguro a garrafa de champanhe que descansava no balde de gelo e sirvo duas taças entregando uma em suas mãos. Conforme nos aproximávamos do centro de Veneza, onde turistas passeavam de vaporetto e gôndolas, a iluminação baixa e aconchegante dos restaurantes e casas deixava tudo mais romântico e sinceramente não me lembrava de como as coisas eram lindas por aqui, pois assim como Eva a muito tempo não me permito um dia de descanso ou folga.
— Ivi. — Sussurro pensativo e ela volta seu olhar para mim. — Você não sente falta do Japão? Do seu tio? — Questiono em dúvida e ela beberica o champanhe observando o fluxo lento dos barcos.
— Não é como se ele fosse uma figura paterna. A função dele era me treinar e matar todos os meus sentimentos, então como você deve imaginar ele não era muito carinhoso, muito pelo contrário, era rígido, mas devido aos fatos do passado isso não foi algo ruim, eu queria vingança, então simplesmente me joguei de cabeça em seus ensinamentos, por mais que ele discordasse dos meus motivos. — Balança os ombros com indiferença. — Quando avisei que estava retornando para Itália para concluir minha vingança, ele pareceu decepcionado, afinal, esse é um sentimento mesquinho e afirmou que não precisava voltar.