CAPÍTULO 6
RAUL
Minha profissão não é vista como de alto risco, ainda assim, cá estou eu, cavando um maldito buraco para enterrar meu colega. Um jovem que ainda tinha tanto o que viver e aprender.
Ele não terá a merda de enterro digno, sua família não terá a oportunidade de se despedir, mas cuidarei para que seu corpo seja preservado e não fique exposto e indefeso. Ele terá um lugar para descansar em paz e com dignidade, porra!
Ao menos isso eu darei para ele.
Pâmela funga baixinho enquanto me observa. Ela me ajudou a carregar o corpo sem vida de Júlio até a parte da ilha mais densa que nossos corpos cansados conseguiram ir, onde a areia não é tão fina. Utilizando um dos pedaços metálicos do jatinho que se desprenderam
pude cavar uma espécie de cova para meu copiloto. O trabalho não está sendo fácil, mas estou decidido a gastar toda minha energia nessa tarefa se for preciso.
Estou surpreso com toda a maturidade da garota, apesar de estar visivelmente abalada e fraca quis me ajudar, mostrando uma força e determinação admiráveis. Estou orgulhoso e feliz que ela esteja viva.
Nunca em toda minha vida imaginei passar por uma situação semelhante a esta, ainda mais pelo assunto morte sempre ter sido um taboo para mim. Claro que quando você pilota um avião pela primeira vez sente medo e pensa milhões de situações que podem te levar a morrer. No entanto, depois da segunda vez no ar, a arrogância toma lugar de qualquer insegurança e você se sente inatingível.
Meus músculos dos braços estão ardendo pelos movimentos repetitivos que estou fazendo, minhas mãos apresentam cortes superficiais e meu corpo inteiro lateja.
—Você o conhecia faz tempo? —Pâmela pergunta, trazendo um conjunto de palavras em tom quase inaudível e aproveito para cessar o trabalho braçal e olhar em sua direção, observando-a melhor.
Os olhos avermelhados me encaram atentos, ainda embargados por lágrimas.
—Não. —É tudo que respondo, vidrado em seu rosto triste e sujo de sangue.
Voltamos a ficar em silêncio depois da minha resposta e desvio meu olhar para longe dela, tomando um pouco de ar e limpando o suor que escorre por minha testa.
Retiro minha blusa sentindo seu olhar atento ainda sobre mim, apesar do momento nos livrar de qualquer apelo sexual, sinto minha pele esquentar.
—Ele parecia admirar você. —Volta a falar.
Não a respondo, pois isso pareceu bem mais com uma informação do que um questionamento. Volto a cavar, deixando que o silêncio reine.
Algum tempo depois e o buraco obtém a profundidade adequada, saio com um pouco de esforço de dentro, gemendo ao sentir fisgadas na região da costela.
—Me ajude a empurrar para dentro. — Digo me referindo ao corpo de Júlio.
Sua expressão é de receio e as mãos delas tremem ao encostarem no corpo do rapaz, capturo seus dedos finos com as pontas dos meus e dou um leve aperto de encorajamento. Empurramos juntos o corpo de Júlio até o buraco e ele cai de forma desajeitada, causando ânsia em mim e tenho que desviar o olhar rapidamente.
Meus próximos passos são feitos no automático, sinto-me esgotado e antes que eu desmaie de exaustão passo a jogar areia no corpo de meu copiloto, usando a mesma ferramenta que usei para cavar sua cova.
Pâmela me ajuda, fazendo pequenos montes de areia escura e empurrando com as mãos e pés até o buraco.
Nós terminamos rápido e sem falar nada voltamos a seguir o caminho da praia, ela caminha a minha frente e deixo meus pensamentos vagarem para horas antes, quando falei com seu irmão novamente e garanti sua segurança.
Ele nunca me perdoará por isso, eu mesmo não vou. A culpa está me corroendo por dentro e tenho vergonha de olhar fundo nos dela. Não perguntei sobre a mulher e a menina que também estavam no vôo conosco, sei que se elas não estão aqui é porquê devem estar mortas e não quero lidar com mais mortes por agora, não quando eu sou o único responsável por elas.
Levamos apenas alguns minutos para chegar até o local do acidente, ainda estou sem a blusa então retiro apenas meus sapatos e sigo direto para o mar, deixando a água limpar meu corpo. Fico Submerso pelo máximo de tempo que consigo. A água e o céu sempre tiveram efeito terapêutico sobre mim e preciso de minhas forças renovadas para pensar no que fazer.
Quando volto para a superfície vejo Pâmela caminhar até mim em passos lentos, ela retirou as roupas de cima e está apenas com as peças íntimas. Me proíbo de viajar meus olhos pelo seu corpo e navegar por suas curvas, fazer isso nesse momento seria desrespeitoso e extremamente errado por muitos motivos, sem falar que é impossível que meu pau suba nessas circunstâncias.
—Alguma coisa em você dói? —Pergunto, assim que ela está próxima o suficiente.
Sua pele vai sendo coberta aos poucos pela a água, até que ela fique apenas com a cabeça e ombros para fora.
—Sim, meu corpo inteiro, mas é a minha perna que está me preocupando.
—Nós vamos cuidar dela. Acha que quebrou? —Pergunto, realmente preocupado.
Ela nega com a cabeça.
—Não, apenas tive um corte profundo nela. Consegui estancar o sangue agora a pouco, no entanto, está ruim para andar.
Assinto, aliviado por não ter que lidar com uma fratura no meio do nada.
—Vamos resolver, tenho alguns anti-inflamatórios na minha mala e remédio para dor, também estou precisando. Tentarei comunicação com a torre utilizando o rádio da aeronave, tentei assim que acordei e ele ainda parecia funcionar, mas estava aturdido e não continuei.
Ela me escuta com atenção, parecendo mais esperançosa com a citação do rádio.
—Queria que todos estivessem vivos. —Diz com a voz triste, desviando o olhar do meu.
Um aperto no meu peito faz o ar sumir dos meus pulmões por alguns segundos.
Cacete, eu também queria!
Culpa me invade.
—Desculpe, seu irmão nunca me perdoará. A culpa é minha por Júlio está morto agora, também sou culpado pela morte da mulher e a menina. Mas prometo proteger você e te tirar daqui.
Seus olhos parecem confusos e perdidos por um instante, ela abre a boca para falar algo, só que o som de uma explosão faz com que nossas atenções voltem para a praia e veja o restante do avião particular pegar fogo, jogando estilhaços em chamas para todo lugar e somos obrigados a mergulhar para evitarmos sermos atingidos.