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1: Miserável Sina

Josué

Eu a amo, a amo como nunca amei antes, mas meu sentimento de vingança é maior.

— Josué? — Nadja anda entre as bananeiras no meio do parque. Ela está linda usando esse vestido amarelo, parece uma princesa ou uma banana. — Vou te colocar dentro daquela mansão. Eu disse que eu conseguia tudo que eu queria. — Ela empina o nariz e se senta ao meu lado na grama. — Como sempre, tive alguns problemas, mas consegui resolver.

Sinto uma pontada forte no coração. 

É, o dia está chegando.

— Acho que depois disso, vou mudar de carreira. Serei atriz.

— É. Você vai ser uma ótima atriz. Mente mais que o capeta. — Dou um riso fraco, coço a nuca e suspiro.

— Eu digo que agora cê tem a chance de finalmente acabar com o governador e você fica assim? É pelo que você me prometeu?

— Não. — Abaixo a cabeça. — Tantos anos esperando por isso e… E-eu não sei o que dizer.

— Você tá com medo? — pergunta, incrédula. — Josué, olha para mim agora! — Ela levanta o meu rosto e segura minha cabeça com as duas mãos. — Se não tiver certeza do que quer, fala. Eu não vou te colocar frente a frente com aquele homem sem você estar preparado. Isso seria loucura!

— É óbvio que eu quero isso, Nadja! — Franzo o rosto e tiro as mãos dela de mim. Viro o rosto para o lado e digo: — Vou o matar nem que isso seja a última coisa que eu faça na vida.

É isso mesmo. Não tem volta. Ele morre ainda esse mês. Só preciso que a Nadja cumpra a sua parte e o resto eu vou resolver. É…

— “A última coisa” — sussurra.

— Não pensou que eu posso acabar morto também?

— Isso só vai acontecer se você falhar.

— Se alguma coisa acontecer comigo… — Olho para ela e passo a mão pelo seu rosto, gravando cada detalhe. — Se eu morrer, você promete que vai seguir em frente? Esqueça de tudo que a gente construiu e encontre uma nova pessoa. Você me promete que vai fazer isso?

Seus olhos lacrimejam e ela me olha com nojo. Pelo menos eu sei que ela realmente quer que eu viva e que o que ela sente por mim não é uma ilusão da minha mente.

Nadja tenta se levantar, mas a abraço e encosto a sua cabeça no meu peito. Beijo o topo da sua cabeça e sussurro:

— Eu vou ficar bem.

— Eu não vou te perdoar se você falhar. — Ela segura forte a minha camisa e começa a chorar. — Você não vai morrer, ouviu?

— Ok. Eu não vou. Aquele infeliz vai morrer e vamos voltar para casa, tá bom? Fica tranquila. — Acaricio a sua cabeça…

No porão escuro da mansão Soares, eu descobri o real sentimento de desespero, medo e dor. Fui obrigado a presenciar uma cena que nunca vou esquecer e descobri que não sou tão forte quanto pareço.

Ele estava na porra da minha mira e eu não atirei. Eu sou um desgraçado, um frouxo, um verme insignificante e por isso ela sofreu. Eu a levei para o inferno e não há como explicar como falhei.

Agora nós dois estamos aqui, nesse porão escuro, empoeirado, no chão frio, esperando pela chegada da morte. Estou sentado no chão e Nadja nos meus braços, com as roupas rasgadas e coberta de sangue.

Minhas lágrimas insistem em cair e eu não consigo me controlar, não consigo ser forte.

— Por favor, me perdoa — peço com a voz trêmula. As minhas lágrimas caem no rosto dela e eu as limpo com a mão. — Nadja, fala comigo! — Coloco a sua cabeça contra o meu corpo e encosto meu queixo na sua cabeça. — Por favor. — Minha voz quase não sai mais.

Já chorei tanto e implorei tanto que já não tenho mais forças para continuar. Minha garganta está seca e minha cabeça lateja muito.

Faz mais ou menos meia hora que ele foi embora e Nadja não deu uma palavra desde então. Não chorou mais, não demonstrou mais medo, nem mesmo se mexeu. Age como se estivesse morta e acho que realmente está, mas o que morreu não foi o seu corpo, sua alma que foi ceifada.

— Eu… — sussurra. Tiro seus cabelos do rosto e encaro seus olhos vazios. — Você só tinha uma missão. Por sua culpa… — Aperta os olhos e segura o choro. — Quero que me mate antes que ele volte. Eu não tenho forças para isso, então faça você. Sabe que me deve isso.

Balanço a cabeça para os lados.

— Não! Eu não posso.

— Gostou de me ver sofrer, não é? Verme imundo, eu nunca deveria ter confiado em você. — Ela começa a chorar. — Eu te odeio! — sussurra.

Eu não consegui nem tirar a vida do Soares. Como eu vou tirar a vida dela? Como eu tiro a vida da mulher que esteve ao meu lado esse tempo todo?

— A gente precisa viver. Se morrer agora tudo que conseguimos vai ser em vão.

— Você só precisava ter apertado a merda do gatilho. — Ela chora mais e começa a tossir. — Você não presta para nada! Nem consegue ser um bandido de verdade.

— Eu vou tirar a gente daqui. Prometo. — A dou um abraço forte e fecho os olhos. — Eu prometo.

Ela tenta me bater, mas não consegue, está muito fraca. Isso me arrasa. Aquela mulher forte que entrou em conflito com bandidos, salvou crianças de uma vida criminosa e fez políticos comerem na sua mão… Eu a destruí.

— Ele vai voltar e, antes de me matar, vai me usar de novo. Você é um vagabundo de merda que não serve nem para tirar o sofrimento de alguém que te ajudou tanto. Se não consegue matar pelo bem de alguém, nunca vai conseguir vingar a sua mãe. Espero que você sofra no inferno amargurado e sabendo que sua mãe o despreza.

— Eu não vou te dar ouvidos. Você não sabe o que fala. Tá com raiva, eu entendo. Eu vou tirar a gente daqui.

— Se iluda enquanto pode, porque em breve vamos morrer. — Ela tosse mais e franze o rosto. — Maldito seja o meu padrasto, que fez te conhecer.

 A morte é certa quando você só se senta e a espera. Não dizem que a esperança é a última que morre? Ela ainda não morreu. Eu vou tirar a Nadja daqui e vou matar o Soares. Se eu não conseguir matar o desgraçado, eu me mato.

Deito ela no chão, pego o celular no bolso da minha calça e ligo a lanterna. Tem uma mesa com gavetas aqui. Abro todas e acho um grampo de cabelo e um clipe de papel.

— O que vai fazer? — pergunta. Ela está se esforçando para manter os olhos abertos.

— Vou conseguir destrancar a porta com isso.

— Tem seguranças lá fora.

— Eu dou meu jeito.

— Isso é suicídio. — Seus olhos se fecham.

— Melhor morrer tentando do que não fazer nada. 

Procuro por mais alguma coisa no local que possa me ajudar, como algo para me proteger e acho um martelo num armário velho.

Respiro fundo e me ajoelho ao lado da Nadja.

— Eu já volto. — Passo a mão pelo seu rosto e a dou um beijo na testa. — Forço um sorriso como forma de me consolar e me levanto.

— Josué… — sussurra. — Vai embora sozinho, mas mata o governador, por favor.

— Morro aqui com você ou vamos embora. Não vou discutir isso.

— Então se formos embora me promete uma coisa?

— O que quiser.

Ela diz algo, mas não entendo nada. Se não ir para um médico, acho que vai morrer.

Eu me ajoelho de novo, aproximo minha orelha da sua boca e pergunto:

— O que foi?

— Na hipótese de sairmos daqui, você vai me deixar matá-lo? Se não deixar, eu juro… Será meu inimigo e vou enterrar o seu corpo junto ao dele.

— Você sabe o quanto eu quero isso. — Estreito os olhos. Meu peito arde como se estivesse em chamas e meus sentimentos se misturam como uma comida no estômago me dando ânsia.

— Então me mate agora, Josué. Se não me matar, eu mato o Soares. O que vai ser?

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