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Não tive permissão para me deitar em algo confortável, como
o sofá que estava na sala. Era para continuar no chão, mas pelo
menos agora, havia vestido o conjunto de roupa branca, que não
estava tão branco, estava amarelado em diversas partes e o cheiro
que saía das peças era repugnante.
Me mantive o mais encolhida possível, tentando ficar invisível
aos olhos dos homens que transitavam pela casa. Temia que me
estuprasse novamente, que me usassem e que me largassem depois
naquele chão frio.
Só de imaginar eles me tocando, me lambendo e enfiando
suas línguas e seus pênis, dentro da minha boca, tinha um ataque
forte de ansiedade misturado com pânico. Eu chorava o mais baixo
possível, ainda tentando não chamar atenção para mim. Enfiava
minha cabeça entre meus joelhos e me forçava a me imaginar em
outro lugar, num lugar feliz e que me sentia segura.
Só que eu não conseguia, não conseguia dar isto para mim
mesma. Invés disso, peguei no sono, ali mesma sentada, soluçando e
sentindo tremores e dores pelos meu corpo.
Mesmo dormindo, os ouvia conversar ao longe, ouvia suas
risadas e sentia o mix de perfume, mas pelo menos não se
aproximavam de mim.
O silêncio repentino se arrastou por um longo tempo, neste
período me senti um pouco segura, não o suficiente. Mas pelo
menos, sabia que não estavam por perto e que não tentariam nada,
aproveitei este “tempo” e cedi ao sono.
Não sei quanto tempo se passa, até o momento em que ouço
novamente um par de vozes, pelo menos, uma voz e questão era
familiar e me fez abrir os olhos quase de imediato, os semicerrando,
encontrando uma figura longa de ombros largos não muito longe de
mim, no meio do cômodo, diante de Matias.
- Se divertiram? - Christian pergunta, com certa malícia na voz, sem
olhar diretamente para mim.- Deu para o gasto - Matias ergue um dos cantos da boca num
sorriso - Não vai dizer que vai acabar com a nossa brincadeira -
Christian não responde, o que faz com que ele prossiga - Vai matar
ou...?
- Não decidi ainda - diz Christian, o interrompendo - Acho que
também quero me divertir.
- Isso aí, chefe - Matias olha para mim, sorrindo maliciosamente -
Para onde quer que eu leve ela?
- Para minha casa - Christian não me olha ao sair da sala, Matias não
hesita em vir até mim e me sentar bruscamente.
- Acorda, bela adormecida - diz me colocando em pé com a mesma
agressividade, que já estava começando a considerar costumeira.
Tropeçando nos meus próprios pés, sou empurrada para fora da
casa. Matias continuou me empurrando, até chegarmos do lado de
fora, na rua, e ele me forçar a entrar dentro do porta malas do Gol
prata.
O carro ainda fica parado por algum tempo, não consegui chutar
o horário pelo sol, já que o mesmo não estava alto no céu e sua
temperatura em minha pele, não ajudou muito. Só sabia que ali
estava quente de mais, impedindo que eu respirasse normalmente e
começasse a acreditar que o ar ali estava cada vez menor.
Eu iria desmaiar, tinha certeza disso. O suor se acumulava em meu
rosto e em outras partes do meu corpo. Aquele compartimento ficou
mais “fresco”, quando o carro começou a andar e logo já não estava
crente de que iria desmaiar e sim, que estava a beira de desmaiar.
Foi mais um inferno o tempo que passei naquele porta malas,
querendo desesperadamente respirar, falhando miseravelmente,
quando o ar não chegava em meus pulmões, causando uma agonia
que não havia palavras para descrever.
O carro para novamente e quando não abrem de imediato o
local em que estava, começo a bater nos cantos, esperando que
entendessem que deveria ter alguma coisa de errado.
O ar invade de repente o porta malas, inspiro profundamente o
ar, sem ter tempo de fazer com que o mesmo corresse pelo meus
pulmões, invés disso, sou puxada para fora e quase caio na calçada,ao tropeçar no meio fio. Meu corpo é empurrado novamente e
arrastando os pés, caminho agora para o interior da casa de Christian
esperando ver Rafael em algum parte dali, mas não há nenhum sinal
dele.
- Bota essa sua bunda aí - Matias me empurra para a cadeira ao lado,
quase caio da mesma, mal conseguindo me manter sentada - Precisa
de mais alguma coisa, chefe?
- Não - diz Christian, não muito longe.
- Acho que é melhor ter cuidado com ela - diz Matias olhando para
mim - Ela é bastante agressiva quando quer - Ele não responde,
invés disso, Matias entende como um “até logo” e não demora para
ir embora.
Mantenho minha cabeça baixa, não queria olhar para ele e não
esperava que ele me olhasse. Naquele momento, tentava decidir se
tinha raiva dele ou não, se me deixaria ser consumida pelo ódio e a
vingança também ou... não faria nada.
Não conseguia pensar com clareza, estava com fome,
cansada e com sono.Queria dormir, só que tudo indicava que isso
não aconteceria tão cedo, não estavam dispostos em me deixar
dormir.
- Está vendo essa casa - A voz de Christian soa de repente, mas de
um jeito que ele camuflava algo. Ergo minha cabeça hesitante,
dando outra boa olhada na casa. Perto da maioria das casas ali, era
uma boa casa, bem cuidada, tinha tudo que alguém precisava e eu
não queria pensar, chegar na conclusão, de como ele conseguiu tudo
isto, se seguiu seu plano B, que sempre dizia para mim, se algo
desse errado. E confesso que nunca gostei deste plano e que
esperava que ele nunca colocasse em prática - É minha. Da minha
família - Ele faz questão de ressaltar e mesmo com isto, não o olho -
Você vai limpar essa casa de uma ponta a outra, não vai deixar um
canto se quer sem limpar - Ele sentencia.
Balanço a cabeça levemente. Eu tive uma vida de princesa,
considerada pelos meus pais. Sempre tinha alguém para fazer minha
cama, limpar a sujeira e arrumar a bagunça que eu fazia, além delavar minhas roupas. Não tinha com o que me preocupar, além de
brincar e continuar este mesmo ciclo: bagunçar e sujar.
Depois que casei, minha mãe ainda contratou uma boa
empregada, alguém que ainda continuasse a limpar e arrumar meu
ciclo. Eu “aprendi” a cozinhar, pelo menos fingia, para agradar meu
marido e deu certo, pelo menos no primeiro ano de casamento.
- ...eu não consigo - sussurro.
- O quê? - diz ele alto.
Inspiro profundamente, engolindo em seco.
- Eu não consigo - digo mais alto, mantendo meu olhar baixo.
Ouço ele sorrir, o som faz com que meus ossos congelem e que
eu sinta um forte tremor.
- Claro que consegue - diz com um otimismo forçado - Minha mãe
conseguiu durante anos, enquanto trabalhava para sua família,
doente, com os olhos doentes, todos os dias ela estava lá! - Não
percebo quando ele se aproxima de repente, segurando meu queixo
com força, ergue minha cabeça, me forçando a olhar dentro de seus
olhos sombrios irreconhecíveis - Você vai fazer o que estou
mandando ou posso obrigar você também - Sustento seu olhar,
sabendo que minhas opções não eram muito tentadoras. Levanto
devagar, o que faz com que ele erga um dos cantos da boca num
meio sorriso - Você ainda continua inteligente - Pontua, por fim.
Ele se afasta de mim, indo sentar no sofá, ligando a tv por
último. Passo pela sala, ainda arrastando os pés, precisando me
apoiar nos móveis e parede para não cair. O interior da casa não
lembrava mais a antiga casa que ali ficava, tudo ali era maior, os
cômodos, os móveis melhores. Tudo estava diferente.
Segui o corredor em forma de L até o final, chegando em uma
cozinha, quase do tamanho de uma das cozinhas que tinha na casa
dos meus pais e finalmente encontro a área de serviço,
aparentemente com tudo que eu iria precisar. Pego uma vassoura e
um balde com produtos de limpeza, deixando a área de serviço.
Paro diante, mais uma vez da cozinha, me dando conta da
bagunça que havia ali. Mal conseguindo me manter em pé, decidocomeçar por ali, parecia ser o mais certo a se fazer, a cozinha estava
revirada de ponta cabeça.
Me aproximo da mesa retangular, colocando os copos sujos na
pia e os alimentos nos armários, no início de forma lenta, no limite
que meu corpo conseguia. Eu sabia que naquele ritmo, demoraria
ainda mais, mas estava dando meu melhor, me esforçando. A pia
estava repleta de louça, quando esvaziei a mesa e diante de tantos
pratos e copos, sem saber os lavar direito, me arrisquei, mal sabendo
como se lavava direito.
- Só para você saber - diz Christian de repente, chegando a me
assustar - Tem câmeras, caso cogite na ideia de comer alguma coisa
sem a minha permissão.
