Prólogo
Arabella
Ser mulher no auge de seus vinte sete anos de idade, solteira, residente da grande Belo Horizonte e ainda por cima morar sozinha em um pequeno apartamento próximo ao centro, pelo qual ainda está se matando para pagar as últimas prestações é um saco. Bem-vindo a vida adulta, bebê.
Ser filha única nunca fez de mim uma garota mimada, longe disso. Perdi meus pais muito cedo, pouco antes entrar na faculdade. É a vida não tem sido fácil comigo desde o início... Minha mãe era professora do ensino fundamental em uma escola pública e meu pai, gerente do Rogger's, um restaurante de tamanho médio e boa freguesia na cidade em que moravam anos atrás. Para as pessoas mais próximas sou conhecida como Bella, não que haja tantas assim, uma vez que nunca residi por muito tempo em uma mesma cidade, fala sério, eu já morei em um total de seis cidades durante minha infância e adolescência. A primeira cidade, onde se iniciou a vida de peregrinação da minha família fora Montes Claros, lugar em que nasci e onde permanecemos por cinco anos. Depois veio São José dos Campos, onde ficamos por três anos, para mais uma vez, nos mudarmos novamente, dessa vez para Brasília. Uma escolha que pareceu um tanto quanto ousada na época, uma vez que não conhecíamos nada por aquelas bandas. Não deu muito certo e em um ano saímos de lá também. E por último veio a tão fria cidade, mas lindíssima Teresópolis, eu amava tanto aquele lugar! Finalmente fixamos residência e nos estabelecemos ali, por nove anos consecutivos antes que as coisas mudassem completamente de rumo.
Ao mesmo tempo em que aquela cidade me trazia a sensação de lar, os sentimentos negativos que velhas recordações me traziam, fizeram com que eu deixasse a cidade sem olhar para trás com apenas dezoito anos de idade, forçando-me a buscar refúgio na até então desconhecida Belo Horizonte, onde ingressei na faculdade e me formei com louvor no curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Federal de Minas Gerais. Alguns anos depois, com muito esforço, dedicação e ralar um bocado, consegui iniciar minha carreira profissional como publicitária na West Comunicações. Mas não pense que foi fácil, exigiu muito suor e sacrifício para chegar aonde cheguei, no início foi difícil, tive que provar meu valor dia a dia, começando lá de baixo, como uma simples estagiária e fui me estabelecendo, crescendo como funcionária, adquirindo experiência e maturidade pacientemente. E valeu a pena. Cada conquista era uma vitória para mim.
Eu não me importava com muita coisa, nada me chamava muita atenção, nada me fazia ansiar por mais, nem moda, política ou mesmo relacionamentos amorosos, sempre mantive um estilo de vida simples e modesto, para não dizer pacato. Vivi com meus pais por toda a minha vida, eles eram minha única família, as pessoas mais próximas que me conheciam verdadeiramente. Mas era estranho não ter outras pessoas para chamar de família além deles dois e até um pouco solitário, pelo menos na minha cabeça sempre soou assim. Mamãe e papai eram filhos únicos, seus pais haviam morrido quando jovens e não havia mais ninguém. Contudo eu não tinha do que reclamar, tinha uma boa vida, nunca me faltara nada, meus pais eram presentes, tirava boas notas na escola, o que mais poderia querer? Todavia, lá no fundo do meu coração, eu sentia que faltava algo, não sabia o que, mas faltava.
Cresci um tanto introspectiva devido minha criação, meus pais eram muito reservados e discretos, não eram o tipo de pessoas carinhosas ou afetuosas, mas eu sabia que me amavam e demonstravam isso da maneira que sabiam. E isso era o que importava. Minha mãe já fora mais amável em um tempo mais distante, ainda não sei o que a levou mudar de forma tão drástica, mas algo aconteceu e mudou a pessoa quem ela era. Quando eu era pequena, ela lia histórias para mim na hora de dormir, porém esses momentos preciosos da infância se foram e jamais poderiam voltar.
Na minha formatura do ensino médio, após a colação de grau, no dia seguinte, o tão aguardado baile de formatura chegou e com ele uma linda festa com todas as classes presentes, professores e convidados, o salão estava cheio. Todos alunos estavam muito bem trajados em seus ternos e vestidos deslumbrantes e eu não poderia estar diferente, trajava um lindo vestido vermelho longo, presente de papai. De minha mãe eu havia ganhado saltos prata e para acompanhar, uma Louis Vuitton também no mesmo tom. Eu estava radiante aquela noite, me sentia linda e ainda por cima tinha ganhado meu primeiro salto alto na vida! No ano seguinte enfiei a cara nos estudos, entrei em um curso pré-vestibular, pois faria o exame naquele ano e já tinha um objetivo em mente: o curso de publicidade e propaganda na UFMG. Eu só precisava passar no exame e o mais importante, ter a permissão dos meus pais.
As semanas se passaram rapidamente e a data da prova se aproximava cada vez mais, o temido vestibular estava atrás das portas. Estava a cerca de três semanas do exame, portanto não havia mais jeito, teria de contar a meus pais sobre minha decisão e torcer por uma reação positiva da parte deles. Às vezes eu me perguntava o porquê de tanto receio de lhes contar, talvez fosse pelo jeito reservados deles e o medo de não me deixarem escolher. Então, em uma noite de sexta-feira, voltando da biblioteca depois de horas de dedicação aos estudos, eu caminhava exausta, pensando na conversa que teria com meus pais quando chegasse em casa, não imaginava nem por um ínfimo segundo, que minha vida mudaria completamente de rumo naquela mesma noite. Por isso ao chegar na rua em que morava e notar uma movimentação estranha fora do comum, observei a aglomeração de pessoas, mais precisamente meus vizinhos, em volta do isolamento ao redor de uma casa e algumas viaturas da polícia. Porém, quando me aproximei mais, assustei-me ao ver que a casa em questão era a minha.