Desejo e medo
Luna Alvez
Em algum momento entre ceder ao pecado e permanecer no paraíso, será que Eva se perguntou das consequências que traria para a sua prole? Pois, neste futuro é dito e julgado cada um dos nossos pecados por juízes tão pecadores quanto Caim, o arrependimento lhes redime se já planejam cometer tal ato outra vez?
São pensamentos confusos que se passam pela minha mente perturbada pela aflição em ter o que desejo e cometer o pecado, tentando convencer a própria alma de que será apenas um pecado e não vários.
Sou tomada pelo fogo no seu olhar, este conduz a um inferno no céu, pois, o anjo de belos olhos que lê todas as minhas expressões está se banhando na lava fervente do lugar cheio de trapaceiros como ele, talvez seja a raiva pela traição ou a loucura intrínseca onde as mulheres que se perdem na própria mente, que levam os devaneios a esse ponto.
Seus olhos frios em contraste com as mãos quentes envoltas no meu quadril como uma serpente prestes a esmagar sua presa, observo os lábios cheios pelo vermelho do próprio sangue, é tão sujo, corrompido, doentio e as coisas que fazemos diariamente não são? Sinto o latejar entre as pernas, o próprio corpo traindo a mente e os pelos da minha pele entregando todas as sensações loucas que se passaram como uma corrente elétrica no meu corpo com esse simples beijo roubado.
— Vamos pequena. — O timbre da sua voz mesclado ao sotaque me deixa mais acesa do que deveria.
Meu Deus! Enlouqueci de vez….
— Cadê a minha amiga? — Respondo num tom seco.
Finalmente encontrando algumas palavras depois do beijo que consumiu toda a minha intimidade em chamas quentes de desejo. O olhar firme segue por alguns metros além de nós, tento acompanhar, e não vejo nada além de todas as pessoas que se divertem em um pré-carnaval comum. Então o sentimento de que por um momento tudo pode mudar me atinge.
— Cadê ela?! — Grito puxando meu corpo para longe do seu aperto em vão.
A mão de dedos longos prende meu quadril com tanta força, desestabilizando o que restava da minha sanidade. Arrancando as lágrimas que não derramaria pelo Nickolas, com a dor na pele, quando tudo que tenho por dentro é dor e chamas. Abaixo o rosto consumida pela vergonha de demonstrar minha fraqueza na frente de um homem que pode me matar a qualquer momento.
Um homem que pode me destruir.
— Nada vai acontecer a sua amiga, Cheshire — Seu hálito quente misturado com o álcool atinge meu rosto.
Seus dedos ao encontro do meu queixo, puxando meu rosto, sinto que sou analisada por um momento.
— Me encare — Escuto o sussurro claro como o dia em meio a toda multidão à nossa volta. — Me olhe, cheshire.
Levanto o olhar, observando todos os detalhes tão de perto, tão de repente como se os segundos fossem eternos. A sua barba bem feita, o maxilar definido, nos meus sonhos seria um anjo que levaria ao paraíso. Encontrando o seu olhar, sinto que a realidade é essa, um anjo.
O que levará às chamas do inferno, como uma simples pagã pode negar esse pecado?
— Nada irá acontecer com a sua amiga, pequena. — O seu polegar faz círculos na minha bochecha.
O frio do seu olhar é duvidoso, por quê me sinto quente?!
— Ninguém vai te machucar e se ela é importante para você, ninguém a machucará, entendeu?
Aceno a cabeça concordando com as suas palavras, sentindo o perigo de acreditar em um mafioso. Por um longo segundo, observo todas as pessoas à nossa volta se divertindo, será que ninguém vê?
Eles não percebem?
O próprio diabo me levando para o inferno.
Então, sinto os olhares que me perseguem, seguranças que aparentam não se importar nem um pouco para o que ele pode fazer comigo. Um alto, aparentemente mais novo, balança a cabeça como se dissesse para seguir…
Seguir para onde?
— Luna, o que tanto olha? — Volto meu olhar para ele, que me analisa, e observa toda a multidão depois seus seguranças.
— Me perguntava se nenhuma alma bondosa vai interferir nisso — Olhei para a sua mão ainda no meu quadril, seus lábios se curvando em um sorriso duvidoso.
— Nenhuma alma bondosa, que queira continuar viva vai interferir!
Meus pés ganharam vida para acompanhá-lo, imaginando o terror que seria desperdiçar a vida de alguém apenas para me tirar da minha própria enrascada . Isso que dá Luna, seja uma médica ética, não diferencie as pessoas, todos merecem viver. Uma vez na vida poderia ter agido errado. Uma vez na vida estou indo contra tudo apenas por aceitar esse trato obsceno, e ao contrário do que deveria ser, não sinto um pingo de arrependimento ao imaginar que com o amanhecer serei uma adúltera e ainda terei transado com um mafioso.
As pessoas deveriam se mover e perceber as dúvidas que rondam minha mente, para medir os lados da balança , quantas vezes atendi casos de estupros ou vítimas de violência doméstica em que seus próprios familiares não ajudaram, então, porque deveria esperar que alguém me ajudasse.
Com a mente no automático, sigo enquanto a sua mão não abandona meu corpo em nenhum momento, olho ao redor mais uma vez e o medo das consequências atingem minha mente com tudo, ele abre a porta do carro. Seguro a porta, mas sua mão vem sobre meu pulso, me empurrando para dentro do carro. Seus olhos observam todo o meu rosto de novo, ele acena para o motorista que liga o carro. Sinto o seu toque na minha mão.
Sinto as lágrimas se formando novamente, então, respiro fundo e seguro, levantando o olhar me deparo com o seu sorriso aberto. Os dentes tão retos e brancos, a barba em volta do seu maxilar, ele precisa ter alguma falha.
Algo que o faça mais humano.
— Admirando a minha beleza, Cheshire? — Meu pai amado, esse homem está me tirando a pagode, só pode.
— Que beleza? Você nem faz o meu tipo! — Cruzo os braços e viro para a janela.
A respiração quente no meu pescoço faz com que vire um pouco para ver seus olhos fechados como se tentasse apenas sentir o meu perfume. É uma sensação de pertencimento e, ao mesmo tempo, desconhecido.
Salvei esse homem da morte e ele volta do inferno para me atormentar em algumas horas?
— Você precisa repensar nos seus pequenos conceitos, mas tenho certeza que passar a noite subindo e descendo no meu pau mudará sua ética. — Seus olhos se abrem e o azul me engole, ele ergue a sobrancelha e abre um sorriso tão falso que chega a ser a visão mais linda que já vi em um homem.
Tento impor um espaço entre essa eletricidade que ele emana, minhas costas bateram na porta do carro, me sinto presa de novo e a sua risada grave toma a minha atenção.
— Tentando fugir de mim? — Sua voz forte me deixa em estado de alerta, incapaz de responder outra vez, viro-me para a janela buscando a visão escura da cidade.
Só mais um paciente, ele será só mais um paciente nas minhas memórias, um atendimento bem feito, o meu melhor na sala de cirurgia, uma cirurgia bem feita. Uma foda em uma noite de pré-carnaval, um troco bem-dado naquele canalha. É isso, sem nenhum imprevisto, sem nenhuma ocorrência, mais uma vida salva e apenas isso. Sexo, são, seguro, consensual e por Deus que o pau dele não seja minusculo, senão além de acordar sendo uma adúltera ainda terei sido mal comida.
Passamos pelas ruas da cidade pouco iluminadas, os moradores de rua procurando um local seguro para dormir, os usuários agitados em busca de mais drogas. Respiro fundo tentando me recompor, ele nem me disse o que aquele loiro fez com a Kalifa.
Sinto o carro desacelerando e percebo que estamos em frente a entrada de um dos hotéis mais luxuosos da cidade, a mão dele passando pela minha cintura para alcançar a trava. O olho por cima do ombro, a sua respiração tão próxima da minha pele.
— Desça — A ordem expressa pelo tom rude quebra tudo, fazendo que raciocine de verdade.
— Que tipo de russo mal-educado você é? Não serve nem para abrir a porta para uma mulher. — Bufo empurrando a porta rápido, pronta para fugir dele.
Desço do carro e vejo outro carro atrás abrindo a porta com Kalifa descendo dele, respiro aliviada finalmente. Me preparo para bater a porta quando seu braço segura a mesma, seu olhar analisando de baixo para cima até que ele está mais uma vez me olhando de cima. Que homem, Deus, alto, forte e com um olhar que derrete tudo em mim.
— Sou o tipo de Russo que vai te comer e quando terminar você vai implorar pela sobremesa. — O observo em silêncio sentindo as suas palavras entrarem no meu subconsciente
Abrindo o sorriso cínico que deve arrancar todas as calcinhas da Europa, o descarado me encara como se esperasse algo. Se bem que essa sensação de perigo vicia, a adrenalina de imaginar encaixa minhas coxas nestes braços.
Permaneço com a cara fechada, piscando com força para recobrar meus sentidos. O babaca continua sorrindo, bufo e observo Kalifa vindo na nossa direção com aquele loiro atrás dela. Troco olhares com minha amiga tentando descobrir se eles fizeram algo de ruim com ela, parece tão aborrecida quanto estou. Desprovida de nenhuma sensatez, caminho em direção ao saguão do hotel trocando um olhar silencioso com minha amiga que parece estar abismada pelas mudanças de planos. Talvez seja só a bebida, é isso, amanhã não lembrarei. E se não lembro então não aconteceu.
— O que aconteceu aqui? — cochichamos em português observando os homens que se movimentam com ao redor do homem
— Acho que estamos muito, muito, mas muito lascadas Luna.
Observo o olhar da minha amiga, sem ter como discutir, a noite hoje foi uma loucura e a sensação de mudança não passa, resolvo mudar de assunto para algo que está martelando na minha cabeça.
— Darei o troco no Nick, pela manhã vamos embora e fingimos que isso nunca aconteceu. — Seguro no braço dela buscando apoio.
— Podemos queimar as tralhas do Nickolas? — Ela arqueia a sobrancelha, mudando de assunto para amenizar o resultado das minhas escolhas.
— Acho que isso é uma questão de honra — Começamos a rir e entramos do elevador ao lado dos homens que não entendem nada.
Lembrar do beijo dele faz a minha pele esquentar, faz muito mais do que o meu tipo. É uma pena que mamãe não tenha me ensinado a ser mulher de bandido, uma noite e tchau. Posso sentir a pele ficando avermelhada com o tesão reprimido.