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Sila
A noite escura transformou-se em dia bem diante dos meus olhos, pois não consegui fechá-los nem mesmo por um segundo. À medida que as horas passavam eu tive uma retrospectiva da minha vida e percebi que eu mal a vivi. Em algum momento da noite, uma empregada me ajudou a me livrar do pesado vestido de noiva e eu me permiti tomar um banho demorado em uma tentativa inútil de relaxar. Depois, deitei-me na cama e fitei a janela por horas a fio e agora estou protelando sair desse quarto para conhecer a minha nova gaiola de ouro.
— Bom dia, Senhora Arslan! — Uma empregada fala assim que alcanço o topo da escadaria.
— Bom dia, e o Senhor Arslan?
— Ele já saiu, Senhora.
— Como assim, ele já saiu?
— O Senhor Arslan já foi para o escritório, Senhora.
Que espécie de casamento é esse? Me pergunto, deixando um aceno sutil para a moça e desço as escadas.
— Bom dia, Senhora Arslan, o Senhor Arslan pediu para servir o seu dejejum na varanda. É um local amplo, mais iluminado e a Senhora poderá usufruir da beleza do jardim.
— É claro — retruco com um tom seco na voz e a sigo para fora da casa.
— Bom apetite, Senhora! — Ela diz me deixando sozinha e eu solto uma respiração alta, enquanto fito uma mesa retangular grande e bem farta. Chego a sentir um nó na minha garganta quando puxo uma cadeira e me acomodo nela. Contudo, não sinto fome e eu odeio comer sozinha! Portanto, me sirvo apenas de um copo de suco de laranja e decido caminhar pelo jardim, enquanto degusto a bebida doce e gelada.
Tulipas vermelhas.
Vejo muitas delas espalhadas estrategicamente pelo imenso jardim. É curioso dizer que não há outro tipo de flor além dessa e é mais curioso ainda o fato de que todas elas são vermelhas. O meu tour acaba quando chego em um banco de madeira com sua estrutura toda de ferro contorcido, que fica bem de debaixo de uma cerejeira, e constato que a tulipa não é a única flor desse lugar. Um movimento atrás de um arbusto me chama a atenção e curiosa decido ir ver quem está escondido lá. Um sorriso se projeta nos meus lábios.
É o primeiro em dias. Penso.
— Ei você! — sibilo meiga, segurando um gatinho cor de caramelo com algumas rajadas pretas, que o torna semelhante a um minúsculo tigre. — Nossa, como você é fofinho! Você é muito fofinho! — cantarolo, deslizando os seus pelos pelo meu rosto, apreciando a sua maciez. — Quem é você, hã e como se chama?
— Érôs? Érôs, onde você está bichinho? — Escuto alguém chamar não muito distante.
— Érôs, esse é o seu nome? — inquiro, verificando a medalhinha no seu pescoço.
— Ah, você está aí seu danadinho! — Uma garota de aparentemente quinze anos surge no meu campo de visão. — Me desculpe, Senhora Arslan! — Ela parece apreensiva ao me vir. — Eu não sabia que a Senhora...
— Está tudo bem! Qual é o seu nome?
— É... eu sou a Ayla. Eu sou responsável pelo Érôs. — Ela aponta para o pet nos meus braços.
— O Érôs tem uma cuidadora só para ele? — A garota sorrir.
— Essa sou eu.
— Entendi — ralho lhe entregando o filhote. — O que tem para fazer aqui? — Procuro saber.
— Ah… é… temos uma biblioteca bem vasta na casa, Senhora Arslan.
— Sila, me chame apenas de Sila.
— Eu não posso fazer isso, Senhora.
— É claro que pode! O que tem mais além de uma biblioteca?
— Ah, tem uma sala de jogos, um pequeno cinema, uma piscina… — Olho para um portão um tanto afastado e o aponto com a cabeça.
— E o que tem ali?
— Cavalos. — Sorrio.
— Cavalos? — indago um tanto animada.
— Sim, mas… a Senhora não pode ir até lá. — Franzo a testa.
— Por que não?
— O Senhor Arslan, ele não permite.
— O Senhor Arslan tem muitas regras — ralho frustrada.
— Eu preciso ir. — Ela fala, fazendo menção de sair. — Eu preciso alimentar o Érôs.
— Está bem!
Assim que a garota se afasta o meu olhar ávido encara os portões fechados do outro lado do jardim. Confesso que estou tentada a ir até lá. A verdade, é que eu sou fascinada por cavalos e amo cavalgar. Fazer isso me dá uma sensação liberdade ímpar, me faz pensar que eu posso voar e que eu posso ir para qualquer lugar que eu quiser.
... O Senhor Arslan, ele não permite.
Respiro fundo e decido voltar para o casarão.
***
À noite escolho um vestido simples e desço para o jantar, e enquanto caminho pelo imenso corredor percebo que o silêncio desse lugar é bem maior do ele. Uma casa de três andares que ocupa um quarteirão inteiro e aqui só os empregados habitam.
— Boa noite, Senhora Arslan!
— Boa noite! O Arslan já chegou?
— Ele avisou que não virá para o jantar.
Ok, eu realmente não esperava por isso. Era aterrorizante pensar que eu viveria debaixo do mesmo teto que esse homem estranho e pensar em dormir ao lado dele chegou a me apavorar, mas viver abandonada em plena lua de mel é absurdo demais. Respiro fundo. Eu devia estar feliz por isso, mas ficar sozinha aqui dentro é bem mais do que um castigo.
— Pode levar um copo de suco para o meu quarto? — peço, lhe dando as costas.
— Mas, a Senhora não vai jantar? — A mulher me interroga, me fazendo parar, porém, não me viro para olhá-la.
— Eu não estou com fome.
— Mas, Senhora… — Ela começa a protestar. Contudo, me apresso em subir os degraus, me tranco dentro do meu quarto e fico lá até finalmente ser arrebatada pelo cansaço, e adormecer.
***
Na manhã seguinte...
O cântico dos pássaros me faz abrir os olhos e encontrar o dia já claro lá fora. Renovada, salto para fora da cama, tomo um banho rápido e após tomar um copo de leite faço mais um passeio pelo jardim. Outra vez me sinto tentada a ir até o estábulo e conhecer os cavalos, mas decido voltar para dentro da casa, e desbravar os seus cômodos. Na grande maioria deles são quartos de hóspedes, além das dependências que Ayla havia mencionado. Estou começando a ficar entediada.
Bufo alto, voltando para o meu quarto.
— Senhora, o almoço já está sendo servido.
— Não estou com fome.
— Mas, Senhora…
— Traga-me um chá, por favor!
— Mas a Senhora não come a dias! — Ela protesta. Entretanto, a ignoro e continuo fazendo a minha leitura silenciosa.
— Telefone para Senhora, Senhora Arslan. — Alguém diz em algum momento do meu dia chato e calmo demais.
— Quem é?
— É a sua mãe.
Pressiono os lábios.
— Diga que depois eu retorno a ligação depois — ralho, encarando o horizonte e decido ir explorar mais uma parte dessa casa. No final da tarde, estou dentro do meu quarto, deitada na cama e encarando o teto.