II - Power Up - Parte 2
Vic mal dera dez passos. Em menos de trinta segundos o Hunter vermelho a apontara. Ela sabia que estava ferrada. Só havia uma saída para sobreviver e ela estimava menos de 1% de chances de conseguir.
Correra feito louca.
A jovem presumia – e torcia para estar certa – que eles não atirariam para matar. No máximo aleijá-la ou incapacitá-la de se mover, mas era melhor que a capturassem viva. Felizmente ela conhecia aquele tipo de ruína.
Os dois começaram a se mover mais rápido. O branco era mais pesado e lento, seus passos agora causando um verdadeiro terremoto. O vermelho era ágil e saltava alto. Em um pulo fora parar sobre uma parede bem próxima de onde a menina corria.
Ela sabia que se quisessem ela estaria morta em segundos. Não atiravam porque queriam pegá-la viva. Os dois emitiam diversos sons e Vic sabia que eles estavam “conversando”. Um dos especialistas da Resistência já havia traduzido diversas comunicações entre Reploids e por ironia eles falavam como humanos, tinham personalidades próprias, opiniões, objetivos e uma cadeia de comando hierárquica.
Para quem odiava seres biológicos eles se pareciam muito com aqueles que caçavam.
Era impossível escapar daqueles dois predadores. X Hunters estavam no topo da cadeia alimentar das sentinelas. Porém, algo que eles provavelmente não saberiam e ela sabia era que dentro de diversos dos prédios naquelas ruínas haviam salas subterrâneas. E eles eram grandes demais para atravessar as passagens de acesso.
Se ela conseguisse chegar em uma dessas entradas enquanto eles brincavam de apavorá-la – com sucesso, diga-se de passagem – poderia descer e pensar em alguma coisa – e com pensar em alguma coisa ela torcia para haver outros túneis de acesso para outros lugares.
De repente, como um portal de passagem para o paraíso, Victoria se viu frente à entrada de um prédio com aquelas inscrições que ela tanto procurava. Aquilo deveria ser um sinal de boa sorte. Se havia um lugar onde ela poderia se esconder e escapar de seus caçadores, certamente era ali. A menina adentrou o salão correndo. Estava muito escuro do lado de dentro, mas ela não tinha tempo de procurar por uma lanterna no embornal. Podia ver diversos pilares onde a luz do exterior vindo pela porta alcançava.
Pensara em se esconder, mas era impossível. X Hunters não eram sentinelas comuns, eles tinham processadores muito mais avançados que outros Reploids para analisar as situações em tempo real e entre suas habilidades estavam sensores de calor, movimento e som. Resumindo, naquela escuridão a única que não enxergaria nada era ela!
A explosão abrira um enorme buraco no chão, bem próximo de onde Victoria estava. Havia sido causada por um disparo do Hunter vermelho e ele claramente não mirara nela. Apenas os estilhaços lançados por toda parte foram suficientes para atingi-la e arremessá-la longe. A garota colidira com uma parede gelada e se esborrachara em seguida no chão.
Ótimo, mais hematomas, nem queria pensar em como estava seu corpo por baixo do traje nesse momento.
A jovem usara o restante de suas forças para se sentar. Todas as articulações doíam, não era mais capaz de correr ou reagir. Ainda mais terrível, não estava morta e não era capaz de tirar a própria vida mesmo que quisesse.
O capuz lhe caíra nas costas, seus cabelos curtos, negros e sujos esvoaçaram com o vento quente que invadia o ambiente. Na porta os dois Hunters se posicionavam em pé bloqueando a saída. Com a luz por trás deles brilhando de fora para dentro suas silhuetas pareciam ainda maiores. Os olhos escuros de Victoria queriam se fechar, ela estava no limite.
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Todos se surpreenderam quando um estranho ruído começou a ser ouvido na parede onde a garota havia sido arremessada pela explosão. Os dois predadores mudaram suas posturas, como se estivessem se preparando para algum imprevisto. Por todas as partes nos cantos do interior do prédio luzes verdes em neon começaram a acender.
Victoria girou a cabeça e olhou para trás, para onde seus caçadores encaravam. A parede onde ela se chocara era na verdade um grande recipiente transparente cheio com um estranho líquido azul. Ainda mais confuso foi quando aquelas paredes começaram a baixar. O líquido começara a escorrer pelo chão, Vic fora atingida e fechara os olhos no momento em que seus dedos molharam temendo ser algum tipo de ácido. Se fosse, ela estaria morta, pois não tinha energias e nem condições de se levantar e fugir. Felizmente era apenas algum tipo de líquido viscoso e gelado, mas aparentemente nada químico ou corrosivo.
No centro do enorme tubo de ensaio uma nova forma surgia à medida que as paredes de vidro desciam e o líquido espalhava. Os dois Hunters continuavam parados observando o que seria aquilo. Para a surpresa de todos, era um garoto.
Ou ao menos parecia um.
Agora ficara mais claro do que se tratava. Aquele era um gigantesco tanque de criogenia. Mas o que diabos um adolescente estaria fazendo ali?
O rapaz, que parecia não ser mais velho que Victoria, deu alguns passos e parou ao lado da menina, ajoelhando-se. Os dois caçadores começaram a emitir aqueles sons de novo, o que estariam falando agora? – pensou a garota.
O jovem estava completamente molhado. Agora Vic podia vê-lo um pouco mais melhor, estava sem camisa e descalço, a única peça de roupas que usava era uma calça azul. Tinha cabelos lisos e castanhos, seus olhos azuis brilhavam.
O mesmo estendeu uma das mãos e lhe tocou a face.
—Você ficará bem. Irei protegê-la – disse ele.
Então ele falava sua língua. Mas quem era ele? Os X Hunters voltaram a se comunicar e o vermelho deus alguns passos na direção dos dois. O rapaz levantou-se e ficou em pé encarando o inimigo. Seus olhos eram profundos, vazios de emoções.
—Não permitirei que a levem. Se insistirem em avançar, irei destruí-los. Vocês têm uma chance de recuar. Essa chance é agora.
O garoto estava falando com os Hunters? – pensou a menina arregalando os olhos.
—Você… você pode entendê-los? – perguntou ela esperando que o menino a ouvisse.
—Sim. E eles podem entender qualquer idioma, por isso falei no seu para que entendesse também. Eles também podem falar no seu idioma se quiserem, mas preferem a codificação para que vocês não os entendam – o garoto tinha a voz macia e calma. Ele parecia entender sobre os Reploids, mas Vic estava apenas com mais dúvidas a cada instante.
O Hunter branco, que estava mais próximo à porta, ergueu um dos braços e uma série de movimentos em pequenas peças fez com que um canhão surgisse onde antes havia seu punho.
—Hey, Magma – disse a criatura. O som metálico de sua voz reverberava pelas paredes, mas agora Victoria podia entendê-lo claramente. Então era verdade, os Reploids sabiam seu idioma – Não é necessário levar os dois vivos, certo?
O Hunter vermelho parou onde estava, poucos metros à frente do garoto. Sequer olhara de volta para o outro enquanto o mesmo falava.
—O que o faz pensar que pode nos destruir? – indagou. Sua voz era suave e tranquila, o oposto da voz do outro Reploid. Agora não haviam os chiados nem sinais de estática de quando se comunicavam em códigos – Posso ouvir cada batimento de seu coração. E posso pará-los quando bem desejar. Eu pretendia levar a garota, mas agora acho que irei matar os dois por sua insolência.
Victoria encolheu-se, escorregando no chão para trás. Aquele menino teria a arma capaz de abater qualquer Reploid que ela lera em alguns arquivos? Todos diziam ser uma lenda e ela era chamada de tola pelos outros membros da Resistência, mas aquele garoto parecia tão… confiante.
—Acabe logo com esses vermes, Draccoon – bravejara o Hunter branco.
—É hora de morrer – completou o Hunter com cabeça de dragão.
Não.
É hora de vocês morrerem.