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6

×× Elisa

Quando você passa muito tempo sozinho, sem amigos ou família, sua única companhia são seus próprios demônios. Eles lhe dizem em sua cabeça como você é fracassado e substituível.

Ninguém estará lá quando você chegar em casa depois de um dia difícil, ninguém o abraçará quando você precisar de carinho, ninguém pulará de alegria quando o vir conquistar algo com que sonhou.

Não é nada.

Apenas você e seus demônios.

Você tentará se convencer de que ficar sozinho é muito melhor, que não vale a pena ter pessoas por perto. Você terá essa falsa sensação de paz, mas sempre olhará para um grupo de amigos e desejará ter algo semelhante. Pessoas que gostam de sua companhia e conversam sobre coisas triviais.

Descobri que quanto mais me afastava das pessoas, menos queria estar perto delas.

Isso me machucou. Cresci em meio ao caos de um complexo de apartamentos, nunca fiquei sozinho por muito tempo, minha maior luta na adolescência, antes de fugir, foi pedir mais privacidade. Não posso deixar de sorrir com as lembranças de casa.

Lar.

Toda vez que eu entrava em meu apartamento impecável, com tudo em seu lugar, eu chorava. Chorava ao me lembrar de mamãe gritando com meus pais por causa da toalha molhada na cama, das luzes acesas desnecessariamente, da louça empilhada na pia, das roupas polidas porque papai gostava de trabalhar em seus carros antigos.

Ela reclamava até que um deles a calava com um beijo, seus olhos os fitavam, depois ela sorria e esquecia por que estava tão brava.

Naquelas noites solitárias, eu bagunçava o pouco que tinha no meu apartamento, só para voltar no dia seguinte e fingir que alguém tinha estado lá.

Comer fazia com que eu me sentisse melhor. Passei a aproveitar mais meus dias quando comia algo gorduroso e doce.

Isso se tornou um hábito: trabalhar, comer, dormir.

Trabalhar para pagar meu teto, comer para aliviar minha carência, dormir para esquecer que não havia esperança de mudança.

Comecei a me esconder atrás de roupas mais folgadas que recebia de doações, notei que os rapazes não me davam a mesma gorjeta que davam às outras moças que trabalhavam na cafeteria. Quando eles puxavam seus números escritos em um papel junto com a generosa gorjeta para eles, eu recebia olhares de repulsa, como se eu fosse um cachorro de rua.

Isso não me machucava tanto quanto me fazia sentir aliviado por não atrair tanta atenção. Na verdade, nunca me senti feia, apenas percebi que havia algo diferente no fato de estar acima do peso por causa da maneira como as pessoas me tratavam.

O que a garota fez hoje não é novidade para mim. As mulheres podem ser tão cruéis e inúteis quanto os homens, especialmente quando se trata de aparência. Se ela sentir que está competindo com você, encontrará mais motivos para rebaixá-lo.

Não estou magoado com as coisas que ela fez. Estou magoado porque foi permitido que ela se sentasse à mesa e despejasse seu veneno contra mim. Ninguém a repreendeu, pelo contrário, ela estava sentada no colo de Jorge, sendo protegida por braços que deveriam ser meus.

Todos eles são meus. Meu vínculo grita dentro de mim.

Nunca imaginei passar por isso, sempre empurrei esses pensamentos o mais fundo possível, preferia morrer a imaginar meus parceiros com outra mulher.

A luz do banheiro é fraca, mas consigo ver meu reflexo no espelho. Tiro minha roupa peça por peça, sem tirar os olhos da garota que está olhando para mim.

Será que sou feio?

Será que posso melhorar?

O que me diferencia das outras mulheres?

Não posso odiar a aparência da garota ruiva que está olhando para mim. Essa sou eu. Quebrada, cansada, com defeitos, mas, sem dúvida, uma lutadora.

Levanto meus seios fartos, analisando minha barriga, que certamente tem mais gordura do que deveria. Viro de lado, olhando para sua bunda grande com algumas marcas de celulite e estrias.... Será que é tão feio assim?

A textura da minha pele contra meus dedos é sedosa enquanto analiso minha gordura e marcas.

Suspiro, confusa com o que estou sentindo, pensando se devo começar uma dieta, mas não quero começar algo só porque uma Barbie inútil mexeu com meu tamanho.

Se Jorge está incomodado com minha aparência, ele terá que aprender a lidar com isso. Eu só queria confiar em minhas próprias palavras.

Pego uma camisola de cetim rosa claro para me preparar para dormir. Não foi minha melhor escolha, mas de todas as lingeries que eu nunca usaria sozinha, essa era a menos ousada.

Meu estômago está vazio. Eu daria um rim por um sorvete.

Será que eles têm alguma coisa com calorias nesta casa? Talvez um refrigerante?

Já se passaram algumas horas desde que saí da sala de jantar, depois da tentativa ridícula de jantar com meus colegas de quarto. Nate pode esquecer a ideia, eu nunca mais vou passar por essa humilhação, mesmo que eu tenha que passar fome. Talvez seja essa a ideia dele, trazer acompanhantes altos e magros para me fazer perder a fome.

Talvez eles já tenham ido dormir, eu poderia tentar encontrar algo na cozinha. Sim, serei um ladrão no meio da noite.

Decido subir as escadas para evitar fazer barulho ou esbarrar em algum deles no elevador.

A casa está escura, mas meus olhos se ajustam à escuridão. Espero que você não encontre nenhuma empregada robô no caminho.

Encontrar a cozinha é mais fácil do que eu imaginava, basta seguir o corredor que a equipe atravessou pela sala de jantar. Encontro a enorme geladeira de porta dupla e a abro, rezando para encontrar doces. Lá dentro há de tudo, sucos, iogurtes, muitos vegetais, frutas.... Quase desisto, mas decido procurar no freezer. Quase pulo de alegria quando vejo o pote de sorvete, ele está lá, esperando por mim.

Agora preciso encontrar uma colher... as luzes da cozinha se acendem e eu dou um pulo de susto, cobrindo a boca para evitar que um grito escape, enquanto olho para o loiro alto e musculoso que está me encarando.

Droga, fui pego invadindo a geladeira, isso é constrangedor.

- Vou avisar o Nate que precisamos de um controle de pragas na cozinha, encontrei um ratinho roubando coisas para o buraco dele. - Seu tom de gatinho e minha fome por esse sorvete me deixam louco.

- Acho que ele não vai se importar em ter pragas em casa, já que ele mora aqui com você. - Olho para ele sem demonstrar o quanto sua presença me deixa nervosa.

Sempre me sinto nervosa perto deles, meu corpo treme, parece que estou sempre esperando por algo, mas não é uma sensação ruim, é como se eu tivesse lido que meu pedido era para entrega em domicílio e estivesse na janela esperando o entregador.

Barbara olha para mim com a mão apoiada na moldura da porta, ele está usando calça de moletom e uma camiseta branca que mostra seus músculos. Ele me encara com um olhar crítico enquanto eu procuro uma colher nas gavetas.

- Você vai ficar aí a noite toda? - murmuro mal-humorado, controlando minha respiração para não tremer a cada palavra.

A cada segundo que ele passa no mesmo cômodo que eu, sinto mais falta de ar.

- Minha presença o incomoda, Red? -

Sim.

- Por que ela o incomodaria? - Mantenho um tom indiferente e continuo minha missão atrás de uma colher.

Fico esperando a resposta, mas ela nunca vem. Ele atravessa o espaço entre nós. É como um puma coagindo sua presa.

Não me mexo, mas prendo a respiração com medo de farejá-lo e atacar sua garganta. Sua abordagem ecoa em meu cérebro.

Pegue o que é seu, pegue sua companheira. Precisamos de todo esse poder.

Rezo para que ele não veja o efeito que tem sobre mim, embora meus olhos quase se fechem quando sua mão se aproxima.

Como seria seu toque - gentil ou exigente?

Imagens de sua mão agarrando minha cintura e de mim sentada em cima da ilha da cozinha para tomar tudo o que lhe pertence inundam meu cérebro.

Minha pele arde por ele, olho em seus olhos que parecem tão hipnotizados quanto os meus. Posso dizer quando ele sai de seu transe, pois o vazio substitui aquele brilho. Ele abre uma gaveta, tira uma colher e a oferece para mim com um sorriso esperto no rosto.

- Se você compartilhar, não vou dizer que foi você quem comeu o sorvete do Jorge... -

- O sorvete é seu? Pensei que as coisas pertencessem a todos na casa. Não sei se isso é uma boa ideia... -

- Comer os doces do Jorge? Nunca é uma boa ideia, mas eu faço isso para vê-lo enlouquecer. - Algo em seu sorriso me diz o quanto ele sente prazer em provocar seu parceiro tatuado. Isso me faz simpatizar mais com ele, algo sobre atormentar Jorge me conforta. Ainda mais depois da cena do jantar.

Ele pega o recipiente de sorvete e o abre com movimentos calmos, até mesmo os dedos de suas mãos são atraentes. Será que ele tocaria meu corpo assim? Com aquela serenidade de alguém que sabe o que está fazendo?

Merda de Bond. O cara está abrindo um pote de sorvete que roubamos de um demônio, eu não deveria me importar que suas mãos estejam em mim.

- Eu cheguei lá primeiro. - Protesto, tentando tirar a colher de sua boca.

Tento abrir a mesma gaveta onde ele encontrou a colher, mas seu corpo a bloqueia com os quadris.

- Não seja egoísta! Nunca lhe ensinaram que às vezes é bom compartilhar? - Ele lambe a colher e eu uso toda a minha força para não seguir sua língua.

Sua língua lambendo meus lábios e pescoço, descendo pelos meus seios, estômago, até o ponto mais doloroso do meu corpo....

Odeio meu vínculo.

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