Capítulo 4
É melhor não especificar as condições em que ele me encontrou.
- Por que você não ligou para o Rick? - observa Chris, colocando outra bola de sorvete na boca.
É verdade que ele está tentando defender seu amigo, assim como meu atual namorado.
Por despeito, tiro a bandeja das mãos dele. Afinal de contas, esse é o meu café da manhã!
- Eu tentei. - Admito, indo em direção à mesa da cozinha, onde meu celular está enterrado em uma bandeja de arroz, como a Siri me aconselhou, para restaurar seu funcionamento adequado, após o banho de cerveja.
- Mas, bem... eu tive, hum, alguns acontecimentos inesperados. - Limpo minha garganta, enquanto Olly abafa uma risada.
- Mas não importa, o agente Trey foi muito gentil, então eu voltei para casa de qualquer maneira e coloquei o telefone no arroz.... -
- Freio, freio, freio. - Chris me interrompe.
- O que você disse? -
Engulo meu sorvete lentamente, deixando-o esfriar minha garganta e meus pensamentos ainda mais.
- Coloco o celular no arroz. -
Ele balança a cabeça.
- Não, antes. -
- Que eu voltei para casa? -
Chris se levanta da cadeira, vem até mim e retira o pote de sorvete, enquanto Olivia observa toda a cena com atenção.
- Primeiro, Joshe. Como você disse, esse é o nome do agente? -
Espero alguns segundos, tempo suficiente para sentir o batimento cardíaco ecoando em minha caixa torácica, depois cuspo o nome.
-Trey. -
O ladrão de sorvete fica congelado por um momento, depois aparece uma expressão em seu rosto que não consigo decifrar.
- Você precisa ficar longe dele, Joshe. Esse cara é perigoso. -
Suas palavras vêm com a mesma intensidade de um soco no estômago.
O que diabos isso quer dizer? Estamos falando do mesmo Trey que esperou que eu entrasse em casa antes de sair?
Estou confusa e Chris pode perceber.
- Não me peça para explicar. Mas você tem que confiar em mim quando digo que é melhor fingir que nunca o conheceu. -
Isso é fácil, Chris.
Mas a coisa toda não está batendo certo para mim.
Por isso, estou pedindo um esclarecimento.
- O que quer dizer? Não pode ser tão ruim assim. De qualquer forma, ele é um policial, ele trabalha pela justiça... -
-Joshe . - ele me interrompe, tentando me trazer de volta à realidade. Ele obviamente sabe algo que eu não sei.
- Você confia mais na pessoa que lhe traz o café da manhã em casa durante toda a sua vida ou em um cara que você encontrou uma vez na rua à noite? -
Não fantasie, Joshe, não fantasie, não fantasie...
- Tudo bem, você venceu. E então não vale a pena ficar imaginando, pois provavelmente nunca mais o verei. - Afirmo com um suspiro, fingindo ter desistido do assunto. No entanto, dentro de mim, um furacão de emoções não me deixa em paz.
Pelo menos Chris cai em minha armadilha.
- Muito bem, muito bem dito. Queremos ir? -
Eu me despeço de Olivia e saio pela porta, seguido de perto por Chris.
Embora as palavras do meu amigo tenham sido sinceras, não consigo me livrar desse estranho sentimento de decepção em meu peito, pensando que talvez nunca descubra o que eu poderia ter feito para que Chris falasse dele daquela maneira.
É realmente tão perigoso assim, agente Trey?
Por que você queria me proteger, então?
Eu gostaria de saber, porque algo dentro de mim me diz que não é o que as outras pessoas pensam.
Tento tirar esses pensamentos da cabeça e coloco meu capacete, pronto para subir na moto do meu amigo.
Já chega, Joshe.
Não adianta quebrar a cabeça, eu nunca mais vou vê-lo de novo, não é? Certo?
***
- Vamos, Joshe, vamos lá! -
- Abra essas pernas! -
- Você tem que se abaixar mais, Frego! -
Tentar manter o foco e seguir os conselhos de Chris não é fácil.
Especialmente considerando que estou me equilibrando em um veículo de duas rodas e que basta tocar o guidão para correr o risco de ser jogado no chão pelo excesso de potência.
Dou uma última volta na pista, acelero na reta final e acabo acertando em cheio, bem na frente do Chris.
- Bem, vamos dar um tempo. -
Tiro o capacete, permitindo que um pouco do meu cabelo pegajoso caia das minhas bochechas por causa do suor.
- Muito bem, meu garotinho. -
- Obrigado, Chris. -
- Eu estava falando com a minha moto. -
- Ah. -
Bufo alto e sacudo o cabelo para afastar um pouco do calor.
Quando me recupero, percebo que os olhos de Chris estão em mim.
- O que é isso? -
- O que está acontecendo hoje, Frego? - Pelo tom de sua voz, posso dizer que ele provavelmente vê muito mais do que eu acho que vê.
- Nada, por quê? -
- Você não estava se concentrando. -
Preso. E adeus aula de teatro. Um a zero para você, Chris.
- Eu também não fui tão mal. - Tento me defender de alguma forma, mas sei que meu amigo tem toda a razão.
Ele inclina a cabeça para um lado e cruza os braços sobre o peito.
- Você fez quase o dobro do tempo da última vez, e agradeça ao meu garotinho por ter resistido, senão você teria derretido a embreagem. -
Soltei uma pequena risada enquanto murmurava um "desculpe" em voz baixa.
Conheço Chris desde o ensino médio, eu era a garota da nova escola, ele era o que estudava e era rejeitado pelas garotas.
Ele seguiu seu caminho durante todo o ensino médio, até que teve sua maravilhosa "explosão" e passou de patinho feio a cisne.
Voltamos a ficar juntos por volta da oitava série, quando meus pais morreram em um acidente de carro e eu acabei morando com a tia Lucy, que me criou como se fosse minha mãe.
Não sei por que Chris sempre foi tão paciente comigo.
Eu não queria ir para a escola, ele me fazia estudar brincando.
Eu não queria comer, ele me levava sorvete de pistache às escondidas.
Ele me levou para casa na primeira vez em que eu estava bêbado e praticamente quebrou as pernas do primeiro cara que me traiu.
Ele é como o irmão que eu nunca tive.
- Venha, vamos nos sentar. -