Capítulo 8
Sharon me empurra com raiva e vai embora, deixando-me encostado na cortina para me recuperar do toque dela mais uma vez.
Isso me consome como um fino pedaço de papel preso em chamas infernais.
Pego outra fatia de bolo e, frustrada, volto para a cozinha, onde encontro a mochila de Sharon apoiada ao pé do banquinho.
Que menina desajeitada, ela tem que estudar e esquece a mochila aqui.
Recupero colocando-o sobre o balcão e sento no banquinho para beber um copo d'água... Percebo que alguns papéis caíram da mochila aberta e enquanto tento guardá-los, fico paralisado ao ver Documento de Rafael.
Que...?
Deixo o copo d'água descansar e pegando o documento deixo cair uma cópia... quantas são?
Espere... eles não são iguais, noto, notando uma sutil diferença de cor entre os dois. É mínimo, mas para quem viveu de documentos falsos na adolescência é visível.
Um é original e o outro não.
Pego o original e leio todos os detalhes até arregalar os olhos na data do nascimento, não é possível.
Certifico-me de ter o documento original em mãos, mas é isso...Rafael tem anos.
— Você demorou muito para descobrir — ouço alguém dizer atrás de mim e reconheço a voz de Rafael.
Eu me viro com as cartas na mão e sibilo: O que isso significa? -
— Xavier deu para você? —ele desabafa, arrancando os documentos das minhas mãos.
- Javier? O que diabos isso tem a ver com...? — Só agora percebo que deve ter sido o próprio Xavier quem o fez obter os documentos falsos.
—Como você os conseguiu então? -
“Fui eu”, diz outra voz na porta da cozinha.
Nós nos viramos e encontramos Sharon olhando para nós com seriedade e caminhando lentamente.
—Sharon? —Rafael sussurra com verdadeira surpresa.
— E vou te contar mais... Procurei no seu computador e encontrei a foto de um menino que se parece com você, então presumo que ele seja seu pai, junto com a tia Beni. Como você quer nos explicar isso? -
Franzo a testa, sem entender mais nada... o que diabos seu pai tem a ver com tia Beni?
— Eu sabia que deveria ter te observado mais do que Giorgio — Rafael sorri amargamente, observando-a intensamente.
Não é um olhar que me agrade, na verdade fico na frente de Sharon e deixo escapar para Rafael: "O que você está jogando, amigo?" -
- Ei? Vocês são aqueles que brincam de detetives.
— É por causa da minha família, eu não brinco de jeito nenhum. —Sharon diz severamente, passando por mim.
Agarro seu braço e sibilo acima de sua cabeça: Não se afaste de mim. -
—Também é sobre minha família. Meu pai foi assassinado injustamente e sua família tem algo a ver com isso, não vou recuar até descobrir quem fez isso.
—Como você pode ter tanta certeza disso? —pergunto, apertando com força o pulso de Sharon.
— É por isso — tira a carteira do bolso e nos entrega um pequeno bilhete que abro imediatamente — Meu querido Beni, estou doente e me restam alguns dias de vida. Tento te contar toda vez que nos encontramos, mas as palavras nunca vêm... como se eu também não quisesse aceitar. Estou escrevendo esta pequena mensagem para você enquanto você dorme em mim. Seus pais correm o risco de morrer e você imediatamente me ligou para correr para o Cérebro. Você não ligou para Cortada, mas me ligou... por quê? Sim, já sei da sua relação com o professor há alguns meses, peguei ele se aproximando de você diversas vezes mas guardei segredo para não te incomodar. Só quero avisar sobre ele, é um homem perigoso e se mistura com pessoas desagradáveis. Tenho que ir, dizem que tenho que tirar a moto do estacionamento. Eu te amo muito, seu Aldo. /—
Preciso relê-lo mais uma vez para entender que isso não é um sonho. O pai de Rafael, além de ser muito próximo de tia Beni, era apaixonado por ela.
— Diz aqui que ele estava doente e tinha poucos dias de vida, como você sabe que ele foi assassinado? - pergunta Sharon, que é muito mais racional que eu.
—Minha mãe deveria encontrá-lo naquele mesmo dia para falar com ele sobre mim, mas ela nunca mais o viu. Naquele dia uma pessoa morreu no estacionamento do hospital, ninguém sabe quem foi. Todas as evidências foram apagadas.
—Você acha que foi o tio Bilel? - ele sibilou, olhando para ele ameaçadoramente.
- Não estou excluindo ninguém. - Rafael desabafa, cruzando os braços.
—Mas… como isso é conseguido? —Sharon pergunta, ainda segurando o papel na mão.
— Benedetta — ele responde com simplicidade.
Então tia Beni sabe de uma coisa.
- Olá pessoal, tudo bem com vocês? — Uma pessoa entra na cozinha e vemos tio Bilel afrouxar a gravata e caminhar em direção à geladeira.
Todos ficamos paralisados.
—Rosita fez um bolo, você quer? Rafael pergunta como se nada tivesse acontecido.
Ele é um ator nato.
— Aquele cheiro era bom, claro — Tio Bilel se serve de água fria e se aproxima do balcão.
- Tudo está bem? Se você continuar esmagando a boneca da Sharon ela vai quebrar, sabe? —Tio Bilel diz, apontando meu controle rígido sobre Sharon.
"Nós... estávamos indo embora", ele murmurou, recuando com ela.
—Você não vai ficar para jantar? -
- Nono. Mamãe quer que estejamos em casa para jantar, talvez em outra hora. Coloquei a mão no quadril de Sharon para puxá-la para mim.
— Ah, claro, como posso contradizer a Viviana. Até breve pessoal - Tio Bilel nos cumprimenta, comendo o pedaço de bolo enquanto eu lhe dou um sorriso tenso e, pegando minha mochila, arrasto Inês para fora, que está visivelmente tremendo.
—Ei, olhe para mim— eu pego o rosto dele enquanto continuo andando.
Ele parece apavorado, eu também.
— Estamos indo embora, ok? —sussurro em seu rosto, acariciando seus cabelos para acalmá-la.
— E se tio Bilel... — ele começa a dizer mas coloco um dedo em seus lábios — Agora não, pequenino, vamos para casa primeiro. -
Eu pego a mão dela e a tiro de lá.
—Giorgio, é você? - mamãe grita quando abro a porta da frente.
— Sim, estou com Sharon —
- Você estudou? -
— Muito, vou subir para tomar banho — Arrasto Sharon escada acima e, levando-a para o meu quarto, faço-a sentar na cama.
“Não achei que o assunto fosse tão sério”, sussurra Sharon, ainda chocada.
—E se ele estiver mentindo? E se eu tivesse escrito aquele bilhete? —Sento-me ao lado dele.
Sharon imediatamente balança a cabeça: “Não, não parecia que ela estava mentindo.”
“Você mentiu sobre sua idade esse tempo todo”, lembro a ele.
— Eu vi seus olhos furiosos. Ele quer justiça e não vai parar até conseguir.
- O que fazemos então? Devemos avisar o tio Bilel e a tia Beni? —Pergunto, passando a mão pelo cabelo.
— Claro que não, primeiro precisamos entender até que ponto eles estão envolvidos com a morte do pai de Rafael —
- E como? -
—Quem protegeria o tio Bilel se ele cometesse um crime, além de sua família? -
Estou pensando nisso - Seu advogado -. Sharon assente e só agora percebo: seu pai, seu pai sabe. -
— Exatamente, temos que ir ao estúdio dele —
- Agora? -
- E quando? Mover! — Sharon corre até a janela e olha para sair dali.
—Por que não podemos entrar pela porta? —Eu a sigo atrás.
— Como existem câmeras, temos que agir incógnitos... socorro! — Eu a pego a tempo antes que ela quebre algumas costelas — Cuidado — murmuro, trazendo-a para mais perto de mim.
— Estou bem — em vez disso ela rejeita todo o meu contato e volta a caminhar como um equilibrista na corda bamba ao longo do tronco robusto que liga a minha janela à dela.
Sigo ela em silêncio e entrando em seu quarto, olho um pouco em volta.
Faz anos que não ponho os pés nele, tem o mesmo aroma floral que eu lembrava.
-Jorge? — Sharon me traz de volta à realidade quando sai da sala.
— Sim, estou indo — Desvio o olhar das fotos em cima da mesa, em algumas parece que estou lá também.
"É lento", ela sussurra, ficando na ponta dos pés.
"Mas não há ninguém em casa", murmuro, seguindo-a pelo corredor.
— Shh! — ele me repreende enquanto abre a porta do escritório do pai.
—Rápido—, ele me arrasta para dentro e fecha a porta atrás de nós.
— Você está ciente de que está fingindo ser um ladrão em sua própria casa? -