Três
Gaby
É muito cansativo trabalhar o dia todo e estudar à noite, mas eu tenho fé que vou conseguir finalizar o ensino médio, é um dos meus maiores objetivos, pois era o que minha mãe sempre quis e sonhou para mim, por isso eu batalho mesmo dia e noite para conseguir concluir tudo, e fazer com que minha mãezinha se sinta orgulhosa de mim lá do céu.
— Gaby trouxe isso pra você! - Alyson diz me entregando um copo de suco e um sanduíche.
No mesmo instante em que olho pra comida, minha barriga me lembra que eu não comi nada o dia todo, e devido aos surtos frequentes do Luan, na minha casa também não há comida nos armários, então eu aceito o lanche que amigo trouxe pra mim, porque não estou podendo me dar ao luxo de recusar comida por causa de orgulho.
— Obrigada Alyson, mas não faça isso novamente. - eu digo mesmo sabendo que amanhã ele me trará lanche de novo, ele sempre faz isso, pois percebe que eu sempre me afasto e fico em um canto do pátio estudando durante todo o intervalo, enquanto o restante do pessoal da sala compra lanches na cantina.
É sempre isso, mesmo morrendo de trabalhar, eu nunca tenho dinheiro, recebo pouco na lanchonete e não tenho ajuda com as despesas de casa, pelo contrário, se eu não ficar esperta, acabo sendo roubada pelo meu próprio irmão.
— Tudo bem princesa, agora termina o seu lanche tá? - ele pede com um sorriso largo, o Alyson é muito bonito, ele tem cabelos castanhos claros e olhos bem verdes, e eu sei que ele tem sentimentos por mim, porém, não posso correspondê-los no momento, pois não posso me dar o luxo de pensar em romances com tantas coisas acontecendo na minha vida.
Assim que termino o meu lanche, peço licença para o Alyson e para os amigos dele que sempre sentam ao redor da gente no intervalo e ficam conversando com ele e puxando assunto comigo também, sempre os trato com educação, mas tudo dentro dos limites. Fui ao banheiro, e depois que fiz minha higiene senti o meu celular vibrando no bolso, e quando olhei pra tela, notei que haviam mais de trinta chamadas de áudio da Maju.
Abri o watsap no mesmo instante, para a minha amiga estar ligando tanto assim no meio da aula, com certeza é porque algo aconteceu, e o Luan deve estar metido em alguma confusão, e minha suspeitas foram confirmadas assim que ouvi o áudio que ela havia me mandado.
— Amiga sobe rápido o morro, teu irmão tá em apuros. - a voz da minha amiga estava desesperada. Assim que finalizei o áudio, abri a imagem de uma só visualização que ela me mandou.
Aí meu Deus.
Meu irmão e mais três garotos estavam envoltos dos pés ao pescoço com pneus de carro, nem precisa ser do morro pra saber o que está prestes a acontecer com eles, comecei a tremer as mãos até o ponto de fazer meu celular cair no chão, e o barulho da tela se quebrando faz eu acordar pra o mundo e ir correndo dali, sem nem voltar pra onde o Alyson e os colegas estavam pra avisá-los, também deixando meus livros e cadernos para trás.
Subo o morro feito uma louca, até a parte que eu nunca nem me arrisquei a passar. A parte mais alta do morro pertence ao dono da favela, por aqui só rola o tráfico, drogas, bailes, bandidos e um monte de Maria Fuzil, coisa que eu sempre odiei, mas nesse momento eu não me importo, apenas estou indo rápido de encontro ao meu irmão.
(...)
— Se tu não paga a dívida pra mim, vai pagar para o Capeta. - uma voz grossa soava estridente para os garotos envoltos nos pneus, que choravam e se tremiam de medo.
— Mas olha só o que temos aqui! - um dos malandros que sempre tira onda comigo quando passo na rua me surpreendeu por trás, revelando minha chegada pra todo mundo. — Sai fora daqui bonequinha, aqui não é lugar pra você não.
E então o homem que está de costas ameaçando o meu irmão, se vira e seus olhos negros se cruzam com os meus, e ali eu vejo os olhos do próprio demônio.
Ele demora um pouco me olhando de cima a baixo, e um meio sorriso perverso se forma no canto de seus lábios.
— Oi boneca! - a maneira que ele está me olhando, me dá calafrios, e não é de um jeito bom. — Tá procurando o pai? Gostei de você! Pequeno leva ela pra o meu camarote que mais tarde eu apareço por lá, o que vai rolar aqui não vai ser bonito.
— Na... Não! - tratei logo de explicar, ele estava achando que eu sou Maria Fuzil. — E.. eu... tô atrás do...
— Gaby! - a voz chorosa do meu irmão se fez presente. — Gaby minha irmã, eu não quero morrer, eu não queroooo.
Meu irmão chorava e logo as lágrimas começaram a escorrer dos meus olhos também, até o momento em que um tiro pro alto soou e nos fez engolir o choro.
— Aqui não é lugar pra reunião de família! Se tu quiser ver o teu irmão morrer, faz isso calada. - Lobão disse com uma voz grossa que me fez tremer, mas eu tenho que fazer algo, não posso deixar o meu irmão morrer.
— Por... por favor... não mata ele. - pedi e novamente ele se virou pra mim.
— Esse Zé tá me devendo a maior grana, e ele não vale nem metade disso, pois é um drogado de merda, tenho certeza que vou até te fazer um favor empacotando ele.
— Ele é meu irmão! Não posso permitir que ele morra assim por nada. - não sei de onde tirei a coragem, mas disse tudo de uma vez.
— Amiga! Você veio até aqui. - Maju disse subindo o topo do morro de mãos dadas com o Danger, e já veio correndo me abraçar.
— Caralho Danger controla tua fiel porra! Minhas atividades virou fofoca de mulherzinha agora? - ele disse e dando outro tiro, mas em vez de ser pra cima, dessa vez foi na testa de um dos caras que estava preso. — Tô nervoso caralho! Os fiotes chega querendo enquadrar o meu serviço, tão me devendo e vão morrer porra.
— Beleza! Beleza patrão! - Danger disse olhando feio para a minha amiga, fiquei com medo dela entrar em problemas por minha causa, esses caras não são brincadeira, coitada da mulher que se envolver com eles.
— Eu solto esse Zé que tu chama de irmão se tu pagar a dívida dele. - disse o chefão do tráfico novamente me olhando com o seu olhar gelado.
— Tudo bem, eu aceito! Eu saio da escola e arranjo outro emprego, nem que eu me vire em mil eu...
— Não é assim que tu vai me pagar boneca. - ele disse me devorando com o olhar, e com um sorriso diabólico. — Tu vai pagar sentando bem gostoso pro pai.
— Eu… eu não sou puta.
— Não é só puta que dá que dá a buceta. - todos os soldados estavam calados, até o Danger, apenas observando a conversa, ninguém é doido de desafiar o Lobão. — Eu já me demorei demais, vou mandar esse caraio pro inferno e voltar pro meu puteiro.
— Eu não quero morrer, por favor irmãzinha. - meu irmão suplicou com a voz embargada e meu coração se apertou.
— Já te saquei novinha! Tu se acha melhor que as outras cachorras da favela, e gosta de fazer cu doce. Tu que sabe, vaza logo dessa porra. - apontou a arma pra testa do Luan.
— NÃO! - eu gritei e percebi que o Lobão sorriu, ele tá claramente jogando com a minha mente. — Eu aceito! Eu faço tudo o que o senhor quiser, apenas solte o meu irmão.
— Danger! Liberta esse pau no cu. - deu a ordem pra namorado da minha amiga.
— Pode pá! - o Danger soltou o meu irmão, que veio correndo e me abraçou.
— Fica de boa bonequinha! Logo logo tu vai ser solicitada. - tremi quando ele disse isso, mas tentei ignorar e levar meu irmão pra casa.
— Chefe, e esses que sobraram? Solta também? - um dos vapores perguntou, apontando para os outros dois garotos que estavam presos.
— Tá doido fiote! - Lobão disse dando um tiro nos galões de gasolina próximo aos pneus, e de repente tudo começou a pegar fogo. — Pra você ver o que vai acontecer com o teu irmão se tu não ficar de leves comigo.
Assim que ouvi o que esse monstro disse, desci o matagal do morro com o meu irmão e a Maju, queria deixar logo aquela cena de terror, e levar o Luan pra o nosso barraco.
Abri a porta de casa e passei direto pro banheiro, abri a tampa do vaso e logo comecei a vomitar, joguei tudo o que tinha comido pra fora, depois escovei os dentes e encarei minha própria face no espelho da pia.
Eu tenho que preparar bem o meu estômago, pra poder encarar o que está por vir.