Sete
Lobão
Sabe aquele ditado que diz, “é de onde menos se espera, que aparece”? Pois é. É exatamente assim que eu me sinto agora. Sinceramente, eu não imaginava que coisas assim pudessem acontecer, quando eu acordei hoje de manhã.
Aqui estou à espera do Fantasma e do Luan, meu cunhado, vulgo, Lua. Eles saíram mais cedo para fazerem uma investigação a respeito de uma figura que estava encarando a minha mulher quando a gente saía da festa do CV ontem à noite. Isso porque eu não vi o safado, pois se tivesse visto, certamente à essa atura o infeliz estaria com o cu cheio de balas. Mas eu confio neles, pelo menos no meu soldado mais chegado. Também estou começando a confiar no Lua, acho que essa porra de ser crente mexeu mesmo com os miolos dele. O garoto está até mais arrumado. Mas vamos deixar esse negócio de lado e vou é cuidar da minha vida que é melhor.
Só que eu estou com um pressentimento ruim, não sei o porquê. Aquela coisa de dar um aperto no peito. Uma doutora mulher do MT disse que isso pode ser ansiedade, mas eu já acho que isso é coisa de mulherzinha. Tomo um gole de café, enquanto eu vejo a Gabi brincar serenamente com os nossos filhos, meus lobinhos. Ravi e Davi são a minha vida e eu faria tudo por eles, tudo mesmo... e pela minha gata maravilhosa, também. É quando o Fantasma chega de repente, mas sinceramente, ele parecia ter visto um fantasma.
— Porra, Fantasma. Viu um Fantasma, porra? — eu pergunto. Como que entra na minha casa assim? E cadê o Lua?
Gabi chega mais perto, ela também se assusta.
— Fantasma eu não vi, não. Mas o bagulho foi doido, Lobão! — ele está bastante cansado.
Meu vapor contou pra gente o que havia acontecido e Gabriela já entrou em desespero. Justo no Morro do Urubu? Como que uma coisa dessas foi acontecer? Ele também deu as características dos homens que os capturaram e que não pareciam em nada com os vapores do Morro.
— Quer dizer então que vocês foram pegos por algum tipo de gang, é isso mesmo? — novamente eu o pergunto.
— Isso mesmo, Lobão. Eu só sei que ainda consegui pipocar uns quatro, mas daí haviam muitos e o Lua me mandou correr. Ele ficou pra trás pra que eu pudesse escapar e avisar vocês. — disse o Fantasma. — E dona Gabriela... antes de eu sair de lá o Lua me pediu que dissesse algo pra senhora.
— O que ele disse? — Gabi pergunta.
— Tio...
Gabi olhou para frente, com os olhos fixos na porta, mas não era exatamente a porta que ela olhava e eu não entendi absolutamente nada. Só sei que ela já mencionou vagamente algumas histórias de família, mas nunca se aprofundou.
— Tem certeza que foi isso que ele disse, Fantasma? — ela quebra o silêncio e pergunta novamente.
— Sim senhora. Foi isso mesmo.
— Que história é essa de tio, Maria Gabriela? E o que aconteceu com o Lua? — agora eu fiquei curioso. Que confusão foi essa, afinal?
— Bom, se o que o fantasma diz for verdade...
— Mas é verdade... — Fantasma tenta interromper.
— Porra, para de interromper a minha mulher! Porra! — digo, aos gritos mó nervoso.
— Não precisa gritar, acredito que o Luan esteja bem. — ela diz. — Mas devemos...
E nessa discussão toda, se passam quase uma hora, então novamente um vapor vem até a minha casa, dizendo que eu estou sendo convocado pelo conselho.
— Puta que pariu. Tem mais essa agora. O que foi? — estou no meu limite. Além de ter que, possivelmente elaborar um plano de resgate, agora o conselho me convoca. O que será que o Marconi quer? — Está bem. Eu vou comparecer ao conselho, assim aproveito e peço apoio ao Marcondes pra resgatar o Lua.
Dou um beijo na testa da Gabi e deixo-a aos cuidados do Fantasma. Com possíveis gangs estranhas rondando o complexo, não acho seguro ela ficar sozinha com os meus filhos. Mas o que mais me intrigou foi a cara do vapor, que só deu o recado e saiu. Algo estava errado naquela história. Será que o Marconi voltou atrás e decidiu me substituir? Subo na minha moto e vou voando, figurativamente, para o CV.
(….)
Logo de cara eu vejo carros e motos pertencentes aos demais donos de morros, estacionados aqui. Para a alta cúpula reunir todo mundo desse jeito, é porque algo grave deve ter acontecido e aquele puto daquele vapor nem para me adiantar alguma coisa. Desço da moto e entro, logo de cara vejo uma mesa grande, com um corpo estirado nela. Caralho, será que é o Lua? Aproximo-me mais do círculo e todos abrem caminho para que eu possa passar. Encosto-me à mesa e devagar eu levanto o lençol branco que cobria o presunto deitado sobre a mesma e quase caio para trás...
— Mas que porra é essa? — pergunto aos demais. — Falem, porra! Quem foi o filho da puta que fez isso com o próprio CV?
— É isso que a gente quer saber, Lobão. Mas por hora, tu tem que assumir o lugar que é teu de direito e vingar a morte do CV! — disse o dono de um dos Morros.
— Onde o encontraram? — estou com muita raiva.
— Numa vala, numa estrada de chão que fica entre aqui e o Morro do Urubu! — coincidência ou não, foi lá que caras estranhos capturaram Lua e o Fantasma. — E como a chefia mesmo pode ver, o Marcondes foi executado com mais de trinta tiros, mano. Isso não pode ficar assim.
— E não vai ficar mesmo! — falo alto. — Todo mundo lá fora, eu quero o alto escalão lá fora, vou dar um aviso importante!
Pouco tempo depois, os chefão dos maior morro do Rio de Janeiro estavam todos na frente do CV para ouvirem o meu manifesto. Eu quero os filhos da puta que fizeram isso com o meu amigo e não vou perdoar ninguém.
— Tenção aí! — começo a falar, em voz alta. — Essa noite não passa sem que a gente saiba quem matou nosso CV e como o novo chefe, eu prometo que essa morte não vai ser tolerada. Não poupem ninguém, vasculhem tudo. Do alto do morro até os esgotos, se for possível. Eu quero pente fino nessa porra. Nós vamos achar quem fez, ou, mandou fazer isso. Vamos lá!
A galera levantou os fuzis e gritaram e partiram para fazerem uma batida geral por todo o Rio. Mandei que não poupassem ninguém. Apenas passei em casa e expliquei pra Maria Gabriela o que estava ocorrendo e que logo eu seria feito o novo CV, mas antes eu tinha de descobrir quem havia sido o mandante da execução do Marconi. Enquanto isso, na cúpula do conselho, os donos me fizeram o novo CV e eu fui incumbido de vingar a morte do antigo, por todos ali. Dei a minha palavra durante a cerimônia de sagração, onde jurei com o meu próprio sangue, passar por cima de quem fosse, para manter a honra da facção. E assim, os mais influentes no conselho, me passaram todos os poderes que dantes pertenciam ao Marconi e eu passei a ser o comandante de todo o complexo.
— Eu juro que trarei a cabeça do filho da puta e a pendurarei bem na entrada do Alemão!
(….)
— E então? Como estão as investigações? — Gabi pergunta. Estou em casa. Passei aqui para ver os meus meninos. — Alguma notícia do Luan?
— Porra, mina. Olha, eu sei que tu tá preocupada, mas eu não posso te dizer nada, tá ligado? Eu tinha feito todos os meus planos, ser sagrado como CV e o Marconi se aposentar, agora eu acho cara todo estourado de bala e ainda por cima...
— O que? Ainda por cima, o que?
— Eu não posso garantir que o teu irmão esteja vivo, Maria Gabriela. — vejo lágrimas saltarem de seus olhos. — Sinto muito, minha rainha, mas isso é tudo o que eu posso te dizer. Que vou fazer de tudo pra vingar as mortes deles.
Abraço a minha gostosa, mas sei que ela está sofrendo. É o irmão dela e ainda mais agora que o moleque parecia mesmo estar mudando. Será que a via é tão injusta assim? E pra completar a desgraça, minha irmã está inconsolável por saber que esse porra está desaparecido. Bem que eu sabia que esse lenga, lenga entre os dois iria fazê-la sofrer e eu estava certo. Se esse moleque morreu mesmo, minha irmãzinha vai ficar muito mal.
— Olha — eu digo com o rosto da minha mulher, por entre as minhas mãos, eu recomendo, — Tu fica aqui e não saia até eu voltar, tá ligado?
— Por que?
— Eu tenho que estar no CV. Os parças estão fazendo uma batida por todo o complexo e eu quero saber em primeira mão, o que eles descobriram. Mas ainda tem a gangue que o Fantasma mencionou. Cuidado, minha rainha e passa fogo em quem tentar te ameaçar.
— Pode deixar, meu Lobo mal. Sua rainha vai cuidar muito bem da matilha.
Nos beijamos e eu segui para a minha moto, quando eu tô na atividade assim não dá pra andar de carro. Acho que vou passar a noite por lá.
(….)
O dia já estava amanhecendo e eu já não aguentava mais de ansiedade. Queria logo era dar um tiro na cara de alguém. É quando o Danger chega com as tão esperadas, notícias.
— E então, o que descobriram? — o cara ficou me olhando. — Fala logo, porra!
— A gente teve que torturar e matar um monte de gente pra obter a verdade, cuzao.
— E...
— A gente acabou pegando um dos caras que faziam parte do bando que cercou o Fantasma e antes de morrer, o pau no cu confessou que quem mandou executar o Marconi foi a máfia italiana.
De todas as coisas sem sentido que eu já tinha ouvido na minha vida, aquela era sem dúvidas e de longe, a pior.
— O que? Do que que é que tu tá falando, doido? Por que diabos esses máfia italiana iria querer com a morte do Marconi? Esses caras ficaram doidos, por acaso? — faço uma enxurrada de perguntas.
— Foi isso mesmo, CV. E tu ainda não sabe da maior...
— E tem mais? — era só o que faltava.
— O vagabundo também disse o nome do chefe da máfia... e é o caralho do Lua.
Esse cara só pode estar fodendo com a minha cara, não pode. Como que o Lua, aquele moleque noiado... ex, sei lá.
— Como que o porra do Lua pode ser o chefe da máfia italiana, meu? Aquele noia mal sabe o caminho da própria casa! — levo minhas mãos à cabeça.
— Pois foi exatamente isso que o gangster disse. O irmão da tua mulher ó o Capo e que ele teria mandado matar o Marconi...
Sabe quando tudo parece estar desabando? Pois é. É exatamente o que sinto que está acontecendo, mas não vou me deixar abalar.
— Então, Lobão. Independentemente de quem seja o Capo, tua primeira missão como CV é trazer a cabeça do assassino do Marconi, conforme tu mesmo disseste que faria. — um dos membros do conselho, falou. — Mataram o chefe do CV da maneira mais desonrosa possível e ainda desovaram o corpo numa vala. Isso não pode ser tolerado e queremos a cabeça do assassino, queremos a cabeça do Lua.
— E vocês a terão!
Essa foi a minha promessa, mas eu sabia que não seria tão fácil. Deixei a sede da cúpula, onde o velório estava sendo organizado. Apenas passei pela viúva e reforcei a minha promessa, depois montei minha moto e segui de volta para a minha casa. Pois Eu mesmo faço questão de contar essa parada pra minha mulher, que o irmão dela vai ter que morrer para que o sangue do Marconi seja vingado. Mas duvido que aquele pau no cu ainda esteja por aqui. Pelo tempo que passou, certamente ele deve estar bem longe, mas ele pode se esconder até no inferno que eu vou encontra-lo. Estaciono minha moto na garagem e entro em casa. Deixo o capacete sobre a mesa que fica na entrada e sigo direto para o quarto, onde a Maria Gabriela está cuidando dos meninos.
— Passou a noite e você não me ligou. O que aconteceu?
Faço silêncio enquanto me questiona. Não sei como contar a terrível novidade, mas eu sou o novo CV agora e preciso honrar a facção. Olho em seus olhos e tomo suas delicadas mãos, entre as minhas.
— Gabriela. Eu nem sei por onde começar...
— Não! — ela se apavora. — Levi, meu irmão está morto? Não pode ser!
— Não! — eu a tranquilizo. — Ele está vivo. — ela suspira, aliviada. — Mas é por pouco tempo. Olha Maria Gabriela, eu vou logo te mandar a real de uma vez.
— O que foi?
— Acontece é que aquele pau no cu, do teu irmão, agora é a porcaria de um Capo! — altero a minha voz. Maria Gabriela arregala os olhão azul dela. — E tem mais... foi ele quem mandou matar o Marconi, entendeu? Ele!
— Eu não acredito, Levi. O meu irmão... ele tá limpo, ele até virou crente...
— Para de se iludir, Maria Gabriela! — sigo alterado. — O teu irmão mandou o Fantasma voltar. É porque ele sabia do que iria acontecer. Um dos capangas dele foi pego pelo bando do complexo e o desgraçado confessou tudo. O Lua é o novo chefe da máfia e como seu primeiro ato, declarou guerra ao CV.
Gabriela faz silêncio por alguns segundos. Ela se recusa a creditar que o irmão dela enganou a todos nós. Mas ela mesma decide falar.
— O que você vai fazer agora?
— Bom, você sabe que há regras na favela e o conselho me pediu a cabeça do Lua. Sinto muito, amor, mas dessa vez o teu irmão morrer! E não tem mais buceta no mundo que salve ele. — fui curto e grosso.
— O que? Você vai ter a coragem de matar o meu irmão, Levi? — ela questiona. Sabia que não seria fácil.
— Sinto muito, amor. Mas essa é a regra do jogo. Ele matou, ele morre!
Ela novamente faz silêncio e me dá as costas. Caminha um pouco, com uma mão na cintura e outra na cabeça, depois se volta para mim, novamente.
— Essa é mesmo, a sua última palavra? — xiii caralho, lá vem bomba.
— Sim! — eu respondi sério encarando os olhos dela, eu não hesito em afirmar.
— Pois se fizer mesmo isso, Levi, será a última vez que vai me ver. Eu garanto, se você realmente matar o meu irmão como está dizendo, será a última vez que olha nos meus olhos.
Não acredito que ela disse isso? Eu não acredito que a Maria Gabriela foi capaz de me ameaçar desse jeito?
— Essa merda é tão fácil assim pra você? Hein Maria Gabriela, é tão fácil assim me deixar?
— É tão fácil assim matar o meu irmão, a pessoa pelo qual eu prometi pra minha mãe proteger? Eu deixo sim Levi, tu não pode matar ele não. Se não eu te deixo agora.
— Quer saber... já deu. Foi você quem escolheu ser a minha mulher, sabendo das regras que iria seguir, agora quer dar pra trás? Pois eu não dar pra trás no caminho que escolhi. Vou ser fiel ao comando vermelho até o fim.
— E eu à minha família, entendeu?!
Maria Gabriela saiu do quarto e foi direto para a sala. Agora foi que fodeu tudo. Estou entre a cruz e a espada. Ou eu mato o Lua e entro numa guerra sem fim com a minha mulher, ou eu não mato o Lua e o CV me mata. Lascou feio pro teu lado, hein, Lobão!