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1

Alice e Lorenzo (16 anos de idade)

[ALICE]

-É hoje, meninas! -Malu deu um gritinho eufórico e um salto sobre o lugar fazendo com que suas lindas madeixas ruivas se agitassem de um lado para outro.

Estávamos eu e minhas melhores amigas desde o ensino fundamental, Maria Luíza, Rebeca, Thalita e Vitória, sentadas no refeitório do colégio durante o período do recreio, aproveitando os últimos minutinhos para lanchar e colocar os assuntos em dia enquanto o sinal não tocava para o próximo e entediante horário. Matemática avançada. Aff... quem é que inventou essa disciplina complicadíssima, mesmo? Ah, não importa. Só sei que terei que ralar bastante esse bimestre final se quiser continuar com boas notas e fechar o segundo ano do ensino médio com chave de ouro. Talvez Lorenzo pudesse me dar uma forcinha, mais uma vez, afinal de contas ele é melhor aluno desse instituto e um gênio na área das exatas, então não seria algo tão difícil assim.

-O que é hoje, Merida? -Thalita provocou sem dar muito crédito a empolgação fora de contexto de Malu.

Seus olhos olhos puxadinhos se reviraram no lugar antes mesmo que Maria Luíza respondesse a pergunta e em seguida enfiou parte da cenoura que comia na boca, dando uma grande mordida e fazendo crac ruidoso.

-Que eu irei dar o meu primeiro beijo, sua japa cínica! -Malu contou animada.

-Como assim, amiga? Quem é o garoto? Quando e onde vai ser? Vamos, nos conte tudo agora mesmo. -Beca disparou as perguntas animando-se com a novidade. A loira adorava ser a primeira a estar a par das coisa.

-Achei que você já tivesse dado seu primeiro beijo no nono ano. -Vitória comentou franzindo o cenho, os olhos cor de mel não deixavam um segundo sequer o brilho da tela de seu celular, enquanto enrolava um cacho castanho no dedo indicador distraidamente. -Todas nós já beijamos algum idiota pela primeira vez, acho que foi mais ou menos na mesma época para as cinco, não?

-Não. Eu e a princesa Alice aí, resolvemos esperar mais um pouco e... mais um pouco, até que estamos na mesma até hoje. Com dezesseis, quase dezessete anos de idade e ainda boca virgem. Um verdadeiro absurdo!-Malu apontou para mim inconformada, sua voz um pouco elevada acabou chamando a atenção de alguns alunos nas mesas a nossa volta, o que fez com que alguns pares de olhos se voltassem imediatamente para nossa mesa.

-Eu queria que fosse especial, vocês sabem... o meu primeiro beijo. Não que um idiota qualquer como a Vitória mesma disse, enfiasse a língua nojenta dentro da minha boca sem qualquer tipo de sentimento. -rebati na defensiva dando de ombros e desviando o olhar para longe. -E outra coisa, eu não a obriguei a nada, se você quis esperar até agora foi por pura escolha pessoal.

Vi quando Lorenzo cercado de seus três melhores amigos, Danilo, Apolo e Demetrius passaram pelas portas do refeitório, rindo de algo engraçado que algum deles havia dito e atrás deles vinha as bruxas metida, as gêmeas Suzane e Roane, prontas para arrastar aquelas azinhas magrelas para cima dos meninos. As duas irmãs não tinham um pingo de vergonha na cara, flertar era pouca coisa perto do que elas faziam descaradamente com os garotos quase todos os dias e o pior, na frente do colégio todo.

-Olha lá o trio do pecado chegando. -Malu cantarolou abrindo um sorriso derretido ao vê-los caminhar por entre as pessoas e virem em nossa direção. -Mas pelo visto o zoológico esqueceu a porta aberta e as serpentes resolveram dar uma voltinha no refeitório. -disse olhando para as unhas, fingindo indiferença a presença das garotas.

Caímos na gargalhada que logo foi suprimida com tosses forçadas, mãos na boca e até um bocejo mais falso que nota de três reais, quando Lorenzo parou atrás da cadeira em que eu estava sentada.

-E aí, garotas. Como estão? -ele perguntou apertando meus ombros com carinho e depositando um beijo em meu rosto.

-Bem até demais, loirinho. -Beca respondeu e piscou para ele. -Estamos naquele período do mês na vida das mulheres em que tudo é uma maravilha, tipo aqueles comerciais de absorventes que as mulheres sorriem e pulam contentes para todo o lado. Então... -ela brincou, ele que já estava acostumado com o jeito espontâneo e extrovertido da loira não se abalou com a resposta atravessada, pelo contrário, se juntou a risada dos amigos ao seu lado.

-Mas é uma sem noção mesmo, essa menina. -Suzane alfinetou, aproximando-se mais do grupo. -Vê se isso coisa de se dizer a um cara? Parece até um moleque de rua com essa boca deslavada. -cuspiu as palavras para fora sem se importar em estar estragando o clima descontraído

Olha quem está falando, pensei comigo mesma. Mais descarada que ela nesse colégio, só se juntasse ela e a irmã em uma mesma sala.

-Ali, minha amiga. -Beca me chamou de repente. -Não sabia que o instituto agora estava aceitando animais selvagens. Antigamente o colégio costumava ser mais seletivo sobre quem entrava por esses portões.

Balancei a cabeça em negação, sabendo o que ainda estava por vir.

-É muito perigoso deixar cobras siameses soltas por aí quando se tem tantos alunos como aqui. Vai que alguma delas resolve dar o bote? Deus me livre. -disse fingindo sentir calafrios. -Devia conversar com seu pai, menina, para ver se ele dá um jeito nesse problema aí. Afinal você é filha do dono de isso tudo aqui, não custa nada levar essa reclamação minha para ele. Infestação de pragas, era só o que me faltava agora. E olha que eu pago caro na mensalidade, hein? Vou até pedir um desconto ano que vem só por causa disso.

-Na verdade são seus pais que pagam e não você -Apolo riu, corrigindo-a.

-Quem te perguntou mesmo? Hum... deixa eu ver... Ah, pois é, ninguém.

-Calma aí, gatinha. Pode ir recolhendo as garrinhas, não estou afim de brigar com você. Afinal de contas sei que é apaixonada por mim e que toda essa raiva é apenas faixada para esconder esse amor reprimido.

-Apolo, por tudo que é mais sagrado, deixa a garota em paz. Você deve ter reencarnado umas duzentas vezes só para nascer com esse dom de irritar qualquer pessoa em um quilômetro quadrado. -Thalita que até o momento estava calada, resolveu interromper.

-Viu, Dem! -Apolo cutucou a costela do amigo com o cotovelo e continuou. -Sua garota está com ciúmes de mim. Quem diria que isso aconteceria um dia, hein? Na verdade, eu achava que a Mulan era muda com todo esse voto silêncio e tal.

-Meu amorzinho da china, eu já te disse que não pega bem ficar dando esses pitis perto da Apoline, sabe que ele não aceita facilmente até hoje sua rejeição e por ter ficado comigo também. -Demetrius a provoca, puxa uma cadeira desocupada e se senta tão próximo de Thalita que não há espaço entre eles.

Não se dando por satisfeito, o garoto insolente, roubou os óculos que estavam no auto da cabeça da mesma, e colocando no próprio rosto, saiu correndo, esbarrando em um ou outro aluno no trajeto quando a japa se levantou furiosa ameaçando arrancar sua cabeça fora.

-Podem seguir também o exemplo do mané e darem o fora. -Vitória deu o aviso para as gêmeas que assistiam tudo de cara amarrada.

-Só cuidado para não deixar um rastro de veneno pelo caminho, dá trabalho para as tias da limpeza limpar a bagunça depois. -Malu emendou, não satisfeita com o comentário anterior.

-Não somos obrigadas a nada, mas eu não irei continuar ouvindo tanta grosseria num mesmo lugar. Vamos, Roane. -Suzane foi quem se manifestou. -Tchau, Apolo, tchau Enzo. Nos vemos depois. -se despediram deixando-nos finalmente em paz.

Não vai não, protesto mentalmente. Se dependesse de mim, aquela megera só iria ver Lorenzo no inferno. Garota chata.

-Tchau, meninas. Até mais tarde. -Lorenzo respondeu educado.

Algo em seu tom gentil e cordial faz com que eu fique ligeiramente chateada e me afaste sutilmente do toque de suas mãos. Se era ciúmes? Claro que não. Mas poxa vida, ele era meu melhor amigo, sabia muito bem que eu não gostava daquelas meninas que faziam de tudo para importunar minhas amigas e eu, e aí ele vem agir amigavelmente logo com elas e bem na minha frente? Por favor, né? Aí é exigir demais do meu autocontrole.

-Gente, eu estou indo nessa, preciso ir para a aula. -afastando a cadeira, me levantei do lugar quando o sinal tocou e as meninas fizeram o mesmo, imitando-me.

-Também estamos indo Ali, espera. -Malu pediu recolhendo o lixo descartável sobre sua bandeja e o jogando fora na lixeira mais próxima.

Deixando Lorenzo e Danilo para trás, seguimos as duas até o balcão de serviço onde depositamos nossas bandejas sujas e caminhamos rumo a saída do refeitório. Todos já haviam ido embora, somente Beca ainda nos aguardava para irmos juntas para a sala.

***

-Ora, ora, vejam o que temos aqui, meninas. -uma voz enjoada soou ao meu lado na carteira e eu nem precisava virar a cabeça para saber de quem se tratava.

Ah, essa não! De novo não, resmungo internamente, pensando em como essa perturbação nunca tinha fim.

-Se não é a sonsa sem sal que se acha a dona do lugar. -Suzane implicou enquanto a irmã e as amigas a acompanharam com risinhos debochados.

Ignorei suas palavras que escorriam maldade e continuei fingindo estar prestando atenção nas palavras que o professor escrevia no quadro. Faltavam poucos minutos para a aula encerrar, a última do dia, graças a Deus. Eu conseguiria aguentar até o final aquelas provocações, era só não dar ouvidos. Isso, era só ficar na minha. Porém isso não se mostrava uma tarefa nada fácil quando todas elas se sentavam ao meu redor só para ter o prazer de me encher a paciência.

-Fiquei sabendo de um babado hoje, meninas. -Roane foi quem disse dessa vez, em tom baixo como se estivesse confidenciando um segredo muito importante as outras, mas alto o bastante para qualquer um da sala ouvir. -Um certo alguém, o qual eu me recuso dizer o nome, nunca beijou um menino na vida, acreditam? -ela riu com escárnio.

-Sério, amiga? Que idiota! -Beatriz disse e eu quase podia sentir seus olhos queimando sobre minha pele naquele instante. -Mas e aqueles amiguinhos gostosos com quem essa pessoa sempre anda? Nunca rolou nem um selinho? Argh, o que eu estou dizendo? Mas é claro que não. Ela não tem nada demais que atraia a atenção daquelas espécimes maravilhosas. Essa pessoa teria que trocar de corpo umas duas vezes pelo menos, para conseguir ganhar sequer um olhar diferente de algum deles.

Respiro fundo, tentado aclamar as batidas furiosas em meu peito e não me deixando abalar por suas alfinetadas. Isso tudo era inveja e puro despeito, eu repetia para mim mesma a todo momento. Eu tinha que ser forte, se não quisesse parecer fraca e chorar na frente dessas garotas fúteis que adoravam humilhar toda e qualquer pessoa que julgavam serem inferiores a elas. Não, eu não daria esse gostinho a nenhumas delas, mesmo que eu pudesse sentir meus olhos marejarem a cada segundo que permanecia perto do ar tóxico que emitiam.

-Isso é verdade. -Vanessa concordou com a amiga e um sorriso maldoso nos lábios pintados de carmim. -Todo mundo sabe que aquele bonitão lá, só está perto por pena. Afinal de contas quem não ficaria, a coitadinha acha que é alguma coisa por ser filha do dono do colégio, quando na verdade não é nada. Nem filha de verdade ela é, é apenas adotada, uma agregada, um ratinho feio e assustado que se esconde atrás das amiguinhas estranhas, nada mais do que isso.

Agora elas tinham ido longe demais! Admito que falem qualquer coisa de mim, que critiquem minha aparência ou meu jeito de ser, contudo jamais mexa com minha família. Nunca, em hipótese alguma mexa com um deles, pois independentemente de termos o mesmo sangue ou não, o laço mais forte que sempre nos manteria unidos era o amor.

-Já chega, suas... suas... -digo por fim, me colocando de pé e encarando-as com raiva e dor. -Idiotas. -titubeio antes de completar, até porque eu não tinha costume de xingar pessoas. Na verdade eu nunca o havia feito.

-Alice, algum problema aí atrás? -o professor questionou sério enquanto encarava eu e as meninas com desconfiança após minha súbita explosão.

-Todas vocês vão se ferrar. -eu o ignoro enquanto jogo meu material dentro da mochila de qualquer jeito e fecho o zíper com violência.

-Alice... -ele adverte mais uma vez, porém passo direto por ele e paro na porta antes de sair sem sua permissão.

-Desculpe por isso professor... -e me virei novamente na direção de Suzane e as garotas. -Espero que o quinto dos infernos seja tão ruim quanto dizem e que o diabo as carregue para lá com passagem só de ida. -e batendo a porta com força saí dali o mais depressa possível.

Com as lágrimas correndo soltas pela face, caminhei desnorteada pelos corredores do colégio de cabeça baixa para que ninguém visse meu estado deplorável e acabasse delatando o ocorrido para papai. Porque sim, Henrique era meu pai e nada no mundo seria capaz de mudar isso.

-Aii... -reclamo ao sentir o impacto de um corpo firme colidindo contra o meu, e com o impacto quase acabei perdendo o equilíbrio.

-Desculpa, eu não tinha te visto e você apeteceu de repente... me desculpe, de verdade. -Danilo se desculpou todo atrapalhado, constrangido com o acontecido.

-Não, tudo bem. A culpa foi minha, não vi para onde estava indo e acabei te atropelando no caminho. -disse para tranquiliza-lo em meio uma fungada. Sequei rapidamente algumas lágrimas que escapavam e tentei sorrir.

-Está tudo bem, Alice? Se sente mal ou precisa de algo? Você...

-Relaxa, estou bem. Só preciso de... remédio para cólica. -menti na cara dura. -Bom, eu vou indo. Ah, só me faz um favor, não conte para Lorenzo que me viu assim. É só um mal estar bobo, logo vai passar e eu não quero preocupa-lo atoa, entende?

-Claro. -ele concordou prontamente. -Minha boca é um túmulo. -emendou com um meio sorriso dando-me as costas e seguindo seu caminho novamente.

Cumprimentando o senhorzinho da portaria que logo liberou minha passagem pela saída do estacionamento, isso após eu ter contado uma pequena mentirinha para o pobre homem. É claro que eu não seria louca de tentar sair pelos portões da frente, sabia que meus pais seriam informados imediatamente e meus planos de fugir do colégio iriam por água abaixo. Então essa tinha sido a única maneira de burlar a segurança do lugar. Mal tinha colocando os pés para fora do instituto e logo o ronco alto de uma moto soou assustando-me ao encostar no meio fio bem meu lado.

Droga! Eu era mesmo uma péssima fugitiva, não tinha se passado nem cinco minutos e eu já havia sido descoberta.

-Aquele garoto é um mentiroso de marca maior, além de um grande fofoqueiro. -digo cruzando os braços sobre o peito, o rosto torcido em uma careta.

-Nisso tenho que concordar com você. Agora sobe aí, princesa. -Lorenzo disse apontando para trás do acento.

-E se eu não quiser? Vai me obrigar? -o desafiei sentindo-me irritada com tudo a minha volta, e descontando em cima dele.

-Não. Mas irei voltar lá dentro e contar para Henrique ou posso até mesmo ligar para tia Ana, e dizer que a filha deles é uma fugitiva mediana. -respondeu simplesmente e eu sabia que ele era bem capaz de me dedurar, caso eu não o incluísse em minha pequena peripécia.

-Você é baixo. -me rendo por fim e subo na garupa da moto.

-Na realidade eu sou bem alto, tenho um e setenta e nove. -ele ri e acelera nos colocado em movimento.

-Babaca. -resmungo baixinho sob o capacete, mesmo assim ele consegue me ouvir.

-Princesa. Irritante e teimosa feito uma mula, mas ainda assim uma princesa. -Lorenzo diz puxando uma de minhas mãos que rodeavam sua cintura e a traz até os lábios onde deixa um beijo.

-Para onde estamos indo? -desconverso, sentindo as bochechas esquentarem com o elogio.

-Para minha casa. Meu pai está trabalhando a essa hora, então não seremos interrompidos.

-Espero que pelo menos vocês tenham comida de verdade na geladeira. Estou morrendo de fome. Da outra vez em que estivemos lá você me deixou ir embora faminta. Só tinha comida congelada no freezer e isso nem pode ser chamado de comida.

-Tem sim, senhora espertinha. Fui ao mercado essa semana e abasteci a dispensa, porque se eu for esperar pelo meu pai, vamos viver o resto da vida de pizza ou comida congelada. -rimos da situação e eu já começava a me sentir um pouco melhor apesar de tudo.

Em questão de poucos minutos e alguns quarteirões depois, chegamos ao prédio em que Lorenzo morava, ele estacionou a moto na vaga do pai e subimos para o apartamento, que estava exatamente da mesma maneira que eu me lembrava. Assim que entramos, fomos tirando nossos casacos e deixando-os pendurado no porta-casacos atrás da porta.

-Agora venha cá, abra seu coração e conte tudo o que está acontecendo para esse velho amigo aqui. -ele pede dando um tapinha ao seu lado no sofá.

-Lorenzo, eu não quero falar sobre isso, machuca... -suspiro e ele continua a me encarar com intensidade e aquele par de olhos azuis penetrantes que pareciam enxergar minha alma. -Tá bom, eu falo. -digo me jogando ao seu lado e logo seu braço me traz para mais perto, próximo de seu peito onde deito minha cabeça e descanso.

Suspiro sentindo-me acolhida e segura no conforto de seu carinho. Então eu conto tudo, todas as palavras cruéis e venenosas que aquelas garotas usaram com o objetivo de me ferir e ele me escuta em silêncio. No fim das contas foi ótimo desabafar, me abrir com ele. Eu me sentia mais leve após colocar tudo para fora, após dividir minhas angústias com meu melhor amigo e receber dele em troca palavras de conforto e carinho, me fazendo relembrar quem eu realmente era. Uma garota feliz e amada que tinha a graça de ter um amigo tão especial e bom para mim com quem eu sempre poderia contar.

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