Malas prontas
Eu me chamo Kyra, tenho 27 anos, e sou formada e designe de moda.
A vida nunca foi fácil pra mim, desde muito cedo eu tive que aprender a me virar sozinha.
Perdi os meus pais muito cedo, eu ainda era um bebê quando meu pai morreu, eu não senti tanto, por não entender o que se passava na época, mas quando perdi minha mãe, foi uma dor irreparável.
Eu tinha apenas 10 anos quando ela passou mau, e simplesmente morreu.
Eu não tive controle sobre nada, não sabia como agir, não sabia o que seria de mim sem ela.
Eu lembro daquele dia com muita dor no coração, e o que aconteceu depois disso, deixou em mim marcas que carrego até hoje.
É difícil lembrar de tudo, sem sentir meus olhos marejarados pelas lágrimas.
Eu conheci um garoto, e ele se chamava Dilan, e era o meu melhor amigo.
Minha mãe trabalhava na praia e eu aproveitava pra brincar com ele.
Eu tinha apenas 7 anos quando brincamos pela primeira vez.
Ele era carinhoso, atencioso, divertido, e tinha os olhos mais lindos que já vi.
Brincar com ele era a melhor parte do meu dia.
Quando fecho os meus olhos, ainda consigo sentir o cheiro da maresia da praia, e consigo vê-lo correr atrás de mim na tentativa de me alcançar. Ele era tudo o que eu tinha além da minha mãe.
E quando perdi ela, a única pessoa que me restou foi ele.
Eu nunca tive contato com a família do meu pai, e também não tinha com a família da minha mãe.
O relacionamento dos meus pais não foi algo bem aceito pela família.
O meu pai veio de uma família muito rica, e minha mãe, de uma família pobre, e quando os dois se conheceram, se apaixonaram e fugiram, desde então nenhum dos dois tiveram contato com ninguém.
Quando o meu pai morreu, minha mãe teve que me criar sozinha, mas ela era artista, ela fazia quadros incríveis, e vendia todos na praia, e isso era o que mantinha a nossa casa. Ela nunca me deixou passar fome, eu sempre tive tudo o que era necessário pra viver.
Ela sempre sentava comigo no fim do dia, e contava as histórias de amor que ela viveu com o meu pai.
Foi ela que me ensinou que existe amores feito sob medida pra gente.
Que se algum dia eu sentisse o meu coração bater mais forte e descompassado, se a minha respiração falhar por alguns instantes, se minhas mãos começarem a suar, e eu sentisse borboletinhas no estômago por alguém, aquele seria o cara certo pra mim.
Ela sempre dizia pra eu prestar atenção nos sinais, pois o cara certo seria gentil, amoroso, cuidadoso, atencioso, e ele lutaria por mim em qualquer circunstância.
Apesar de ter passado pouco tempo com minha mãe, ela me ensinou muito.
Ela parecia que sabia que o nosso tempo juntas era curto.
Ela dizia que era pra eu estudar, que eu era forte o suficiente pra superar qualquer obstáculo que tivesse à minha frente, que eu jamais me deixasse abater pela negatividade de ninguém.
A voz dela ainda ecoa na minha mente.
Ela se foi, e eu fui obrigada a ir também.
Não com ela, mais com um homem que eu nem conhecia, que hoje eu sei que é meu tio.
Ele foi me buscar, e eu corri procurando o Dilan, como se a minha vida dependesse dele.
Quando eu o encontrei, eu o abracei, e eu ainda consigo sentir o que aquele abraço significou pra mim.
Um dia a gente prometeu que se a gente viesse a se separar, a gente lutaria pra se reencontrar, e nós dois jamais iriamos nos separar outra vez.
Eu não sabia que aquela promessa me acompanharia até os dias de hoje.
No dia que fui embora, ele me fez lembrar dessa promessa. Ele repetiu cada palavra pra mim, depois me deu um anel que ele tinha a bastante tempo e colocou na minha mão.
Eu não queria deixar ele sem nada, então dei pra ele o meu lenço, que eu tinha pegado pra limpar as minhas lágrimas.
Meu tio me tirou dos braços do Dilan, e eu não consigo entender como eu consegui sobreviver a tanta dor em um único momento.
Meu tio me trouxe pro interior de Minas Gerais, pra casa da minha vó materna, que me recebeu com muito amor.
Ela disse que não sabia da minha existência, pois minha mãe sumiu no mundo e nunca ligou pra ela.
Quando ligaram pra ela falando que minha mãe morreu e que eu existia, ela disse que foi um misto de dor e emoção.
Eu me lembro de ver ela chorando enquanto me abraçava, dizendo que cuidaria de mim.
E ela cuidou com todo o amor do mundo.
Ela disse que faria por mim o que ela nunca foi capaz de fazer pela minha mãe, e ela fez muito, ela que pagou os meus cursos e a minha faculdade com o pouco que ela recebia, e eu trabalhava meio período pra ajudar em casa.
Minha vó teve dois filhos, minha mãe e meu tio que foi me buscar, e moramos todos juntos na mesma casa, eu, minha vó, o meu tio, a esposa dele e mais 2 filhos.
Ele é um escorado, e a esposa dele é quem ajuda com as finanças da casa.
Recentemente, minha vó me chamou pra conversar.
Ela me disse que a casa que era dos meus pais, era própria, e ficou pra mim quando minha mãe morreu.
Que ela nunca me falou porque tinha medo de eu ir embora e nunca mais aparecer como minha mãe fez.
Ela me levou até um quartinho, tirou um documento da gaveta e as chaves.
E disse que estava me entregando porque era injusto eu estar presa a um canto que não suportaria a minha grandeza.
Eu peguei as chaves e comecei a chorar.
Pois lembrei da minha mãe, da nossa casa que era tão acolhedora e confortável, e me lembrei dele, do Dilan.
Lembrei da promessa que fizemos, e que eu nunca pude cumprir, pois me recusava a deixar minha vó.
Mas naquele momento ela pegou na minha mão, e disse que estava na hora de eu voar, e que ela ficaria bem.
Então hoje, eu estou aqui, fazendo minhas malas, pegando tudo o que preciso, e com o coração ansioso, por voltar a um lugar que eu tanto fui feliz, mas também que tanto me causou dor.
Eu sabia que nada estava como antes, e que provavelmente o Dilan não estava mais lá.
Mas como eu gostaria de tê-lo esperando por mim.
Não tem um só dia que eu não pense nele, que eu não pense no sorriso dele e naquele abraço.
Até hoje carrego o anel que ele me deu no pescoço, é o meu amuleto.
Durante as maiores provas da minha vida, eu segurei esse anel que fiz de cordão, e imaginei que era o Dilan me dando forças pra avançar.
Eu queria que ele soubesse que não esqueci dele, que não esqueci de nada do que prometemos.
Eu não sabia onde encontrá-lo.
Mas eu iria procurá-lo.
Durante muito tempo, me recusei a me relacionar com alguém, pensando nas palavras da minha mãe sobre o cara certo, e toda vez que penso nisso, associo as palavras dela ao Dilan.
Eu sei que nós ainda eramos crianças, mas hoje somos adultos, e fico imaginando se ele seria tudo isso que ela me disse.
E o que eu sentiria se um dia voltasse a vê-lo.
Eu espero um dia poder descobrir.