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Ela não entende espanhol (II)

- Ah, me poupe, Pedro! – Abri a mão dele e pus a taça, que se obrigou a segurar – Beba esta porra! Aos nossos dezoito! – levantei a taça, fazendo o brinde.

Meu sonho sempre foi beber o Chandon. E que porra de coisa ruim! Fiz careta, balançando a cabeça de forma involuntária.

Olhei a taça de Pedro, que estava vazia.

- Você... Bebeu tudo? – Perguntei, confusa.

Ele assentiu.

Pus a minha taça na mesa e começou a tocar “Celebration” de Kool and the Gang. Deus, se eu tivesse feito uma lista para o DJ duvido que tivesse saído tão perfeita. Parecia um brinde aos meus dezoito.

Gritei e Flora riu, pulando comigo. Eu não sabia a porra do Inglês, mas amava cantar. Aliás, eu era uma ótima cantora no chuveiro.

Todos estavam se divertindo e dançando, exceto meu novo amigo Pedro.

- Não está ouvindo? Celebration... – Mexi os braços dele, tentando fazê-lo se mexer.

- Sabe o que quer dizer? – Ele me perguntou, parecendo uma pedra.

- Vamos celebrar? – Arrisquei.

- Celebrar, comemorar...

- Acertei! – Pulei ainda mais alto – Você dá aulas de Inglês? Morou fora do país ou algo assim?

- Não!

Ele respondia o mínimo possível. Não gostava de mim, estava chateado por causa da ex que não tinha aparecido ou era só um mal-amado mesmo.

Virei e deixei-o, voltando a dançar. Pablo pegou-me pela cintura, juntando o quadril ao meu. Tinha gingado, dançava bem o uruguaio, embora o perfume que usasse fosse forte e enjoativo.

Ele veio com o rosto na minha direção e tentou roubar um beijo, fazendo-me virar, pegando na bochecha.

Imaginei que fosse ficar brabo, mas não. Só riu e continuou se divertindo, dançando comigo.

- Ah, Pablito... “Yo no gusta de homens de barba”

- No me gustan los hombres con barba. – Pedro disse imediatamente, traduzindo o meu espanhol.

Impressão minha ou ele falou o mesmo que eu, só trocando as palavras de lugar?

- ¡Ahora mismo me afeito la barba, hermosa!

Olhei para Pedro, implorando tradução.

- Ele disse que sente muito, mas que gosta de barba e que as mulheres bonitas gostam.

Encarei Pablo, fazendo cara feia. Aquilo não foi nada gentil. Mas pensando bem, era legal um homem que tinha amor próprio e se gostava.

- Diga para ele que admiro muito homens que se gostam e se cuidam. E não o achei convencido. Explique que se até o final da noite ele não encontrar ninguém que o interesse, darei um beijo nele. – Pedi a Pedro.

- Ella dijo que encuentra que la barba es muy anti-higiénica y que deberías buscar a otra chica, porque ya está comprometida. Hoy solo vino aquí para emborracharse y comer pastel.

Caralho, ele falou tão rápido que não entendi porra nenhuma... Só o pastel. Pablito me deu um beijo no rosto e saiu.

- O que houve com ele? – Perguntei.

- De certo vai ver se realmente não encontra ninguém até o fim da noite.

- Achei que ele queria o beijo. Eu até abriria mão do meu preconceito de não beijar homens de barba.

- Como assim? Você não beija homens de barba?

- Não.

- Por quê?

- Porque deve ser ruim.

- Você é doida?

- O que quer dizer pastel em espanhol?

- Pastel quer dizer pastel.

- Mas eu não disse pastel quando pedi para você traduzir o que eu estava falando. Mas você falou pastel para Pablito.

- Ele não se chama Pablito. O nome dele é Pablo.

Algo me dizia que Pedro estava me enrolando. O pior de tudo é que de uma hora para outra todo mundo foi embora e ficamos só nós dois ali. Eu era tão animada e sobrou o garoto mais desanimado para me fazer companhia. E o tal Pablito era um sem coração.

- “Comemore os bons momentos

Tem uma festa acontecendo bem aqui

Uma comemoração para ser lembrada por anos

Então, traga seus bons momentos e suas risadas também

Vamos comemorar a festa com você

É hora de nos unirmos

O que te deixa feliz?

É uma comemoração!”

Pedro falou tudo aquilo, enquanto me olhava seriamente.

- Do que você está falando? – Arqueei a sobrancelha, completamente confusa.

- Do que se trata a música Celebration.

Comecei a rir e peguei a torta mini, passando o dedo no merengue e provando:

- O Chandon era ruim... Mas o bolo não é tanto.

Ele não disse nada. Continuou me olhando como se fosse uma pedra.

- O que te deixa feliz, Pedro? O que te faz celebrar?

- Muitas coisas.

- Resposta de quem não sabe o que dizer.

- Você nem me conhece! – elevou os ombros, demonstrando que eu era insignificante.

Achei que fosse chantilly, mas era merengue mesmo. E eu gostava muito de doces. E de merengue mais do que de chantilly. Enchi dois dedos com o creme e pus na boca, saboreando:

- Quando eu era pequena minha mãe fazia merengue para pôr na minha torta de aniversário e para dar cor ela botava Q-suco. – Eu ri, lembrando.

- Isso te faz feliz? Lembrar disto?

- Não... Eu estou feliz porque fiz 18 anos.

- E o que mudou na sua vida? – Ele riu, certamente achando que fazer 18 era como fazer 15 ou 20.

- Eu posso ir embora de casa. – Confessei.

Ele ficou tão sério quanto eu. Suspirei. Não era minha intenção falar da minha vida com aquele estranho. Minha vontade naquele momento era sentar e abaixar a cabeça no ombro de Flora e chorar.

“Celebrar”! Eu ri.

Eu sabia o que me fazia feliz. Era estar fora de casa!

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