Prólogo
O cheiro de mofo impregnava o pequeno apartamento, misturado ao café barato que eu tinha conseguido fazer com as últimas moedas no fundo da gaveta. As paredes descascadas e o frio cortante que entrava pela janela quebrada eram um lembrete constante da vida que eu levava—ou melhor, da vida que eu tentava sobreviver.
A fome já era uma velha conhecida. Assim como o medo. Mas o que mais doía não era a miséria, nem as cicatrizes invisíveis que colecionei ao longo dos anos. Era a sensação sufocante de que, não importa o quanto eu tentasse, eu nunca sairia daquele buraco.
Minha mãe morreu antes que eu pudesse sequer entender o que era ter uma. Meu pai… bem, se é que posso chamá-lo assim, foi um monstro que destruiu tudo que poderia haver de bom em mim. Aprendi cedo que o mundo não é gentil com meninas como eu.
Cresci ouvindo que eu nunca seria nada além de um peso morto, que ninguém se importaria se eu desaparecesse. E talvez fosse verdade. Talvez ninguém sentisse minha falta. Mas eu sentia falta de algo que nunca tive: liberdade.
Foi por isso que aprendi a me virar sozinha. Roubar, mentir, manipular—fiz o que foi preciso para sobreviver. Não porque queria, mas porque não havia escolha. Se você não endurece, o mundo te engole.
E então, um dia, apareceu um homem que me olhou como se eu tivesse algum valor. Damian Costa. Ele me deu um propósito, uma promessa de algo melhor. Mas promessas sempre têm um preço.
Eu só não sabia que esse preço seria minha própria alma.
O vestido preto ajustado ao corpo era discreto o suficiente para não chamar atenção, mas elegante o bastante para me fazer passar pela porta da frente sem levantar suspeitas. Meus saltos batiam ritmicamente contra o chão de mármore enquanto eu caminhava pelo salão luxuoso do hotel, com um copo de vinho na mão e um sorriso ensaiado nos lábios.
Havia aprendido que, no jogo da sobrevivência, a aparência era uma arma tão poderosa quanto uma lâmina bem afiada.
— Você está atrasada. — A voz grave veio de trás de mim, e eu nem precisei me virar para saber quem era.
Suspirei antes de responder, levando a taça aos lábios.
— Relaxa, Damian. Eu estou aqui, não estou?
— Não gosto de esperar, Elena. — Ele se aproximou, a presença dele sempre carregada de uma tensão que fazia o ar pesar. — Principalmente quando se trata de um trabalho tão… delicado.
Finalmente, me virei para encará-lo. Os olhos frios, sempre avaliadores, me estudavam como se tentassem enxergar através da minha pele.
— Eu sei o que estou fazendo. — Minha voz saiu firme, sem hesitação. — E eu não erro.
Ele sorriu de lado, satisfeito.
— Ótimo. Porque esse é o trabalho que vai te dar tudo o que eu prometi. A liberdade que você sempre quis.
Liberdade.
A palavra soou vazia no momento em que ele a disse. Porque no fundo, eu sabia que não existia liberdade para alguém como eu. Só correntes diferentes.
— Você já tem o seu caminho traçado. A identidade falsa foi providenciada, os contatos dentro da mansão já sabem que você vai chegar amanhã. — Damian tomou um gole do próprio drink antes de continuar. — Matteo Bianchi não faz ideia do que está prestes a acontecer.
O nome dele fez algo estranho dentro de mim. Não medo. Não hesitação. Mas algo mais sombrio. Mais perigoso.
— Você sabe o que precisa fazer. — Damian se inclinou, seus olhos perfurando os meus. — Se aproximar. Ganhar a confiança dele. E quando for a hora certa…
Ele não precisou terminar. Eu já sabia.
Matar Matteo Bianchi.
Engoli em seco, mas mantive a expressão impassível.
— Considere isso feito.
Eu era uma assassina. Uma mulher sem passado, sem raízes, sem nada a perder. Pelo menos, era isso que eu sempre acreditei.
Até conhecer Matteo.
Até conhecer a filha dele.
Até perceber que, pela primeira vez na vida, eu tinha algo que poderia me fazer hesitar.
E hesitar, nesse jogo, era o mesmo que morrer.
